Leitura Partilhada
domingo, outubro 31, 2004
 
Clarice Lispector inventou uma parte de nós.

leitora
 
 
"Nunca morremos. E todos os dias somos outra coisa diferente porque todos os dias sonhamos", escreveu Maria Rosa Colaço em "Espanta Pardais" (1958).

Troti
 
 
"Uma pessoa grávida de futuro."

(A Hora da Estrela - p.84)

Esta é, para mim, a ideia mais forte que recolhi de Clarice Lispector.

Troti
 
 
"...irei até onde o ar termina, irei até onde a grande ventania se solta uivando, irei até onde o vácuo faz uma curva, irei até aonde meu fôlego me levar."

(A HOra da Estrela - p.90)

Troti
 
 
"...ter futuro era luxo."

...

"Tristeza era luxo."

...

"Viver é luxo."

(A Hora da Estrela)

Troti
 
 
"É tão bom viver, não é?"

( A Hora da Estrela - p.57)

Eu acho.

Troti
 
 
"O melhor negócio é ainda o seguinte: não morrer, pois morrer é insuficiente, não me completa, eu que tanto preciso"

(A Hora da Estrela - p.92)

Troti
 
 
"Era supersónica de vida."

(A Hora da Estrela - p.68)

Troti
 
 
"Eu vou ter saudade de mim quando morrer."

(A Hora da Estrela - p.58)

Troti
 
 
"A palavra é a minha quarta dimensão"

Clarice Lispector


Troti
 
 
"Você é a mesma de sempre. Só que desabrochou em rosa vermelho-sangue.

...

Ela havia atingido o impossível de si mesma."


Troti
 
 
"Existir é tão completamente fora de comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama "eu existo", a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista."


Troti
 
 
"Ela não queria nada senão aquilo mesmo que lhe acontecia: ser uma mulher no escuro ao lado de um homem que dormia. Pensou por um instante se a morte interferiria no pesado prazer de estar viva. E a resposta foi que nem a ideia de morte conseguia perturbar o indelimitado campo escuro onde tudo palpitava grosso, pesado e feliz. A morte perdera a glória."
(p.132)



( "sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada.
Mas antes precisava tocar em si própria, antes precisava tocar no mundo.")
(p.48/49)

Troti
 
sábado, outubro 30, 2004
 
"- A noite de hoje está me parecendo um sonho.
- Mas não é. É que a realidade é inacreditável.
...

Saber-se a si mesma era sobrenatural."

Troti
 
 
"Estou enfim me dando e o que me acontece quando eu estou me dando é que recebo, recebo."

Esta é a base da existência. Dar-se, dar-se sempre mesmo sem esperar receber.

Troti
 
 
"- Mas eu faço mais do que te compreender, disse ela apressada, eu te amo..."

(Perto do Coração Selvagem -p.127)

Troti
 
 
"Sua alma humana era também o único modo como lhe era dado aceitar sem desatino a alma geral do mundo."

Troti
 
 
"Achava agora que a capacidade de sofrer era a medida de grandeza de uma pessoa e salvava a vida interior dessa pessoa."

Troti
 
 
"E sabia que era uma feroz entre os ferozes seres humanos, nós, os macacos de nós mesmos. Nunca atingiríamos em nós o ser humano. E quem atingia era com justiça santificado. Porque desistir da ferocidade era um sacrifício."


Troti
 
 
"Aproximou-se dele, entregando-lhe a sua alma e sentindo-se no entanto plena como se tivesse sorvido um mundo."

(Perto do Coração Selvagem p.134)

Troti
 
 
"Era doce e bom saber que entre ambos havia segredos tecendo uma vida fina e leve sobra a outra vida, a real. Ninguém adivinharia jamais que Otávio a beijara nas pálpebras uma vez, que ele sentira nos lábios os seus cílios e que sorrira por isso...Dentro de cada um deles acumulavam-se conhecimentos nunca devassados por estranhos...
...
há coisas indestrutíveis que acompanham o corpo até a morte como se tivessem nascido com ele. E uma delas é o que se criou entre um homem e uma mulher que viveram juntos certos momentos."


(Perto do Coração Selvagem - p.123/124/125)

Troti
 
 
"Oh Deus! Ter uma vida só era tão pouco!"

Troti
 
sexta-feira, outubro 29, 2004
 
"Estou procurando danadamente achar nessa existência pelo menos um topázio de esplendor. Até o fim talvez o deslumbre, ainda não sei, mas tenho esperança."
(AHora da Estrela - p.43)


Eu também tenho.

Troti
 
 
1976

- Recebe o primeiro prêmio do X Concurso Literário Nacional, concedido pela Fundação Cultural do Distrito Federal, pelo conjunto da obra. Em maio corre o boato de que a escritora não mais receberia jornalistas. José Castello, biógrafo e escritor, nessa época trabalhando no jornal O Globo, mesmo assim telefona e consegue marcar um encontro. Após muitas idas e vindas é recebido. Trava então o seguinte diálogo com Clarice:

J.C. "— Por que você escreve?

C.L. "— Vou lhe responder com outra pergunta: — Por que você bebe água?"

J.C. "— Por que bebo água? Porque tenho sede."

C.L. "— Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva."

http://www.releituras.com/clispector_bio.asp

Troti
 
 
Lispector chegou-me às mãos numa rima de seis títulos diferentes e as palavras “Toma. Lê.” Há presentes assim. Eu já agradeci, muitas vezes. Desconfio que não vou poder retribuir...

leitora
 
quinta-feira, outubro 28, 2004
 
"Só sabia que já começara uma coisa nova e nunca mais poderia voltar à sua dimensão antiga. E sabia também que devia começar modestamente, para não se desencorajar. E sabia que devia abandonar para sempre a estrada principal. E entrar pelo seu verdadeiro caminho que eram os atalhos estreitos."

Troti
 
 
"Sua dificuldade era ser o que ela era, o que de repente se transformava numa dificuldade intransponível.

...

Ser-se o que se é era grande de mais e incontrolável."



E assusta. E faz tremer. E faz-nos render.

Troti
 
  Como não gostar de Lispector
Não há forma, há desafio de narrar o indizível. Não há história, há um misto de emoções contraditórias, cuja conjugação determina o momento seguinte. Não há análise, pelo que o leitor não tem tréguas; envolto na teia, condenado a colar as suas referências emocionais às palavras do livro, e encontrar repouso por meios próprios.

leitora
 
 
"Clarice me fascina e me assusta. Porque ela parece saber mais de mim do que eu mesma."

MARIA ESMERALDA, atriz
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
 
"Perco a consciência, mas não importa, encontro a maior serenidade na alucinação."

(Perto do Coração Selvagem- p.17)

Troti
 
 
"- Não sei bem o que sou, me acho um pouco...de quê?...Quer dizer não sei bem quem eu sou."

(A Hora da Estrela)


"É curioso como não sei dizer quem sou."

(Perto do Coração Selvagem)

"Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais."

"Quem sou?"

Este é o enigma de Clarice, e é também o nosso.

Troti
 
 
"Ela nada esperava. Ela era em si, o próprio fim."

(Perto do Coração Selvagem -p.72)

Troti
 
 
"Na verdade ela sempre fora duas, a que sabia ligeiramente que era e a que era mesmo, profundamente."

(Perto do Coração Selvagem p.73)

Troti
 
quarta-feira, outubro 27, 2004
 
"Clarice
veio de um mistério.
partiu para outro.
Ficamos sem saber a
essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele."

Carlos Drummond de Andrade
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
 
"E Lóri pensou que talvez essa fosse uma das experiências humanas e animais mais importantes: a de pedir mudamente socorro e mudamente esse socorro ser dado."

Troti
 
  Como gostar de Lispector
Não há forma de tornar uma leitura apaixonada – acontece-nos, simplesmente. A mim aconteceu. Apesar de ter sido um livro muito recomendado (normalmente este factor, elevando as expectativas, tem resultados desastrosos nas minhas descobertas), deixou-me fora de mim. Lispector é inesperada, arrojada, e capaz de captar a complexidade de ser: ninguém é nada em absoluto, mas antes a combinação de tudo. O fraco é forte, o ter é não ter, o não ser é ser. Então, tudo é possível e indeterminado. Temos desafio.

leitora
 
 
Tocante, comovente, belo: o momento em que, n'A Maçã no Escuro, Ermelinda escolhe / descobre amar Martim. Porque tudo se precipita num momento, um momento que ela mesma não sabe se não será de total entrega, de abandono. Momentos como esse não preenchem, porém, o desenrolar das histórias de amor. São marcas, fronteiras, abismos. É a partir deles que se conta o tempo, que se diz (como n'A Hora da Estrela, aliás): antes de tudo ter acontecido...

nastenka-d
 
terça-feira, outubro 26, 2004
 
"Clarice devora-se a si mesma."

(Lúcio Cardoso)
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
 
"De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário."

Troti
 
  Aprendizagem
Este é um dos poucos livros que me criou um imediato impulso de releitura. Não tanto pela busca de mais fios condutores e de entendimentos; antes pelo prazer, pela rendição.

leitora
 
 
Ele, o homem, reapareceu. Assegurando a realidade. E aquele corpo groseeiro contrabalançava a suavidade do milheiral, a suavidade das mulheres e das flores. Com a firmeza ingénua que um homem tem, e que é a sua força, ele contrabalançava a nauseante delicadeza da morte.

A Maçã no Escuro

nastenka-d
 
segunda-feira, outubro 25, 2004
  dois pontos
dois tranquilizantes pontos, apesar de tudo. Se a vírgula nos impõe ritmo, embate, os dois pontos são suaves, abrem a porta. Do lado de lá continua vida, em todas as direcções. A aprendizagem, essa, está consumada.

leitora
 
 
"Clarice Lispector: Essa mulher, nossa contemporânea, brasileira (...) não são livros o que ela nos dá, mas o viver salvo pelos livros, narrativas, construções que nos fazem recuar. E então entramos, por sua escrita-janela, na beleza assustadora de aprender a ler: e passamos, através do corpo, para o outro lado do eu. Amar a verdade do que é vivo, aquilo que parece ingrato aos olhos narcisos, (...) amar a origem, interessar-se pessoalmente pelo impessoal, pelo animal, pela coisa."

(Hélène Cixous in Entre l’Écriture )
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
 
E depois porque Martim, sem o saber, era homem junto do qual uma mulher não se sentia humilhada: ele não tinha vergonha.

Esta frase é de A Maçã no Escuro. Meditei sobre ela: o que seria aquela não-vergonha? (Primeiro, é não-vergonha que leio, em vez de sem-vergonha.) Martim não teria vergonha - de quê? De ser homem? Junto de homem sem vergonha de o ser é que uma mulher não se sente humilhada? Por ser mulher? E pode assim - apenas estar sendo?

nastenka-d
 
 
"Ela se deixava conduzir por uma espécie de compulsiva intuição. Era o seu tanto adivinha. Ninguém passa por ela impune. Ela liga e religa o mistério da vida e o religioso silêncio da morte. Clarice é uma aventura espiritual."

