Leitura Partilhada
terça-feira, novembro 30, 2004
  Sim, havia que partir, era o momento
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nastenka-d
 
  Proust...
"Proust, estranho asilo. Espelho fora do sítio. Segredo do real estético. O quinto volume de "Em Busca do Tempo Perdido" - A Prisioneira, faz de nós duplos prisioneiros:dela-dele, Albertine, dele, Proust....Lendo o texto de Proust, não lemos já só a escrita mas simultaneamente toda a aura de Proust acumulada."

Jorge Listopad
Jornal das Letras 15-28 Setembro 2004

Troti
 
 
«Só se ama o que não se possui por completo.» (p. 100)

leitora
 
  A ficção e a realidade
"Sim, havia de partir, era o momento. Uma vez que Albertine já não parecia estar zangada comigo, possuí-la já não parecia um bem daqueles em troca dos quais estamos prontos a ceder todos os outros....Conseguimos passar através do arco de pano que por momentos julgámos que nunca seríamos capazes de atravessar. Clareámos o temporal, reconquistamos a serenidade do sorriso...Agora que a vida com Albertine de novo se tornara possível, senti que dali só poderia recolher infortúnios, visto que não era amado por ela...Sim, era este o momento...escolheria um dia e bom tempo...em que Albertine me fosse indiferente, em que me sentisse tentado por mil desejos, haveria de deixá-la sair sem a ver, e depois, levantando-me, preparando-me depressa, deixar-lhe-ia um bilhete...e, sem tornar a vê-la, partiria para Veneza.

A Françoise, quando ouviu o meu toque de campainha, entrou e, bastante inquieta acerca da maneira como eu iria encarar as suas palavras, disse-me: “Estava muito incomodada por o patrão hoje tocar tão tarde. Não sabia o que fazer. Esta manhã, ás oito horas, a menina Albertine pediu-me as suas malas e não me atrevi a recusar...deixou-me esta carta para o senhor e às nove horas foi-se embora.” E então – de tal modo somos capazes de ignorar o que temos dentro de nós, visto que estava persuadido da minha indiferença por Albertine – parou-se-me a respiração, apertei o coração com ambas as mãos subitamente molhadas..."

(p.405/406)

Troti
 
 
"A verdade é que nada tenho a recear, ela faz o que eu lhe peço..."
(p.397)

Troti
 
  A dificuldade
"A resignação à preguiça, a resignação à castidade, a conhecer o prazer apenas com uma mulher que não amava, a resignação a permanecer no meu quarto, a não viajar, tudo isso era possível no mundo antigo em que na véspera ainda estávamos, no mundo vazio do Inverno, mas já não naquele universo novo, folhoso, onde acordara como um jovem Adão a quem pela primeira vez se põe o problema da existência, da felicidade, e sobre quem não pesa a acumulação das soluções negativas anteriores."
(p.396)

Troti
 
  A tempestade
“Como um pássaro que vai de uma ponta á outra da gaiola, passava continuamente da inquietação de que Albertine pudesse ir-se embora para uma calma relativa. Essa calma vinha-me do raciocínio a que tornava várias vezes por minuto: “Em todo o caso, ela não pode ir-se embora sem me prevenir, e não falou de modo algum em partir”; e ficava quase calmo. Mas logo dizia de mim para mim: “E se amanhã descobrisse que se foi? A minha inquietação há-de ter causa em qualquer coisa; porque é que ela não me beijou?”; e então o coração apertava-se-me horrivelmente.”
(p.393)

“Senti que em mim se erguiam, como numa rajada de vento, mil inquietações que não era capaz de manter em suspenso dentro do peito. O tumulto era nele tão grande que estava sem folêgo, como numa tempestade.”
(p.395)


Troti
 
  Veneza
- uma Primavera decantada, reduzida à sua essência, e que exprime o alongamento, o aquecimento, o desabrochar gradual dos seus dias pela fermentação progressiva, já não de uma terra impura, mas de uma água virgem e azul, primaveril sem corolas, e que ao mês de Maio só poderia responder com reflexos, por ela trabalhados, exactamente concertantes com ele na nudez radiosa e fixa da sua escura safira. (p.404)

nastenka-d
 
 
“Parece que os acontecimentos são mais vastos que o momento em que ocorrem e não podem caber nele por inteiro. É evidente que transbordam para o futuro pela memória que deles guardamos, mas exigem também um lugar ao tempo que os precede.”(p.393)

Troti
 
  Problemática de Albertine XX
“Eu sentia que, por um lado, quando não estava com ciúmes, a minha vida com Albertine era apenas tédio; e, por outro lado, quando estava com ciúmes, que era apenas sofrimento.”
(p.385/386)

Troti
 
 
“Um ciumento exaspera a mulher amada privando-a de mil e um prazeres sem importância.”
(p.384)

Troti

 
 
“A realidade é o nosso inimigo mais hábil. Desfere os seua ataques contra o ponto do nosso coração onde não os esperávamos e onde não tínhamos qualquer defesa preparada."
(p.381)

Vem a mim, vem, doce inconsciência...