Otto Lara Resende

Troti
 
  Uma aventura do género humano VIII
Então pela porta da danação, eu comi a vida e fui comida pela vida.

Estou a fazer um esforço por retirar a capa, quero atingir o âmago, quero dar-me ao silêncio. Quero assimilar a matéria bruta feita corpo outrora vivo. E assim eu devoro essa união harmoniosa e ininteligível de mim com o mundo.

A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro.

azuki
 
 
"Ah pressentir era mais ameno do que o intorerável agudo do bom."

Troti
 
 
"O definível está me cansando um pouco. Prefiro a verdade que há no prenúncio."

(A Hora da Estrela - p.33)

Troti
 
domingo, outubro 24, 2004
 
"Onde estivestes de noite
que de manhã regressais
com o ultra-mundo nas veias
entre flores abissais?
Estivemos no mais longe
que a letra pode alcançar:
lendo o livro de Clarice,
mistério e chave no ar."

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
  Uma aventura do género humano VII
Sim, eu consegui situar-me a partir do meu passado.

….sou aquilo que de mim os outros vêem. (..) O que os outros recebem de mim reflecte-se então de volta para mim, e forma a atmosfera do que se chama: eu. (..) ..me organizara para ser compreendida por mim, não suportaria não me encontrar no catálogo.

O mundo era apenas um sítio onde eu vivia.
O que mais me assusta é saber que o mundo tem o sentido que eu desesperadamente lhe dou.

…sempre conservei uma aspa à esquerda e outra à direita de mim. (..) ..uma vida inexistente possuía-me toda e ocupava-me como uma invenção.

Sentia-me satisfeita por saber o que não era, já que não sabia o que era.

azuki
 
 
«Tudo me parece um sonho. Mas não é, disse ele, a realidade é que é inacreditável.»

Também por isso, a literatura não precisa mais do que da realidade.
leitora
 
 
"Era uma iniciada no mundo.

...


Muitas coisas você só tem se for autodidacta, se tiver a coragem de ser."



Ter a coragem de ser. Esta é a nossa realidade.

Troti
 
 
"...eu me sinto tão dentro do mundo que me parece não estar pensando, mas usando de uma nova modalidade de respirar."

(Perto do Coração Selvagem - p.117)

Troti

 
  A Aprendizagem está também aqui
E como ele, milhões de homens que copiavam com enorme esforço a ideia que se fazia de um homem, ao lado de milhares de mulheres que copiavam atentas a ideia que se fazia de mulher e milhares de pessoas de boa vontade copiavam com esforço sobre-humano a própria cara e a ideia de existir: sem falar na concentração agustiada com que se imitavam actos de bondade ou de maldade - com uma cautela diária em não escorregar para um acto verdadeiro, e portanto incomparável, e portanto inimitável e portanto desconcertante.

in A Maçã no Escuro

nastenka-d
 
sábado, outubro 23, 2004
 
"Não te escrevi sobre o teu livro de contos ( Laços de Família) por puro encabulamento de te dizer o que penso dele. Aqui vai: é a mais importante coleção de histórias publicadas neste país na era pós-machadiana."

ÉRICO VERÍSSIMO, escritor e amigo
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
 
"...queria tudo pois nada era bom de mais para a sua morte que era a sua vida eterna que hoje mesmo ela já existia e já era."


Troti
 
  Uma aventura do género humano VI
Há três mil anos desvairei-me, e o que restaram foram fragmentos fonéticos de mim. Estou mais cega do que antes. Vi, sim. Vi, e me assustei com a verdade bruta de um mundo cujo maior horror é que ele é tão vivo que, para admitir que estou tão viva quanto ele – e minha pior descoberta é que estou tão viva quanto ele -, terei que alcançar minha consciência de vida exterior a um ponto de crime contra a minha vida pessoal.

Estou tão perto de mim e ainda não o imagino. Estou quase lá e ainda tão alheia.

.. viver não é coragem, saber que se vive é a coragem.

Eu era o meu nome até aparecer o silêncio.

azuki
 
 
"Às vezes só a mentira salva."

(A Hora da Estrela - p.45)

Troti
 
 
«Eu está apaixonada pelo teu eu. Então nós é.»

O teu eu é diferente do eu que eu tento não inventar para ti. Mas será possível não inventarmos a outra pessoa? Será possível não recriar o ser amado? Tem de ser possível, falta descobrir como.
leitora
 
 
"...o mundo é uma festa que termina em morte e em cheiro de cravo murcho na lapela."


Troti
 
sexta-feira, outubro 22, 2004
 
"...(você pega mil ondas que eu não capto, eu me sinto como rádio de galena, só pegando a estação da esquina e você de radar, televisão, ondas curtas), é engraçado, como você me atinge e me enriquece ao mesmo tempo, o que faz um certo mal, me faz sentir menos sólido e seguro."

RUBEM BRAGA, escritor e amigo.
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
 
"Porque no Impossível é que está a realidade."

Troti
 
 
"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido.
Eu não: quero é uma verdade inventada."

Clarice Lispector

Troti
 
 
"Em toda obra dessa grande escritora alguma coisa íntima está sempre queimando: suas luzes nos chegam variadas e exatas, mas são luzes de um incêndio que está sendo continuamente elaborado por trás de sua contenção. Esse fogo é o segredo íntimo e derradeiro de Clarice. É o seu segredo de mulher e de escritora."

Lúcio Cardoso

Troti
 
  Uma aventura do género humano V
Estou amedrontada com esta necessidade de fazer sentido, de me inventar uma forma. O máximo a que posso almejar é viver, e sei que todo momento de achar é um perder-se a si próprio.

Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão. Enquanto houver perguntas sem resposta, eu irei pensar em ti. Tenho medo da liberdade. Continuarei a dar-te a mão até saber existir sozinha. Mas eu nasci desamparada e tenho medo de não pertencer. … carente como uma criança que anda sozinha pela terra. Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular.

azuki
 
 
«O que é que eu faço? Não estou aguentando viver. A vida é tão curta e eu não estou aguentando viver.»

O pior é sempre esta consciência de se estar a ser derrotado, de se estar a desperdiçar tudo. Só a consciência implica fracasso. Mas, também, só a consciência permite inverter a tendência, resistir.

leitora
 
  Uma (re)Aprendizagem
Antes de mais - A Aprendizagem é mesmo um livro de descoberta

E dito isto, vamos a factos.
Não sei se já o escrevi aqui, mas dou-me muitas vezes conta de que alguns livros que tenho lido não despertam em mim mais do que a lembrança mais ou menos ténue de uma imagem ou, com maior subtileza, de uma sensação. Dou por mim, anos depois, a reler com a sensação ávida de descoberta, por vezes com o confortável reavivar de memória.
Com este livro tenho a sensação de só agora ele me ter feito sentido. Como se me faltassem anteriormente chaves para assimilar, mais do que para compreender; assimilar como quem come, e sentir: é realmente assim.
A aprendizagem, a dor, a angústia, são essenciais ao ser - ao prazer de ser. E este está envolto em muitos medos - medo de ser. Medo de não suportar ser. Medo do que ser significa - humanos, animais, imperfeitos, agressivos, sublimes. Vivendo sem sentir o paradoxo: quanto mais conscientes do próprio egoísmo, mais capazes de entrega. Quanto mais conhecedores da própria vulgaridade, mais capazes de empreender coisas novas. A Aprendizagem é como um manual de descoberta da condição humana, feito em forma de descrição de um caminho. Talvez para o sentir assim seja necessário estar já no seu trilho.

nastenka-d
 
quinta-feira, outubro 21, 2004
 
"Clarice não delata, não conta, não narra e nem desenha – ela esburaca um túnel onde de repente repõe o objeto perseguido em sua essência inesperada."

LÚCIO CARDOSO, escritor, cineasta, pintor e grande amigo
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
 
"Era Clarice bulindo
mais fundo
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser
e retratar o homem."

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
http://www.vidaslusofonas.pt/clarice_lispector.htm

Troti
 
 
"...de quase tudo o que importa não se sabe falar."

Troti
 
 
"É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção...porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada. Sei lá porque escrevo! Que fatalidade é esta?"
Clarice Lispector

Troti
 
  Uma aventura do género humano IV
… em mim qualquer começo de pensamento esbarra logo com a testa…. Sabia que estava fadada a pensar pouco… Como pois inaugurar agora em mim o pensamento?

Não me quero perder para não ter que me achar.
Vai custar-me muito voltar a achar-me.
Eu, que vivia com a subtil sensação de ser feliz.
Eu, que me movimentava bem e que me sentia protegida nesse papel que tinha construído.
E nem me fazia falta o outro lado. Talvez porque não soubesse que esse outro lado existia.
Mesmo que a minha vida fosse vazia, eu vivia os meus prazeres.
Eu pensava que era uma pessoa.

… não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada existe.

azuki
 
 
«O prazer não era de se brincar com ele. O prazer era nós.»

leitora
 
  Tortura e Glória
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos. Veio a ter um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de algum livrinho, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima com paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como data natalícia e saudade.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía «As Reinações de Narizinho».
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave. No dia seguinte fui até à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livroi a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes eram a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Bom, mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do dia seguinte ia se repetir com o coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer está precisando que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você não veio, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se formando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Esta devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o facto de não entender. Até que essa boa mãe entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler! E o pior para ela não era essa descoberta. Devia ser a descoberta da filha que tinha. Com certo horror ela nos espiava: a potência de perversidade de sua filha desconhecida, e a menina em pé à sua porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, se refazendo, firme e calma para a filha: você vai emprestar agora mesmo «As reinações de Narizinho». E para mim disse tudo o que eu jamais poderia aspirar a ouvir: «E você fica com o livro por quanto tempo quiser.» Entendem? Valia mais do que me dar o livro: pelo tempo que eu quisesse é tudo o que uma pessoa, pequena ou grande, pode querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro com as duas mãos, co primindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração estarrecido, pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei mais comendo pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por uns instantes. Criava as mais falsas dificuldades pera aquela coisa clandestina que era a felicidade. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Este livro faz parte de uma colectânea das crónicas que Clarice Lispector assinou no Jornal do Brasil entre 1967 e 1973. Algumas destas crónicas e contos têm um cariz fortemente pessoal (apesar da própria autora afirmar que nunca publicaria uma autobiografia) – e creio que este conto é disso exemplo, independentemente da veracidade daquilo que são os factos relatados. O que se diz aqui é que a literatura é coisa viva e concreta, coisa de comer; é nessa emoção que me revejo, que partilho e dedico (será que Clarice dedicaria?) a todos nós que assim a sentem.

nastenka-d

 
quarta-feira, outubro 20, 2004
 
"Que se há-de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só."

(A Hora da Estrela - p.44)

Troti
 
  Uma aventura do género humano III
Deus, eu preciso de sentir que pertenço.
Tenho medo de me ver perdida no meio de mim.
Não fazer ideia de quem sou causa-me a dor maior de não saber quem quero ser.

O que eu era dantes, não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. Do meu próprio mal eu havia criado um bem futuro.

azuki
 
 
«Não havia aprendizagem de coisa nova: era só a redescoberta.»

Mas tudo já existe em nós, em bruto? Todo o sentimento, toda a paixão, toda a dor? Será viver redescobrir a vida todos os dias? Será amar apaixonarmo-nos todos os dias?

Amar terá de ser apaixonarmo-nos todos os dias...

leitora
 
  Banhos de mar
Meu pai acreditava que todos os anos se devia fazer uma cura de banhos de mar. E nunca fui tão feliz quanto naquelas temporadas de banhos em Olinda, Recife.

Eu não sei da infância alheia. Mas essa viagem diária me tornava uma criança completa de alegria. E me serviu como promessa de felicidade para o futuro. Minha capacidade de ser feliz se revelava. Eu me agarrava, dentro de uma infância muito infeliz, a essa ilha encantada que era a viagem diária.

A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar? Nunca mais?

Nunca mais.

Nunca.
´

(Clarice Lispector - "A Descoberta do Mundo")

azuki
 
 
"E muitos são os que morrem com sangue derramado por dentro e por fora."

Troti
 
 
"O tédio...Sim, apesar de tudo havia fogo sob ele, havia fogo mesmo quando representava a morte. Talvez isso fosse o gosto de viver."

(Perto do Coração Selvagem - p.78)

Troti
 
 
" - O que é que se consegue quando se fica feliz?

...

depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?

...

- Ser feliz é para se conseguir o quê?"


(Perto do Coração Selvagem)

Será que a Felicidade pela qual todos ansiamos é só uma ficção?

Eu penso que só conseguimos atingir alguma felicidade quando tomamos consciência da nossa infelicidade.

Troti
 
terça-feira, outubro 19, 2004
 
"Sim, havia muitas coisas alegres misturadas ao sangue.

...

E também se podia esperar o instante que vinha... que vinha...e de súbito se precipitava em presente e de repente se dissolvia...e outro que vinha...que vinha...


(Perto do Coração Selvagem -p.44)

Troti
 
 
"Eu toda nado, flutuo, atravesso o que existe com os nervos, nada sou senão um desejo, a raiva, a vaguidão, impalpável como a energia. Energia? mas onde está a minha força? na imprecisão, na imprecisão, na imprecisão..."

(Perto do Coração Selvagem p.140)

Troti
 
 
"Por que recusar acontecimentos? Ter muito ao mesmo tempo, sentir de várias maneiras, reconhecer a vida em diversas fontes...Quem poderia impedir a alguém viver largamente?"

(Perto do Coração Selvagem -p.136)

Troti
 
 
"Sózinha no mundo, esmagada pelo excesso de vida, sentindo a música vibrar alta demais para um corpo."

(Perto do Coração Selvagem - p.134)

Troti
 
 
"Quantas vezes terei de viver as mesmas coisas em situações diversas?"

(Perto do Coração Selvagem -p.130)

Troti
 
 
"Continuo sempre me inaugurando, abrindo e fechando círculos de vida, jogando-os de lado, murchos, cheios de passado.

...

Uma vez terminado o momento de vida, a verdade correspondente também se esgota
."

(Perto do Coração Selvagem - p.98)

Troti
 
 
"E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água. Cada acontecimento vibrava em seu corpo como pequenas agulhas de cristal que se espedaçassem. Depois dos momentos curtos e profundos vivia com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-se a tudo."

(Perto do Coração Selvagem - p.96)

Troti
 
 
"Sem viver coisas eu não encontrarei a vida, pois? Mas, mesmo assim, na solitude branca e limitada onde caio, ainda estou presa entre montanhas fechadas. Presa, presa. Onde está a imaginação? Ando sobre trilhos invisíveis. Prisão, liberdade. São essas as palavras que me ocorrem. No entanto não são as verdadeiras, únicas e insubstituíveis, sinto-o. Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.
...
Procurar tranquilamente admitir que talvez só a encontre se for buscá-la nas fontes pequenas. Ou senão morrerei de sede."


(Perto do Coração Selvagem - p.66)

Troti
 
 
"Tudo o que possuo está muito fundo dentro de mim.

...

No meu interior encontro o silêncio procurado."


(Perto do Coração Selvagem - p.65/66)

Troti

 
 
"Inspirai-me, eu tenho quase tudo; eu tenho o contorno à espera da essência; é isso? - O que deve fazer alguém que não sabe o que fazer de si?"

(Perto do Coração Selvagem - p.65)

Troti
 
 
"O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?"

(Perto do Coração Selvagem - p.65)

Troti
 
 
"Eternidade não era só o tempo, mas algo como a certeza enraizadamente profunda de não poder contê-lo no corpo por causa da morte; a impossibilidade de ultrapassar a eternidade era eternidade..."

(Perto do Coração Selvagem - p.39)

Troti
 
 
"As pequenas violências nos salvam das grandes."

Troti
 
 
E as máscaras? Eu tinha medo mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara.

«Restos de Carnaval» in A Descoberta do Mundo

nastenka-d
 
  Uma aventura do género humano II
A meu favor tenho o ponto de partida do não entendimento.
Como explicar que tenho medo de ser, sem mesmo saber quem sou?
Será que algum dia soube mesmo??
Pelo menos, tinha a pretensão de o saber e vivia confortável nessa mentira.
Agora, sinto um frio imenso dentro de mim. Nem sei por onde começar.
E espeta-se-me na carne a dor fantasma de um membro que eu nunca tive.

Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema.

azuki
 
 
«mediocridade de viver»

Nenhum leitor de Clarice se deixa prender pelo contexto do livro e permanece intocável, tamanha é a dureza da expressão.
Como não parar, por um instante que seja, e rever a angústia silenciosa que nos acompanha sempre: vivo mais que sobrevivo?

leitora
 
  Um tiro no coração das palavras
Clarice é a escritora do Eu em pedaços, da face explodida, condição afinal que define o homem no século 21. Clarice é, em conseqüência, uma escritora para o futuro: talvez ainda seja preciso esperar muito tempo até que, enfim, venha a ser compreendida. Para que, enfim, sua literatura se mostre como o que, de fato, é: um tiro no coração das palavras.

(Um tiro no coração das palavras, José Castello, O Estado de S.Paulo, 21/4/2000)

azuki
 
 
"...tremendamente nocturna a minha vida."

(Perto do Coração Selvagem - p.19)

Troti
 
 
"A dor cansada numa lágrima simplificada."

(Perto do Coração Selvagem - p.18)

Dor. "Dor cansada". Esta expressão tão curta contém uma violência que é desconhecida para quem nunca sentiu a dor. O cansaço da dor é uma mortificação.

Tanta dor na jovem Clarice para chegar a esta depuração de linguagem.

Troti
 
  Poema 8
Poemas que (não) são de Clarice

Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector


Quero Escrever o Borrão Vermelho de Sangue


Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

“Quero escrever o borrão vermelho de sangue”, in: BORELLI, Olga. Clarice Lispector – Esboço para um possível retrato
http://www.secrel.com.br/jpoesia/cli.html

Troti
 
segunda-feira, outubro 18, 2004
  Macabéa
A imensa vontade de se instruir, de preencher o vazio da ignorância levava Macabéa a sorver avidamente toda a informação que achasse poder torná-la mais forte ao mesmo tempo que exercitava a sensibilidade artística retendo a música que não percebia mas que sentia vibrar no próprio corpo. O único espaço no seu quotidiano que lhe podia oferecer isso era a rádio-relógio.Mas de que vale sentir se não se consegue comunicar? Macabéa passeia com o namorado, a conversa (ou não conversa) situa-se ao nível do ordinário, Macabéa diz que ouviu uma canção lindíssima, quer dá-la a conhecer, não sabe dizer bem o nome "Uma furtiva lágrima", começa acantar e uma cacofonia invade o ar terminada pelo som conclusivo de uma bofetada. Clarice pintou neste momento da Hora da Estrela um dos quadros mais profundos da natureza humana. Macabéa estava ainda a aprender, a sua hora da estrela ainda não tinha chegado.

Eduarda Rocha
 
  Poema 7
Poemas que (não) são de Clarice

Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector


Estrela Perigosa


Estrela perigosa
Rosto ao vento
Marulho e silêncio
leve porcelana
templo submerso
trigo e vinho
tristeza de coisa vivida
árvores já floresceram
o sal trazido pelo vento
conhecimento por encantação
esqueleto de idéias
ora pro nobis
Decompor a luz
mistério de estrelas
paixão pela exatidão
caça aos vagalumes.
Vagalume é como orvalho
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir
Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.

No obscuro erotismo de vida cheia
nodosas raízes.
Missa negra, feiticeiros.
Na proximidade de fontes,
lagos e cachoeiras
braços e pernas e olhos,
todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto a falta dele
como se me faltasse um dente na frente:
excrucitante.
Que medo alegre,
o de te esperar.

“Estrela Perigosa”, in: BORELLI, Olga. Clarice Lispector – Esboço para um possível retrato
http://www.secrel.com.br/jpoesia/cli.html

Troti
 
 
"A tragédia de viver existe sim e nós a sentimos. Mas isso não impede que tenhamos uma profunda aproximação da alegria com essa mesma vida."
...

Nos piores momentos, lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria."

Vivemos nesta dualidade. Temos de aceitar a dor da existência e a sua extraordinária capacidade de redenção. E sobreviver na rede.

Troti
 
 
A metáfora é um dos recursos que o analista possui para dar conta de sua 'tarefa paradoxal': usar a palavra para dar voz à não-palavra. A presença da metáfora na interpretação psicanalítica faz com que o fala se poetize e passe a ter um alcance e um poder excepcionais. A metáfora poética e a interpretação psicanalítica têm uma afinidade estrutural, e quando a metáfora toca a interpretação ocorre uma potencialização de efeitos, que se torna mais intensa quando notamos de um lado que o psiquismo funciona metaforicamente e, de outro, que um dos efeitos da interpretação pode ser a metaforização psíquica. A palavra é limitada, pode esmagar as entrelinhas, como disse Clarisse Lispector, mas é só através da palavra - da metáfora, da palavra poética - que podemos alcançar, ainda que de modo precário e fugaz, as experiências mais fundamentais: quando se torna poética, a palavra ultrapassa seus próprios limites.
Essas experiências fundamentais, que são mudas e que pedem para ser nomeadas, acham o poético, exigem-no - e Freud já havia notado isso em 1895, ao dizer que lidamos com um "objeto especial" que só pode ser descrito através de um estilo literário. Clarice objetiva, em suas obras, atingir as regiões mais profundas da mente das personagens para aí sondar complexos mecanismos psicológicos. É essa procura que determina as características especificas de seu estilo. Ela adentra na mente das pessoas, levando-as a uma reflexão constante quanto ao que pensam e o que vivem, os conflitos que enfrentam. Ela os leva a pensar no quão conflituoso é o “ser” mais profundo delas, deparando-o com que mostram e objetivam.

http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=128&cat=Teses_Monologos


Troti
 
  Uma aventura do género humano I
Estou à procura
Estou à procura de entender
Estou a tentar perceber o que fazer com tudo aquilo que vivi e que me transformou, a ponto de deixar de me reconhecer
Matei o esquema em que tão organizadamente vivia, aquele em que me identificava
E, agora, estou mergulhada em caos
E, agora, estou perdida e não sei mais como ser

Se eu tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo.