Troti
 
  Problemática de Albertine XIX
“Bem podia eu sentar Albertine nos meus joelhos, agarrar-lhe a cabeça, acariciá-la, passear-lhe demoradamente as mãos pelo corpo – mas como se houvesse empunhado uma pedra que encerrasse em si o sal dos oceanos memoriais ou o raio de uma estrela, sentia que estava apenas aflorando o invólucro fechado de um ser que por dentro tinha acesso ao infinito...se o seu corpo estava sob o poder do meu, o seu pensamento escapava ao domínio do meu pensamento.”
(p.379)

Troti
 
 
“O amor é o espaço e o tempo que se tornam sensíveis ao coração.”
(p.378)

Adoro esta frase.

Troti
 
 
Em que está a pensar, minha querida?” “Ora, em nada.”
(p.377)

Quantas vezes por segundo será feita, no mundo, esta pergunta e quantas vezes receberá esta resposta?

Troti
 
  Problemática de Albertine XVIII
“Mas não continha o meu quarto uma obra de arte mais preciosa que todas essas, que era a própria Albertine?
(p.374)

Mas não; Albertine de modo algum era para mim uma obra de arte.

Amamos apenas aquilo em que perseguimos algo de inacessível, sóa amamos o que não possuímos, e não tardava a tomar consciência de que não possuía Albertine."
(p.376)


Troti
 
segunda-feira, novembro 29, 2004
 
«A vida, ao mudar, faz realidades com as nossas fábulas.» (p. 358)

leitora
 
  Criação em Proust
"...la fameuse phrase de la sonate de Vinteuil, Proust en a indiqué lui-même les sources, mais un examen plus attentif montre que la musique de Vinteuil est une pure création musicale de Proust illustrant son univers romanesque. "Ainsi le mode de composition cyclique de Vinteuil n'est pas calqué sur l'art d'un Wagner ou d'un Franck, mais est celui de Proust quand il écrit. Et ce procédé lui est venu d'une longue méditation sur les retours du passé dans le présent (...). Les modulations de la musique du début de la Sonate à la fin du Septuor, la variation des atmosphères, de la tendresse des premières pages à l'anxiété des dernières, de l'ambiance champêtre des nues à l'intellectualisme âcre des autres, sans oublier le tohu-bohu vulgaire du motif des cloches et surtout l'hymne à la joie final semblent suivre l'ordre des parties mêmes du "Temps perdu". Le microcosme reflète le macrocosme ".

C'est pourquoi toute la création littéraire apparaît transcendante dans la réminiscence proustienne, lieu de reconnaissance, d'exploration, de mise en oeuvre par Proust de son génie. Et ce génie implique une victoire sur la musique aussi. La réminiscence est le lieu privilégié où l'écrivain Proust découvre et expérimente cette "naissance" perpétuelle qu'est la création.

http://geocities.com/dieguezmd/articles/600420combat.htm

Troti
 
 
"...Dostoievski...tudo aquilo me parece o mais possível distante de mim, a não ser que tenha dentro de mim partes que ignoro, porque só progressivamente tomamos consciência de nós mesmos. “(p.372)


Troti
 
 
“Nessa qualidade desconhecida de ver um mundo único e que nenhum outro músico jamais nos dera a ver, talvez fosse aí, dizia eu a Albertine, que reside a prova mais autêntica do génio... "Mesmo em literatura?", perguntava-me Albertine. "Mesmo em literatura." E...explicava a Albertine que os grandes literatos nunca fizeram uma só obra, ou antes refractaram através de meios diferentes uma mesma beleza que trazem ao mundo." (p.368)

Da página 368 a 374 Proust vai buscar referências, introduz impressões e faz um cruzamento das sensações da vida através da música e da literatura, urdindo o seu próprio universo encarnado na criação das figuras do pintor Elstir e do compositor Vinteuil com o de vários autores:

Barbey d´Aurevilly, Thomas Hardy, Stendhal, Vermeer, Dostoievski, Rembrandt, Carpaccio, Munkacsy, Gogol, Paul de Kock, Madame de Sévigné, Choderlos de Laclos, Baudelaire, Madame de Genlis, Tolstoi, Rameau, Borodine.