Tenho que reunir todas as minhas forças para construir um novo mundo onde o meu novo eu possa caber.

azuki
 
 
«Gosto muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo.»

Seremos capazes de gostar seja do que for, seja de quem for, sem qualquer egoísmo? Haverá amar sem querer? Poderemos amar algo ou alguém que não nos seja identificável?

leitora
 
 
"É. Eu me acostumo mas não amanso."

(A Hora da Estrela - p.34)

Troti
 
 
"O dia tinha sido igual aos outros e talvez daí viesse o acúmulo de vida."

...

"Esperou alguns segundos sobre a cama e como nada acontecesse viveu um dia comum."

(Perto do Coração Selvagem - p.19)

Esperamos todos os dias.
Depois vivemos os dias comuns na vã esperança de dias singulares.

Troti

 
 
"Seus pensamentos eram, depois de erguidos, estátuas no jardim e ela passava pelo jardim olhando e seguindo o seu caminho."

(Perto do Coração Selvagem - p.16)


Os nossos pensamentos podem ser pedras duras, pedregulhos enormes que nos impedem o caminho.

Troti
 
domingo, outubro 17, 2004
  Poema 6
Poemas que (não) são de Clarice

Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector


Nossa Truculência


Quando penso na alegria voraz
com que comemos galinha ao molho pardo,
dou-me conta de nossa truculência.
Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,
tanto gosto delas vivas
mexendo o pescoço feio
e procurando minhocas.
Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?
Nunca.
Nós somos canibais,
é preciso não esquecer.
E respeitar a violência que temos.
E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,
comeríamos gente com seu sangue.

Minha falta de coragem de matar uma galinha
e no entanto comê-la morta
me confunde, espanta-me,
mas aceito.
A nossa vida é truculenta:
nasce-se com sangue
e com sangue corta-se a união
que é o cordão umbilical.
E quantos morrem com sangue.
É preciso acreditar no sangue
como parte de nossa vida.
A truculência.
É amor também.

“Nossa Truculência”, in: A Descoberta do Mundo
http://www.secrel.com.br/jpoesia/cli.html

Troti

 
 
..."eu também sou o escuro da noite".

(A Hora da Estrela- p.20)

Troti
 
 
"O que não se pode é deixar de amar a si próprio com algum despudor."


Troti
 
 
"Pensando bem: quem não é um acaso na vida? Quanto a mim, só me livro de ser apenas um acaso porque escrevo, o que é um acto que é um facto...Para que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longinqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro."

(A Hora da Estrela - p.40)

Troti
 
  Uma confissão de amor
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.

Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
(Clarice Lispector)

azuki
 
 
«não é mesmo com bons sentimentos que se faz literatura: a vida também não.»

A literatura de Clarice faz-se de vida, de realidade crua e dura. De medo, de ausência. E também de desejo; a mulher de Clarice não é uma derrotada, mas apenas porque não desistiu ainda.

leitora
 
sábado, outubro 16, 2004
  Poema 5
Poemas que (não) são de Clarice

Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector


A Lucidez Perigosa


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

“A Lucidez Perigosa”, in: A Descoberta do Mundo
http://www.blogger.com/app/post.pyra?blogID=5581452

Troti
 
 
"Pois no dia em que eu perder dentro de mim a minha própria importância - tudo estará perdido."



Daí a luta, a luta constante, interior e feroz.

Troti
 
  “Pinto tão mal que dá gosto… é a coisa mais pura que faço.” (V)

(Clarice Lispector - Tentativa de ser alegre - 1975)

azuki
 
 
«Lóri, Lóri, ouça: pode-se aprender tudo, inclusive a amar! E o mais estranho, Lóri, pode-se aprender a ter alegria!»

Ulisses recebeu do seu nome uma herança de grandeza. Ulisses ilude-se. Ulisses não aprendeu nada, e nada pode ensinar. Lóri, como toda a gente, terá de se apaixonar todos os dias, terá de conquistar a sua alegria todos os dias, sozinha.
leitora
 
 
"Essa moça não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz. A única coisa que queria era viver. Não sabia para quê, não se indagava."
( A Hora da Estrela - p.30)

"Pois a vida é assim: aperta-se um botão e a vida acende. Só que ela não sabia qual era o botão de acender."
( A Hora da Estrela - p.32)


E muitos de nós também não sabemos.

Troti
 
sexta-feira, outubro 15, 2004
  Poema 4
Poemas que (não) são de Clarice

Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector


Meu Deus, me dê a Coragem


Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

“Meu Deus, me dê a coragem..”, in: Um Sopro de Vida
http://www.blogger.com/app/post.pyra?blogID=5581452

Troti
 
  Sentir Clarice II
Ainda tenho muito a conhecer sobre Clarice. Alguns romances para ler, a sua correspondência, artigos sobre Clarice, etc. Clarice é uma paixão. Nenhum escritor me fez chegar tão ao fundo da profundeza do meu ser como Clarice. Muitos chegaram lá perto - Dostoievski, Tolstoi, Kafka, Camus, Sartre, Vergílio Ferreira, Lobo Antunes, Virgina Woolf, Thomas Mann, Hermann Hesse, todos com excelentes e meritórias abordagens, mas nenhum com a serenidade e amplitude de Clarice. Em qualquer um dos escritores citados acima, após algum aprofundamento da sua leitura, notam-se tendências, influências, muitos recursos auto-biográficos, e, não obstante a excelência de muitos dos seus livros, há sempre uma parcialidade, um canalizar da percepção do nosso ser em torno de um determinado eixo, mas, em Clarice, e talvez seja isso que faça a diculdade da leitura dos seus livros, não há qualquer tipo de restrições, é a navegação completa por águas virgens onde todas as direcções são permitidas. Por isso sinto um pouco o vazio, o vazio de, depois de Clarice, não existir alguém semelhante a Clarice. Se bem que é impossível existir semelhante. Mas o caminho trilhado por Clarice, como ela própria o mostra, é inesgotável. Onde estão os seguidores de «Clarice» ?

pns
 
  "Pinto tão mal que dá gosto… é a coisa mais pura que faço." (IV)

(Clarice Lispector - Sem título - 1975)

azuki
 
 
«uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.»

Não desistir implica uma tremenda coragem, a maior de todas. Não há vida nenhuma, mínima ou não, que não tenha de passar por esta prova muitas vezes. A aprendizagem terá fim, ou será interrompida com uns elucidativos dois pontos?

leitora
 
quinta-feira, outubro 14, 2004
 
Numa entrevista feita com o psicanalista Helio Pellegrino, Clarice lhe perguntou:

- Helio, você é analista e me conhece. Diga-me sem elogios - quem sou eu, já que você me disse quem é você...

E Helio Pellegrino deu a Clarice uma resposta, cujo trecho reproduzido abaixo é uma das melhores definições que há sobre ela:

- Você, Clarice, é uma pessoa com uma dramática vocação de integridade e totalidade. Você busca, apaixonadamente, o seu self... e esta tarefa a consome e faz sofrer. Você procura casar, dentro de você, luz e sombra, dia e noite, sol e lua...

http://www.geocities.com/Paris/Concorde/9366/opinioes/pelegrin.htm

Troti
 
  Poema 3
Poemas que (não) são de Clarice

Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector.

Mas há a Vida


Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

“Mas há a Vida”, in: A Descoberta do Mundo
http://www.secrel.com.br/jpoesia/cli.html

Troti
 
  Sentir Clarice I
Sentir o pensamento de Clarice, sentir o fluxo do meu pensamento guiado pelas suas palavras, pela forma serena como destapa as pequenas nuances da existência humana, de forma tão plena e tão real que, para absorver aquele instante, esqueço completamente todos os outros que ela me proporcionou. Uma leitura completamente gratificante a cada página, mas desesperante ao final de muitas, em que tento abarcar tudo aquilo que ela me fez sentir ou descobrir. Impossível, pois tão distantes e tão diferentes são cada momento, revelador da imensidão do nosso ser, mostrando que não é na sofreguidão do absoluto que viveremos a plenitude da nossa existência, mas sim no absoluto de cada momento do nosso pensar e sentir, numa serenidade plena que revela a base da sabedoria da nossa existência. Revejo todos os grandes sábios de sempre na profundidade do pensamento de Clarice Lispector - questiono até que ponto terão estes conseguido chegar à serenidade e profundidade de compreensão da existência humana de Clarice Lispector.

pns
 
 
"Meu mistério,é simples: eu não sei como estar viva."

"Tenho de não indagar do mistério para não trair o milagre."

Troti
 
  A minha infância
Dói crescer. Tornar-se dói. Na sua obra, Clarice alude por diversas vezes à infância e as suas palavras levam-me a convocar partes desse período da vida que eu julgava já ter esquecido.

Lembro-me dele como uma época de leveza e de deslumbramento mas também, e sobretudo, como um doloroso processo de crescimento, perturbado pelas angústias e pela insegurança; pela incapacidade de dominar os acontecimentos, pela profunda dependência, pelos medos; pela sensação de que o mundo me era hostil, eu, que não conseguia controlar a sua tremenda discricionariedade.

Vivi uma infância assolada pelo terror diário de perder a minha mãe, minha maior riqueza, o colo quentinho que constituía a minha protecção e o meu verdadeiro elo com o mundo. Tão duro foi o processo de abandono da placenta, que ainda Hoje caminho com uma mão estendida. Valeu-me, nos momentos de ausência de mãe, o anjo da guarda que para mim inventei (era um anjo da guarda feito à medida e exclusivo) e que, sorte a minha, nunca me abandonou enquanto dele precisei.

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. (…) pertencer é viver. (in "A Descoberta do Mundo")

azuki
 
 
«Não havia senão faltas e ausências. (...) Não havia grito.»

Não ter nada. Privação. Vida mínima. Respirar, apenas. Há o desejo, mas só se deseja o que não se tem. Na vida mínima não há sequer o lamento, só a consciência absoluta de não ter, e o medo de não poder ter. Desejar é sentir o frémito silenciado de cometer uma ilicitude. Mas esses são os melhores momentos, desejar é colorir.

leitora
 
 
"Os factos são sonoros mas entre os factos há um sussurro. É o sussurro o que me impressiona."

(A Hora da Estrela - p.27)

Fiquei horas a pensar nesta frase, neste sussurro. O que se esconde neste sussurro? O que me traria este sussurro que eu não sei definir?

Troti
 
quarta-feira, outubro 13, 2004
  Poema 2
Poemas que (não) são de Clarice

Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector.

A Perfeição

O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.

O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.

O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.

Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

“A Perfeição”, in: A Descoberta do Mundo
http://www.secrel.com.br/jpoesia/cli.html

Troti
 
  Clarice em «A Maçã no Escuro»
O «grande» livro de Clarice, no sentido em que é neste que se relata uma aprendizagem completa da compreensão da existência humana. Clarice levou vários anos a escrever este livro, que é o seu livro com maior numero de páginas, onde a personagem principal é um homem que inicia uma aprendizagem da existência a partir do nada, esquecendo tudo o que já aprendeu e recomeçando a aprender tudo de novo - sozinho, em primeiro lugar, e em companhia de 3 mulheres, depois. Os diálogos que mantém com essas mulheres, na segunda parte do livro, a propósito da existência, são magníficos, e soberano é o final do livro, na apoteose da aprendizagem que o conduz a um ponto que, afinal, já estava sub-entendido por todos os outros personagens mas de forma inconsciente, e a consciencialização ou o percurso para essa consciencialização foi Clarice que nos ofereceu, a partir do zero-vazio desse personagem.

pns
 
 
"Suportaria tudo. Contando que lhe dessem tudo.
Não. Ninguém lhe daria.Tinha de ser ela própria a procurar ter...E tinha agora a responsabilidade de ser ela mesma.

"O óbvio, Lóri, é a verdade mais difícil de se enxergar..."

Troti
 
  "Pinto tão mal que dá gosto… é a coisa mais pura que faço." (III)

(Clarice Lispector - Luta Sangrenta pela Paz - 1975)

azuki
 
 
«Lóri se cansava muito porque ela não parava de ser.»

Pergunto se Clarice diria isto de um homem, Ulisses ou outro. Será esta angústia, esta ansiedade de conquistar, de amar e ser amada, profundamente feminina?

Anotar na agenda do próximo fim-de-semana: deixar de ser durante duas ou três horas, e depois olhar ao espelho e tentar detectar a diferença. Pelo sim, pelo não, fazê-lo apenas estando sozinha em casa.

leitora
 
  Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres - Sinopse III
Como em todas as obras de Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres é um ponto de vista feminino a respeito da vida.

Lóri, na verdade, é a personagem central, enquanto Ulisses ocupa um papel secundário, mero referencial para os pensamentos e atitudes de Lóri.

O livro conta, acima de tudo, a viagem empreendida por Lóri em busca de si própria e do prazer sem culpa.

Uma viagem na qual Ulisses funciona como um farol, indicando onde estão os perigos e o caminho correto para a aprendizagem do amor e da vida.


(fonte)

azuki
 
 
"...a palavra é fruto da palavra. A palavra tem de se parecer com a palavra. Atingi-la é o meu primeiro dever para comigo. E a palavra não pode ser enfeitada e artisticamente vã, tem que ser apenas ela."(A Hora da Estrela - p.22)

Troti
 
 
"Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados."

(A Hora da Estrela - p.21)

Eu sinto uma enorme intensidade nestas palavras, transportam-me para um campo visual muito forte. Imagino as rochas, vejo-me a tentar quebrar as rochas, a dificuldade, o suor. E depois vejo as lascas de rochas voando libertas, vejo as faíscas do triunfo a brilharem nos olhos, sinto a vibração da conquista espelhada no firmamento.

Troti
 
 
A longa e profunda amizade entre dois dos mais importantes escritores brasileiros reflete-se nas cartas trocadas por eles entre 1946 e 1969. Permeada pelo espanto e fascínio dos autores ante o futuro, CARTAS PERTO DO CORAÇÃO traz a correspondência entre Fernando Sabino e Clarice Lispector e permite, a reboque, descobrir o mundo interno desses dois escritores quando jovens.

Na última fase da vida de Clarice Lispector surgiram-lhe outras relações de amizade, mas o relacionamento entre ela e Fernando Sabino foi o primeiro e um dos mais intensos desde o início de sua carreira literária. Em janeiro de 1944, Sabino mal havia completado vinte anos e recebia, em Belo Horizonte, onde morava, o exemplar de um romance chamado Perto do coração selvagem, com uma dedicatória da autora, Clarice Lispector, ainda desconhecida do grande público. "Fiquei deslumbrado pelo livro," confessa Sabino. Depois de apresentados um ao outro por Rubem Braga, os dois começaram uma amizade marcada pelo convívio diário e conversas marcadas em confeitarias da cidade. Uma ligação retratada em CARTAS PERTO DO CORAÇÃO. A amizade continuou , através dessas cartas, com uma freqüência só interrompida quando se encontravam os dois no Rio de Janeiro. "Trocávamos idéias sobre tudo," Conta Sabino. "Submetíamos nossos trabalhos um ao outro. Reformulávamos nossos valores e descobríamos o mundo, ébrios de mocidade. Era mais do que a paixão pela literatura, ou de um pelo outro, não formulada, que unia dois jovens ''perto do coração selvagem da vida'': o que transparece em nossas cartas é uma espécie de pacto secreto entre nós dois, solidários ante o enigma que o futuro reservava para o nosso destino de escritores.”
http://www.brazilianbooks.com/cgi-bin/brazilian.storefront/EN/Product/6461


Fernando Sabino morreu no dia 11 de Outubro no Rio de Janeiro.


Troti
 
terça-feira, outubro 12, 2004
 


"É do buscar e não do achar que nasce o que eu não conhecia."


Troti
 
  Poema 1
Poemas que (não) são de Clarice

Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector.


Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.


“Dá-me tua mão”, in: A Paixão segundo GH

http://www.secrel.com.br/jpoesia/cli.html

Troti
 
  Clarice em «A Paixão Segundo G.H»
Um romance camuflado, talvez mais um ensaio a roçar a filosofia, sobre a influência da parte animal que há dentro de nós, do não humano, ou melhor, de tudo o que o homem foi antes de se ter tornado homem, mas que se mantém dentro de nós. Animal não no sentido depreciativo, antes pelo contrário, a aceitação da nossa parte que vem dos tempos da pré-história, instintos, sentidos para os quais muitas vezes não encontramos explicação, mas cuja compreensão é necessária e essencial para a explicação do ser humano e da sua existência.

pns
 
 
"Como explicar que, do longe de onde de dentro de si ela vinha, já era uma vitória estar semivivendo."

Troti
 
  "Pinto tão mal que dá gosto… é a coisa mais pura que faço." (II)

(Clarice Lispector - Medo – 1975)

Quero escrever o borrão vermelho de sangue com as gotas e coágulos pingando de dentro para dentro. Quero escrever amarelo-ouro com raios de translucidez. Que não me entendam pouco-se-me-dá. Nada tenho a perder. Jogo tudo na violência que sempre me povoou, o grito áspero e agudo e prolongado, o grito que eu, por falso respeito humano, não dei. Mas aqui vai o meu berro me rasgando as profundas entranhas de onde brota o estertor ambicionado. Quero abarcar o mundo com o terremoto causado pelo grito. O clímax de minha vida será a morte. (Clarice Lispector)

azuki
 
  «bonita? não, mulher»
.
Assim, só isto. Ver por dentro: mulher. Adjectivar, subjectivar, para quê? Se disser que é bonita, nós acreditamos? Ou teremos de receber uma descrição, para avaliar? Mas terá importância? Importa se é bonita, quando sabemos que é mulher? É mulher. (pode ser feia) Imagina uma mulher. (mesmo sendo feia) É mulher. Basta.

Além do mais, nenhuma mulher é bonita (ou feia) todos os dias.

leitora
 
  Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres - Sinopse II
Loreley é personagem de uma lenda do folclore alemão, que seduz e enfeitiça os pescadores.

Ulisses é o herói da epopéia grega, que vence os obstáculos usando a inteligência.

As duas personagens de Clarice trazem as características de seus modelos originais e envolvem o leitor numa trama que se torna ainda mais apaixonante por ser uma aventura no mundo da linguagem, sem começo nem fim.

A narrativa começa com uma vírgula, como se fosse a continuação de algo já iniciado, e se encerra com dois pontos, indicando que a estória prossegue, embora não apareça no livro.


(fonte)

azuki
 
 

«nada se passara dizível em palavras escritas ou faladas»

Tudo se passa em palavras sentidas, em palavras vividas. E como levar a vida indizível para o papel, como narrar a vida dos pequenos nadas sem descrever apenas o vazio, a ausência?

Assim se constrói o contributo tremendo de Clarice Lispector para a literatura. Depois de Joyce e de Woolf, Clarice traça o seu caminho: único, insubstituível.

leitora

 
segunda-feira, outubro 11, 2004
  Clarice em «A Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres»
Um percurso de aprendizagem a partir da reconstrução do ser. A personagem principal, Lóri, após uma vida, em termos de interrogação da existência, sem rumo e sem nexo, encontra Ulisses, e, colocando Ulisses como patamar de recomeço de uma nova vida, inicia uma busca de aprendizagem do ser, atravessando inúmeros pequenos e grandes obstáculos, travando lutas incessantes cujos desenlaces são sempre mais simples do que Lóri poderia supor. A essência em tudo, o supra-humano, e, no final, atingida a harmonia pessoal, o potenciar do ser através da sua união com outro, em plena empatia de ideais de existência partilhados.

pns
 
 
"Nunca se inventou nada além de morrer."

Troti
 
  "Pinto tão mal que dá gosto… é a coisa mais pura que faço." (I)

(Clarice Lispector - Explosão – 1975)

O que me descontrai, por incrível que pareça, é pintar. Sem ser pintora de forma alguma, e sem aprender nenhuma técnica. Pinto tão mal que dá gosto e não mostro meus, entre aspas, quadros, a ninguém. É relaxante e ao mesmo tempo excitante mexer com cores e formas sem compromisso com coisa alguma. É a coisa mais pura que faço (...) Acho que o processo criador de um pintor e do escritor são da mesma fonte. O texto deve se exprimir através de imagens e as imagens são feitas de luz, cores, figuras, perspectivas, volumes, sensações. (Clarice Lispector)

azuki
 
  Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres - Sinopse I
Aprender a amar e a ser ela mesma é o grande desafio da personagem Loreley, cujo apelido é Lóri.

Para o leitor, o prazer maior é ir aprendendo aos poucos a conhecer Clarice Lispector, através da trajetória dessa personagem.

Ambientado no Rio de Janeiro, Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres conta a história de amor de Lóri e Ulisses.

Lóri é uma moça rica de Campos, principal cidade do Norte Fluminense, que optou por morar no Rio, onde trabalha como professora primária e pode desfrutar de uma liberdade impossível em sua cidade natal.

Ulisses é um professor de Filosofia, que conhece Lóri na rua e aos poucos vai conduzindo-a na aprendizagem do prazer.