"Study of a Young Woman"
Jan Vermeer(Dutch Painter 1632-1675)
www.caam.rice.edu/~awesome1/ Art/vermeer%20stu


Mihaly Munkacsy (Hungarian Realist Painter, 1844-1900)
webperso.easyconnect.fr/.../ images/munkacsy.gif


"Cortesãs" - quadro mencionado por Proust
Vittore Carpaccio (Italian painter of the Venetian school, 1455?-1526?)
www.abcgallery.com/ C/carpaccio/carpaccio11.JPG


"Betasé" - quadro menciondo por Proust
Rembrandt Harmenszoon van Rijn (Dutch Painter 1606-1669)
www.puc-rio.br/louvre/ images/iprembra.jpg


"A Ronda da Noite" - quadro mencionado por Proust
Rembrandt Harmenszoon van Rijn (Dutch painter 1606-1669)
http://www.malhatlantica.pt/mediateca/Night_Watch.jpg


Troti
 
 
“Parece que na vida mundana, reflexo insignificante do que se passa em amor, a melhor maneira de nos procurarem é recusarmo-nos.”
(p.362)

Troti
 
 
Quando me abandonava à hipótese segundo a qual a arte seria real chegava a pensar que o que a música podia dar-nos era até mais que a simples alegria nervosa de um tempo radioso ou de uma noite de ópio, era antes uma embriaguez mais real, mais fecunda, ao menos a julgar pelo que pressentia. Mas não é possível que uma escultura, uma música que produz uma emoção que sentimos ser mais elevada, mais pura, mais verdadeira, não corresponda a uma certa realidade espiritual – pois, se assim não fosse, a vida não teria qualquer sentido. Assim, nada como uma bela frase de Vinteuil se assemelhava mais àqueleprazer especial que sentira alguma vezes na vida, por exemplo, diante dos campanários de Martinville, de certas árvores de uma estrada de Balbec ou, mais simplesmente, no princípio desta obra, ao beber uma certa xícara de chá. (p.367)

nastenka-d
 
 
"...assim eu rolava cada vez mais depressa pela ladeira abaixo da minha tristeza, a caminho de um desespero cada vez mais profundo, e com a inércia de um homem que se sente invadido pelo frio e não só não tenta lutar contra ele como acha até uma espécie de prazer em tiritar."
(p.350)

Troti
 
 
“...em amor é mais fácil renunciar a um sentimento que perder um hábito.”(p.348)

Troti
 
  Problemática de Albertine XVII
“Também eu estava a mentir...quando declarava que queria o rompimento. E aquela vontade de separação que estava a simular com perseverança ia a pouco e pouco provocando em mim algo da tristeza que sentiria se quisesse deveras deixar Albertine.
(p.344)

Sentia, fosse como fosse, que estava a travando a grande batalha em que iria vencer ou sucumbir.
(p.345)

Vivia-se um dia-a-dia que, ainda que penoso, continuava a ser suportável, retido no terra-a-terra pelo lastro do hábito...
As palavras tristes que pronunciamos, mesmo mentindo, trazem consigo a sua tristeza e no-la injectam profundamente.

(p.347)

enfim ao mesmo tempo que mentia, punha porventura nas minhas palavras mais verdade do que julgava."
(p.348)


Troti
 
  Problemática de Albertine XVI
A minha escravidão, de que me apercebera ainda quando...vira a luz da janela, deixara de me pesar pouco depois, quando vira que Albertine parecia sentir a sua tão cruelmente.(p.324)

Pareceu-me que uma parte do romance que ainda não começara a arder estava enfim a desfazer-se em cinzas.”
(p.344)

Troti
 
domingo, novembro 28, 2004
  Problemática de Albertine XIV
“Eu não sabia que dizer, porque não queria parecer admirado e porque estava esmagado por tantas mentiras. A um sentimento de horror que não me levava a desejar expulsar Albertine, antes pelo contrário, juntava-se uma vontade extrema de chorar.”
(p.328)

“Quando lhe minto é sempre por amizade por si.”
(p.329)

“...infelizmente Albertine era várias pessoas...Só um pouco mais tarde as reconstituí, quando adivinhei o seu pensamento. Ouvimos retrospectivamente quando compreendemos.”
(p.330)

Troti

 
 