(fonte)

azuki
 
 
Vírgula – Segunda Hipótese

Aquela que chega a apresentar-se como dona-de-casa tem passado horas infinitas a lutar contra as suas barreiras. O livro quer nascer, mas ela não sabe como pegar-lhe. Rodeia, escrevinha, rasga, risca. Folhas amassadas pelo chão, que de tempos a tempos são recolhidas e levadas para o lixo. O livro é reiniciado vezes sem conta, até Clarice desistir: amassa a última tentativa de primeira página, e segue escrevendo o seu livro.

leitora
 
domingo, outubro 10, 2004
 
"...sabia que teria de dar a alguém o que ela era, senão o que faria de si? Como morrer antes de dar-se, mesmo em silêncio? Porque no dar-se teria enfim uma testemunha de si própria."

Troti
 
  Vírgula
O livro entra por nós dentro, assim, iniciado.
Fica claro que somos invasores, talvez não estejamos autorizados; caímos no meio de algo que está a acontecer, não sabemos como, onde, desde quando.

Sejam bem vindos ao turbilhão. Sejam bem vindos a uma vida.

leitora
 
sábado, outubro 09, 2004
  As palavras de Clarice têm carne dentro (2)
Quando escrevi esta frase, não tinha ainda lido A Hora da Estrela. E lendo tive cada vez mais a certeza de que a escrita de Clarice (a quem antes nomeava sempre - e apenas - Lispector) não trabalhava apenas com abstracções, muito menos apenas com factos. As emoções que escreve têm, quanto a mim, origem no corpo, sustentam-se nele, mesmo (sobretudo?) quando se lançam em direcção ao desconhecido, ao selvagem.

Pensar é um acto. Sentir é um facto. As palavras são a forma que meditação encontra para chegar a nós.
E ainda: Não se trata apenas de narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira.

nastenka-d
 
 
"Pedir? Como é que se pede? E o que se pede?
Pede-se vida?
Pede-se vida.
Mas já não se está tendo vida?
Existe uma mais real.
O que é real?
E ela não sabia como responder. Às cegas teria que pedir. Mas ela queria que, se fosse às cegas, pelo menos entendesse o que pedisse. Ela sabia que não devia pedir o impossível: a resposta não se pede."



Troti
 
 
"Transgredir, porém, os meus próprios limites me fascinou de repente. E foi quando pensei em escrever sobre a realidade, já que essa me ultrapassa. Qualquer que seja o que quer dizer "realidade"."

"A Hora da Estrela"(p.19)

Sim, o que quer dizer realidade?

Troti
 
 
"Se tivesse a tolice de se perguntar "quem sou eu?" cairia estatelada e em cheio no chão. É que "quem sou eu?" provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto."

"A Hora da Estrela"(p.18)

Que simples seria não indagar, deixar correr a vida numa calma aparente e numa mentira piedosa. É impossível não indagar, é impossível ser completo.


Troti
 
 
Nos comentários ao post Hora da Estrela II, surge a incontornável lembrança de James Joyce. E é a este autor que Clarice vai buscar a citação que abre o seu primeiro romance "Perto do Coração Selvagem":

"Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida."
James Joyce

Troti


 
  Nota Introdutória
«Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte do que eu.»
Clarice Lispector
Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres


Este é apenas o começo. Não conseguimos ficar indiferentes a uma introdução tão crua, tão enigmática. O livro se pediu. A autora tentou. Ao leitor apenas se pede que arregale os olhos.

leitora
 
sexta-feira, outubro 08, 2004
  Dedicatória do autor
(na verdade Clarice Lispector)

Pois que dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e sua doce Clara que são hoje ossos, ai de nós. Dedico-me à cor rubra muito escarlate como o meu sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu sangue. Dedico-me sobretudo aos gnomos, anões, sílfides e ninfas que me habitam a vida. Dedico-me à saudade de minha antiga pobreza, quando tudo era mais sóbrio e digno e eu nunca havia comido lagosta. Dedico-me à tempestade de Beethoven. à vibração das cores neutras de Bach. A Chopin que me amolece os ossos. A Stravinsky que me espantou e com quem voei em fogo. A «Morte e Transfiguração», em que Richard Strauss me revela um destino? Sobretudo dedico-me às vésperas de hoje a hoje, ao transparente véu de Debussy, a Marlos Nobre, a Prokofiev, a Carl Orff, a Schönberg, aos dodecafónicos, aos gritos rascantes dos electrónicos a todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas, todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponto de eu neste instante explodir em: eu. Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas mim, preciso dos outros para me manter de pé, tão tonto que sou, eu enviesado, enfim que é que se há-de fazer senão meditar para cair naquele vazio pleno que só se atinge com a meditação. Meditar não precisa de ter resultados: a meditação pode ser como fim apenas ela mesma. Eu medito sem palavras e sobre nada. O que me atrapalha a vida é escrever.
E - e não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando.
Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de um livro inacabado porque lhe falta a resposta. Resposta esta que espero que alguém no mundo me dê. Vós? É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos.

in A Hora da Estrela

nastenka-d
 
  Clarice Desmistificada III
Nunca conheci uma escritora como Clarice. Afirmação redundante, talvez, mas o que é um facto é que a linguagem e o estilo de escrita de Clarice não têm equivalente em qualquer outro escritor. Escrita existencial com uma grande densidade, não se deixa contudo cair no facilistismo da angústia, da interrogação desesperada, do conformismo altruísta mas muitas vezes pedante, do sentimentalismo vão que é uma arma fácil para comover os leitores. Clarice menospreza todos esses artifícios fáceis de escritor, e é ela face ao interior humano sem qualquer espécie de tabus e preconceitos - uma abordagem talvez demasiada racional, misturada com o sentir mas um sentir maior, um sentir sem sentimentalismos, um sentir sem as adiposidades das mesquinhezes do dia a dia, alvitrando um racional sem direcção, escorregando, caindo mas sempre se levantando a cada obstáculo encontrado. Uma narrativa quase filosófica, na medida em que tudo interroga, mas sem sistema nem objectivo concreto, permitindo-se assim roçar todos os limites da existência humana, ao livrar-se daquilo que há de mais baixo em nós próprios (sentimentos pueris) e de mais alto (filosofia sistemática), permitindo-se e permitindo-nos atingir pontos dentro de nós próprios que de outra forma não seria possível.

pns
 
 
"Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível."

Troti
 
 
"Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa."

Troti
 
 
«Já tentei olhar bem de perto o rosto de uma pessoa – uma bilheteira de cinema. Para saber o segredo de sua vida. Inútil. A outra pessoa é um enigma. E seus olhos são de estátua: cegos.»

Clarice Lispector
“A Via Crucis do Corpo”

leitora
 
  A orientação geral da ficção de Clarice Lispector V
"Toda essa exaustiva pequisa do interior do ser humano – a subjetividade procurando se orientar envolvida pela objetividade – pode passar despercebida ao leitor desatento. Isso porque os textos são muito pobres de fatos, aliás, propositalmente pobres. Cenas comuns, desenhadas sem rebuscamentos, mas com bastante precisão de detalhes, podem esconder a profundidade do conteúdo analítico. As palavras não são raras, os aspectos descritos e narrados parecem irrelevantes, a sintaxe não se complica. O campo da linguagem fica livre para o leitor acompanhar os pensamentos que movem as intenções dos personagens à procura de se ajustarem com eles mesmos.”

(terravista)

azuki
 
 
«Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando. Entender é a prova do erro. Entendê-lo não é o modo de vê-lo.»

Clarice Lispector
“A Paixão Segundo G. H.”

leitora
 
quinta-feira, outubro 07, 2004
  A Hora da Estrela
II



O destino de uma mulher é ser mulher. Um pungente retrato das tantas e tantas Macabéas deste mundo, milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa. Aquelas em quem Deus não pensa, seres espoliados, solitários, despojados do sonho, vivendo numa cidade toda feita contra elas.

Era uma maldita e não sabia. Agarrava-se a um fiapo de consciência e repetia mentalmente sem cessar: eu sou, eu sou, eu sou. Quem era, é que não sabia.

Onde estão as respostas?? Macabéa (…) atrás de tudo pulsa uma geometria inflexível. (...) Ninguém pode entrar no coração de ninguém.

Eu me dôo o tempo todo. Macabéa nunca recebeu carinhos, nunca jantou num restaurante, nunca teve um presente. Mas ela não é feia, não. É que algo cintila dentro de si, pois a moça num aflitivo Domingo sem farofa teve uma inesperada felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris.

Pela primeira vez na vida, pela única vez na vida, alguém vai olhar para ela. É a sua hora. Ela existe. Ela é uma estrela. ..viu entre as pedras do esgoto o ralo capim de um verde da mais tenra esperança humana. Hoje, pensou ela, hoje é o primeiro dia de minha vida: nasci.

Estrela de mil pontas.

Os que me lerem, assim, levem um soco no estômago para ver se é bom. A vida é um soco no estômago. Sim, caramba, a vida é um tremendo de um soco no estômago.

azuki
 
  Clarice Desmistificada II
Todos os livros de Clarice que li até agora são aprendizagens, umas mais dissimuladas, outras mais directas. Em todos esses livros reconhece-se um percurso, que Clarice inicia num ponto qualquer dentro de nós próprios e toca imensos outros pontos no mais profundo de nós próprios ou nos limiares de contacto de nós próprios com os outros ou com o mundo. Clarice prova a vasta riqueza infinita do interior do nosso ser ao demonstrar, em cada novo livro que se lê dela, que há sempre outros pontos de partida e inúmeros pontos de contacto novos que nós ainda não tinhamos vislumbrado. E, a cada página de cada livro seu, novos véus se abrem para descobrir mais uma pequena preciosidade humana.

pns
 
  A orientação geral da ficção de Clarice Lispector IV
“É de ressaltar ser Clarice uma mulher escritora. Seus vôos metafísicos partem, geralmente, de cenas domésticas ou, na visão estereotipada masculina, sem importância. Sua condição de mulher a faz muito sensível aos problemas das pessoas carentes. A marca registrada de seus personagens é serem tipos sem relevância aos olhos da sociedade (meninas, velhas, adolescentes...) mas ricos em sua interioridade. Ainda integra a característica de mulher-autora a visão do nascimento da mulher na menina. São numerosas as personagens-meninas que, de uma forma ou de outra, se tornam adultas a partir de experiências aparentemente corriqueiras.”

(terravista)

azuki
 
 
"Ela vivia de um estreitamento no peito: a vida."


Troti
 
  A orientação geral da ficção de Clarice Lispector III
“Dentro da mesma orientação dos europeus Marcel Proust e James Joyce, ela faz os personagens viverem o processo chamado de epifania, ou seja, revelação. Em outras palavras, de repente, diante de ocorrências mínimas, o personagem se descobre e vê revelada uma realidade mais profunda. Muitas vezes, ele mesmo não consegue perceber com clareza que realidade é essa, porém sua vida ou sua visão mudam.”

(terravista)

azuki
 
  Clarice ao longe e ao perto

No dia 8 de Janeiro de 2004 foi-me removido um relativamente indiscreto carcinoma no lado direito da face, através de uma cirurgia de que poderia resultar uma alteração irreversível do rosto por que me conheço há muitos anos. Escolhi, para assinalar o facto de esse dia corresponder, independentemente do sucesso ou insucesso da operação, a um peão extra no jogo-da-glória que é a vida, uma das mais herméticas e belas frases que jamais li sobre viver, uma citação de Clarice Lispector, em "Água Viva":

"Eu, que vivo de lado, sou à esquerda de quem entra".

Para além de tudo quanto a minha vida pessoal e social tem em comum com a de Clarice Lispector, serão sempre a quase vagabundagem interior, e não errância porque seguramente nunca o foi, e a absoluta consciência do Eu, condição necessária à definição da existência e do reconhecimento do Outro, os lugares onde a encontro, num continuum de longes e pertos no tempo e no coração.

Azul Cobalto

 
 
«O escuro não é iluminável, o escuro é um modo de ser.»

Clarice Lispector
“A Paixão Segundo G. H.”

leitora
 
quarta-feira, outubro 06, 2004
  A Hora da Estrela
I


Um livro que toca, uma personagem que enternece. Há os que têm. E há os que não têm. É muito simples: a moça não tinha. Não tinha o quê? É apenas isso mesmo: não tinha.

Macabéa, tal como os revoltados e revoltosos Macabeus, com a ligeira diferença de ser exactamente ao contrário. Sim, Macabéa nunca conheceu a revolta, tão-pouco sabia o que isso era. Macabéa foi sendo. Nem pensar, nem sentir. Ser, apenas. Por quê? resposta: é assim porque assim é. Aceitava porque lhe diziam que assim era. Se lhe diziam, que alternativa senão aceitar? Para quê pôr em causa? Iria adiantar? Iria ajudar? Iria mudar alguma coisa? Iria, sim, iria custar muito mais. …Macabéa estava espantada. Só então vira que sua vida era uma miséria. Teve vontade de chorar ao ver o seu lado oposto, ela que, como eu disse, até então se julgava feliz.

Quem vive sabe, mesmo sem saber que sabe. Existir por existir, sem saber exactamente o que isso significa. Alguém sabe?? Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.

O espaço é a mente; o tempo, o psicológico; o enredo, vai e vem, e o que não acontece é ainda mais importante. Qual foi a verdade de minha Maca? Basta descobrir a verdade que ela logo já não é mais: passou o momento. Pergunto: o que é? Resposta: não é. As dores e as penas, ou a falta delas. A angústia ou a sua ausência. A gente que sofre sem saber que sofre. Clarice disse que se descobria mais um pouco, a cada palavra nova. Há quem viva sem palavras. …não esquecer que para escrever não-importa-o-quê o meu material básico é a palavra. Assim é que esta história será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases.

Mas palavras para quê? Se um dia Deus vier à terra haverá silêncio grande. O silêncio é tal que nem o pensamento pensa.

azuki
 
 
"Lóri era. O quê? Mas ela era.

...

...o que ela era, era apenas uma pequena parte de si mesma."

...

...o maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma...Sou um monte intransponível no meu próprio caminho."



Não podemos ir adiante, não somos livres de nós próprios, nos nos livramos de nós, não damos o passo da libertação. Somos só nós dentro de nós preenchidos de medo sem espaço para abrir os braços.

Troti
 
  A orientação geral da ficção de Clarice Lispector II
“Clarice Lispector emprega o processo narrativo do fluxo da consciência, que é o rompimento dos limites de espaço e de tempo. O pensamento fica solto. Pequenos fatos exteriores provocam uma longa viagem abstrata das idéias, sem se basear numa estrutura seqüencial da narração.”

(terravista)

azuki
 
  As palavras de Clarice têm carne dentro
Carne: músculos tendões ossos.
As palavras - as emoções - de Clarice fazem um corpo. Impulsionado, suportado, estruturado por processos físicos, ligações visíveis e palpáveis.
E depois há o resto.
O que não é explicado como quem explica nem o corpo, nem a vida. Fios subtis mais ou menos alma, mais ou menos física.
Por isso as palavras de Clarice têm carne dentro - como nós temos.

nastenka-d
 
  A orientação geral da ficção de Clarice Lispector I
“Ela pratica a exacerbação do momento interior dos personagens, a ponto de a própria subjectividade entrar em crise. O espírito deles viaja nas asas da memória e da auto-análise. Não se trata, porém, de sondagens psicológicas sentimentais egocêntricas. A inquietação íntima dos personagens se concentra na busca da própria identificação num quotidiano monótono e vazio. As camadas mais profundas da consciência humana são removidas pela autora em busca do significado da existência. Há portanto o encontro da psicologia com a metafísica: conhecer-se para ser.”

(terravista)

azuki
 
  Reflexões sobre uma barata - uma resposta?
Não pude evitar a rápida comparação com a colocação da azuki de 4/out.
Veja o que diz Clarice, no mesmo livro, p.35:

"Eu estava vendo o que só teria sentido mais tarde - quero dizer, só maistarde teria uma profunda falta de sentido. Só depois é que eu ia entender: oque parece falta de sentido - é o sentido. Todo momento de "falta desentido" é exatamente a assustadora certeza de que ali há o sentido, e quenão somente eu não alcanço, como não quero porque não tenho garantias. Afalta de sentido só iria me assaltar mais tarde. Tomar consciência da fatade um sentido teria sido sempre o meu modo negativo de sentir o sentido?"

Daniel França
 
 
"...não só os assuntos que ela abordava eram densos, mas sua própria sintaxe era toda particular — justificando mais além sua velha frase "Os outros escritores cosem pra fora; eu coso pra dentro". Dentro da sintaxe clariceana, a construção de frases ganha outro significado: ela não gera frases com começo, meio e fim, através do uso convencional de pontuação e construções gramaticais, mas brinca, transforma as regras. Pontos finais não significam o fim de uma frase, tampouco interrogações e exclamações. Frases são interrompidas subitamente e sua significância não é retornada senão muito mais tarde, dando espaço a outros pensamentos. Variadas expressões do espírito manifestam-se em uma frase só graças a uma interrogação ou exclamação acompanhadas de vírgula, interminando o período. E ela é capaz de juntar duas frases aparentemente sem relação no significado íntimo de seu dicionário, gerando assim estranhamento e fascínio."
Luiz Flávio Assis Souza
4 ° período de Jornalismo
http://www.revelacaoonline.uniube.br/2004/278/clarice.html

Troti
 
 
Quem tem medo de Clarice Lispector

Luiz Flávio Assis Souza
4 ° período de Jornalismo

"Ela não era simples. Tampouco sua linguagem era aquela conhecida dos homens, dita para fora e na qual cada palavra possui um significado no dicionário. Sua comunicação era a do silêncio: cada intervalo de não-som em seus escritos é provavelmente mais valioso que tudo o que ela chegou a dizer em sua vida. E sua obra estranha, articulada sempre entre fronteiras delicadas do simbolismo e da vivência, mudou a história da literatura brasileira sem ela mesma nunca viver o suficiente para entender a razão. Nestes e em muitos outros paradigmas se situa Clarice Lispector...

A escrita de Clarice possui uma característica muito particular em direção a seus leitores: a radicalidade. Ou se apaixona, ou vai-se embora. Em seus textos, não existe espaço para um meio-termo. Atualmente muito estudada mas muito pouco compreendida, a mística clariceana passa longe (e muito possivelmente ultrapassa) dos termos da literatura acadêmica, da alegoria social e da busca por justiça, penetrando sutilmente as camadas mais íntimas da alma humana, explorando com rara sensibilidade e sabedoria cada aspecto daquilo que é ser uma pessoa; afinal, por que a vida? O que é a morte? Como é a felicidade? O que sinto, que diferença faz? Não há resposta para estas perguntas eternas no texto de Clarice — mas a partir delas, a autora cria seu laço íntimo com o leitor. Ela torna-se próxima do leitor porque sente as mesmas dúvidas, faz as mesmas perguntas e derrama as sensações não particularmente suas, mas do mundo à sua volta para tentar encontrar a essência do universo"
http://www.revelacaoonline.uniube.br/2004/278/clarice.html

Troti
 
 
«Escrevo-te em desordem, bem sei. Mas é como vivo. Eu só trabalho com achados e perdidos.»

Clarice Lispector
“Água Viva.”

leitora
 
  Clarice Desmistificada I
Clarice transporta-nos ao interior de nós próprios, fazendo-nos sentir bem dentro do nosso corpo e da nossa alma, explorando o âmago do nosso ser sob as mais diferentes perspectivas numa linguagem muito própria, densa e abstracta para muitos, certa e extremamenta esclarecedora para outros, que, através dos seus romances, aprendem a reconhecer inúmeras novas dimensões do ser, do sentir, do pensar, do seu papel no mundo e na vida, e aceitá-las de uma forma natural, enriquecendo os horizontes da nossa vida.

pns
 
terça-feira, outubro 05, 2004
 
Kafka acompanha a homenagem a Lispector que se vai fazendo nesta página. Paulinho, Lucas Baldus e companhia são, também, seguidores da reinvenção de sentimentos reais que Clarice tão bem passou a palavras.

Gávea, com o seu olhar atento sobre as letras brasileiras, dá-nos a sua ajuda, e relembra a agenda de Fevereiro - que, para quem não sabe, nos foi expressamente sugerida por Francisco José Viegas.

Bem hajam!

leitora
 
  Características da autora, por Samira Campedelli & Benjamin Abdala Jr.
«Os romances ou os contos de Clarice a que se atribui um alto grau o uso da "técnica" do fluxo da consciência são, quando analisados, obras cujo assunto principal é a consciência de um ou mais personagens. É, por exemplo, o caso do extraordinário A paixão segundo G.H.. A personagem é "flagrada" num estado psicológico de desorganização e o romance "começa" (por assim dizer) numa época qualquer, num lugar qualquer. Melhor dizer: o romance não "começa" ele "continua", lendo-se a primeira página cuja pontuação é a seguinte:

_ _ _ _ _ _ estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não saber como viver, vivi outra? A isso queria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização interior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.»

Daniel França
 
 
"...a vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre."


Troti
 
  E estremece em mim o mundo
Quando eu aprendi a ler e a escrever, eu devorava os livros! Eu pensava que livro é como árvore, é como bicho: coisa que nasce! Não descobria que era um autor! Lá pelas tantas, eu descobri que era um autor! Aí disse: “Eu também quero”.


Nasci para escrever. (...) Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz.


Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever...


Na verdade, eu acho que o nosso contato com o sobrenatural deve ser feito em silêncio e numa profunda meditação solitária.


Uso uma máquina de escrever portátil Olympia que é leve bastante para o meu estranho hábito: o de escrever com a máquina no colo. Corre bem, corre suave(...) provoca meus sentimentos e pensamentos.


Tomar conta do mundo exige também muita paciência: tenho que esperar pelo dia em que me apareça uma formiga.


Sou um ser concomitante: reuno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.


(…) não consigo imaginar uma vida sem arte de escrever ou de pintar ou de fazer música.


(...) como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro.


Eu, que vivo de lado, sou à esquerda de quem entra. E estremece em mim o mundo.


(vidaslusófonas)

azuki
 
 
Do outro lado do Atlântico, em São Paulo, um Blogue que é homenagem a Clarice Lispector, Perto do coração Selvagem.

Sobre a APRENDIZAGEM podemos ler:

Era uma reunião de sentimentos bobos (todos os sentimentos bobos do planeta). Era a fila do supermercado, as contas a pagar e a constatação de que Clarice esteve o tempo todo certa. Para Lóri, personagem central de Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, tudo está sempre por acontecer. E era exatamente assim que ele sentia, naquele fim de noite ouvindo a voz dela: meio-soul, meio-blues. Vazamento d'água na área de serviço (ecos de GH?) e a eterna inquietação: de onde vinha tanto descaminho? Pensou enquanto dobrava as roupas que se avolumavam na cadeira da escrivaninha. Pensou ainda enquanto tomava mais uma xícara de chá adoçado com mel. Por hora, a única certeza era voltar pro quarto, apagar a luz e acatar a ausência de solução para tantos enigmas: tudo está por acontecer...


leitora
 
 
«Mas a palavra mais importante da língua tem uma única letra: é. É.»

Clarice Lispector
“Água Viva.”

leitora
 
segunda-feira, outubro 04, 2004
  A Paixão segundo GH ou Reflexões sobre uma Barata


Gostando tanto da autora, e porque li algures que esta seria a sua obra-prima, resolvi comprar A Paixão segundo GH. Estava mesmo com muitas expectativas. Pois.

Achei as primeiras páginas do livro altamente promissoras, tal a forma com que sublinhava quase todas as frases, sendo que em quase todas reconhecia aqueles traços inconfundíveis do pensamento de Lispector. Mas, depois, aparece uma barata e o caldo entorna-se.

As 130 páginas seguintes são um solilóquio muito enredado, algo extravagante e tão denso que não consegui desvendar o enigma. Nos restantes livros que lhe conheço, o carácter intimista e introspectivo dá-lhes graça e permite que me identifique com o discurso, a ponto de dar por mim a perguntar o que estarei ali a fazer, dentro daquele livro. Aqui, a propósito de uma barata meia morta e dos mucos que lhe vão escorrendo pelo corpo (desde que se tenha engenho, pode-se construir algo interessante a partir de qualquer mote, porque não?), Clarice atira-nos com os temas que lhe são queridos (vida, morte, existência, sentido, inferno, prazer, amor, alegria, consciência, alienação, Deus, medo, solidão,..) com uma intensidade que conseguiu confundir-me e desconcentrar-me. Este livro, ao contrário dos outros, afigurou-se-me hermético e cansativo, pelo que, no meio do meu entusiasmo pela escritora, acabo por concluir que não há bela sem senão.

azuki
 

O QUE ESTAMOS A LER

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LEITURAS NO ARQUIVO

"ULISSES", de James Joyce (17 de Julho de 2003 a 7 de Fevereiro de 2004)

"OS PAPEIS DE K.", de Manuel António Pina (1 a 3 de Outubro de 2003)

"AS ONDAS", de Virginia Woolf (13 a 20 de Outubro de 2003)

"AS HORAS", de Michael Cunningham (27 a 30 de Outubro de 2003)

"A CIDADE E AS SERRAS", de Eça de Queirós (30 de Outubro a 2 de Novembro de 2003)

"OBRA POÉTICA", de Ferreira Gullar (10 a 12 de Novembro de 2003)

"A VOLTA NO PARAFUSO", de Henry James (13 a 16 de Novembro de 2003)

"DESGRAÇA", de J. M. Coetzee (24 a 27 de Novembro de 2003)

"PEQUENO TRATADO SOBRE AS ILUSÕES", de Paulinho Assunção (22 a 28 de Dezembro de 2003)

"O SOM E A FÚRIA", de William Faulkner (8 a 29 de Fevereiro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. I - Do lado de Swann)", de Marcel Proust (1 a 31 de Março de 2004)

"O COMPLEXO DE PORTNOY", de Philip Roth (1 a 15 de Abril de 2004)

"O TEATRO DE SABBATH", de Philip Roth (16 a 22 de Abril de 2004)

"A MANCHA HUMANA", de Philip Roth (23 de Abril a 1 de Maio de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. II - À Sombra das Raparigas em Flor)", de Marcel Proust (1 a 31 de Maio de 2004)

"A MULHER DE TRINTA ANOS", de Honoré de Balzac (1 a 15 de Junho de 2004)

"A QUEDA DUM ANJO", de Camilo Castelo Branco (19 a 30 de Junho de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. III - O Lado de Guermantes)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2004)

"O LEITOR", de Bernhard Schlink (1 a 31 de Agosto de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. IV - Sodoma e Gomorra)", de Marcel Proust (1 a 30 de Setembro de 2004)

"UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES" e outros, de Clarice Lispector (1 a 31 de Outubro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. V - A Prisioneira)", de Marcel Proust (1 a 30 de Novembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA", de José Saramago (1 a 21 de Dezembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ", de José Saramago (21 a 31 de Dezembro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VI - A Fugitiva)", de Marcel Proust (1 a 31 de Janeiro de 2005)

"A CRIAÇÃO DO MUNDO", de Miguel Torga (1 de Fevereiro a 31 de Março de 2005)

"A GRANDE ARTE", de Rubem Fonseca (1 a 30 de Abril de 2005)

"D. QUIXOTE DE LA MANCHA", de Miguel de Cervantes (de 1 de Maio a 30 de Junho de 2005)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VII - O Tempo Reencontrado)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2005)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2005)

UMA SELECÇÃO DE CONTOS LP (1 a 3O de Setembro de 2005)

"À ESPERA NO CENTEIO", de JD Salinger (1 a 31 de Outubro de 2005)(link)

"NOVE CONTOS", de JD Salinger (21 a 29 de Outubro de 2005)(link)

Van Gogh, o suicidado da sociedade; Heliogabalo ou o Anarquista Coroado; Tarahumaras; O Teatro e o seu Duplo, de Antonin Artaud (1 a 30 de Novembro de 2005)

"A SELVA", de Ferreira de Castro (1 a 31 de Dezembro de 2005)

"RICARDO III" e "HAMLET", de William Shakespeare (1 a 31 de Janeiro de 2006)

"SE NUMA NOITE DE INVERNO UM VIAJANTE" e "PALOMAR", de Italo Calvino (1 a 28 de Fevereiro de 2006)

"OTELO" e "MACBETH", de William Shakespeare (1 a 31 de Março de 2006)

"VALE ABRAÃO", de Agustina Bessa-Luis (1 a 30 de Abril de 2006)

"O REI LEAR" e "TEMPESTADE", de William Shakespeare (1 a 31 de Maio de 2006)

"MEMÓRIAS DE ADRIANO", de Marguerite Yourcenar (1 a 30 de Junho de 2006)

"ILÍADA", de Homero (1 a 31 de Julho de 2006)

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POESIA DE ALBERTO CAEIRO (1 a 30 de Setembro de 2006)

"O ALEPH", de Jorge Luis Borges (1 a 31 de Outubro de 2006) (link)

POESIA DE ÁLVARO DE CAMPOS (1 a 30 de Novembro de 2006)

"DOM CASMURRO", de Machado de Assis (1 a 31 de Dezembro de 2006)(link)

POESIA DE RICARDO REIS E DE FERNANDO PESSOA (1 a 31 de Janeiro de 2007)

"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 28 de Fevereiro de 2007)

"O VERMELHO E O NEGRO" e "A CARTUXA DE PARMA", de Stendhal (1 a 31 de Março de 2007)

"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 30 de Abril de 2007)

"A RELÍQUIA", de Eça de Queirós (1 a 31 de Maio de 2007)

"CÂNDIDO", de Voltaire (1 a 30 de Junho de 2007)

"MOBY DICK", de Herman Melville (1 a 31 de Julho de 2007)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2007)

"PARAÍSO PERDIDO", de John Milton (1 a 30 de Setembro de 2007)

"AS FLORES DO MAL", de Charles Baudelaire (1 a 31 de Outubro de 2007)

"O NOME DA ROSA", de Umberto Eco (1 a 30 de Novembro de 2007)

POESIA DE EUGÉNIO DE ANDRADE (1 a 31 de Dezembro de 2007)

"MERIDIANO DE SANGUE", de Cormac McCarthy (1 a 31 de Janeiro de 2008)

"METAMORFOSES", de Ovídio (1 a 29 de Fevereiro de 2008)

POESIA DE AL BERTO (1 a 31 de Março de 2008)

"O MANUAL DOS INQUISIDORES", de António Lobo Antunes (1 a 30 de Abril de 2008)

SERMÕES DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA (1 a 31 de Maio de 2008)

"MAU TEMPO NO CANAL", de Vitorino Nemésio (1 a 30 de Junho de 2008)

"CHORA, TERRA BEM-AMADA", de Alan Paton (1 a 31 de Julho de 2008)

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"MENSAGEM", de Fernando Pessoa (1 a 30 de Setembro de 2008)

"LAVOURA ARCAICA" e "UM COPO DE CÓLERA" de Raduan Nassar (1 a 31 de Outubro de 2008)

POESIA de Sophia de Mello Breyner Andresen (1 a 30 de Novembro de 2008)

"FOME", de Knut Hamsun (1 a 31 de Dezembro de 2008)

"DIÁRIO 1941-1943", de Etty Hillesum (1 a 31 de Janeiro de 2009)

"NA PATAGÓNIA", de Bruce Chatwin (1 a 28 de Fevereiro de 2009)

"O DEUS DAS MOSCAS", de William Golding (1 a 31 de Março de 2009)

"O CÉU É DOS VIOLENTOS", de Flannery O´Connor (1 a 15 de Abril de 2009)

"O NÓ DO PROBLEMA", de Graham Greene (16 a 30 de Abril de 2009)

"APARIÇÃO", de Vergílio Ferreira (1 a 31 de Maio de 2009)

"AS VINHAS DA IRA", de John Steinbeck (1 a 30 de Junho de 2009)

"DEBAIXO DO VULCÃO", de Malcolm Lowry (1 a 31 de Julho de 2009)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2009)

POEMAS E CONTOS, de Edgar Allan Poe (1 a 30 de Setembro de 2009)

"POR FAVOR, NÃO MATEM A COTOVIA", de Harper Lee (1 a 31 de Outubro de 2009)

"A ORIGEM DAS ESPÉCIES", de Charles Darwin (1 a 30 de Novembro de 2009)

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