Em todo o bluff existe, por muito pequena que seja, uma parte de incerteza acerca do que irá fazer aquele que estamos enganando. E se esta comédia de separação fosse redundar numa separação? (p.347)

nastenka-d
 
  Before Sunset
De resto, sentimos bem que existe verdade nestas mentiras, que, se a vida não trouxer mudanças nos nossos amores, haveremos de ser nós mesmos a querer trazê-las ou a fingi-las e a falar de separação, de tal modo sentimos que todos os amores e todas as coisas evoluam rapidamente para o adeus. (p.345)

nastenka-d
 
  Para que serve a Recherche
...porque as imagens que me levavam a agir, tão opostas às que se estampavam nas minhas palavras, eram nessa altura muito obscuras, e porque eu só imperfeitamente conhecia a natureza de acordo com a qual agia, e cuja verdade objectiva conheço hoje claramente. (p.340)
...pelo menos serviu a Proust...
nastenka-d
 
 
“A partir de uma certa idade, por amor próprio e por sagacidade, são as coisas que mais desejamos aquelas a que fingimos atribuir menos importância.”
(p.337)

Troti
 
  Problemática de Albertine XV
“...apresentávamos um ao outro uma aparência que era muito diferente da realidade".
(p.336)


(“...o que provavelmente vivia em mim era a ideia de uma Albertine inteiramente contrária à que a minha razão dela fazia, e também à que as suas próprias palavras descreviam..."
(p.339)

Troti
 
 
“...não de deve abusar das pessoas que amamos.”
(p.331)

É uma utopia, é uma utopia...

Troti
 
  Problemática de Albertine XIII
“Sofri todas as torturas do ciúme”
(p.325)

Troti
 
  Problemática de Albertine XII
“...sentia-me, por mais obscuramente que fosse, ligado à rapariga que naquele momento me esperava no seu quarto. Mesmo quando conversava com este ou aquele em casa dos Verdurin, sentia-a confusamente a meu lado, tinha dela aquela noção vaga que temos dos nossos próprios membros, e se me acontecia pensar nela era como quem pensa, com o enfado de lhe estar ligado por uma total escravatura, no seu próprio corpo.”
(p.322)

Troti
 
 
“...nunca se deve querer mal aos homens, nem julgá-los, a partir de uma certa recordação de uma maldade, porque não sabemos tudo o que em outras ocasiões a sua alma pode ter sinceramente pretendido e pode ter realizado de bom.”
(p.320)

Troti
 
 
“... ligada à ideia de uma conversa para esclarecer um mal-entendido, há quase sempre outra ideia que, seja por que razão for, leva a que não nos prestemos a tal conversa.”
(p.312)

Troti

 
 
“Dos actos despropositados dos nossos semelhantes raramente descobrimos as motivações."
(p.311)

Troti
 
 
“Há certos desejos, às vezes circunscritos à boca, que, uma vez que os deixámos crescer, exigem ser satisfeitos, sejam quais forem as consequências; já não podemos resistir à tentação de beijar um ombro decotado que há muito estamos contemplando e sobre o qual os nossos lábios se lançam como a serpente sobre o passarinho, ou à de deitar a um bolo a mão fascinada por uma fome irresistível, ou à de renunciar à admiração, à perplexidade, à dor ou à alegria que vamos provocar numa alma com palavras imprevistas.”
(p.302)

Troti
 
 
“Nunca ninguém suporta com facilidade as lágrimas que provoca.”
(p.305)


Será?


“O espírito de vingança faz parte da vida...”
(p.316)

Parece.

Troti
 
  Problemática de Albertine XI
O quê? Que é que a mulher pode representar de diferente para Albertine?, pensava eu, e era aí que residia o meu sofrimento.”
(p.301)

Troti
 
sábado, novembro 27, 2004
 
“ Ah, meu caro, é o fim da sociedade. Toda a gente se tornou tão má...É ver quem diz mais mal dos outros. Um horror!”
(p.302)


Troti
 
 
“Em suma, estou a ver que você não se interessa pelas pessoas enquanto curiosidades..."
(p.294)

Fiquei aqui a pensar nas pessoas enquanto curiosidades...

Troti
 
 
“...já não há sociedade, já não há regras, já não há conveniências, nem nas conversas nem nas toilettes.“
(p.302)

Eu também acho. É um total descalabro.

Troti
 
 
“... o ciumento é como os contemporâneos, está muito perto e não sabe nada...”
(p.293)

Troti
 
 
Uma reputação pode ser ao mesmo tempo assustadora e imerecida.”
(p.289)

Troti
 
  Problemática de Albertine X
“...lembrando-me de repente de certos movimentos de impaciência de Albertine, que ela aliás reprimia imediatamente, senti o pavor de que ela tivesse concebido o projecto de me deixar.
...
o mais hábil pareceu-me fazer crer a Albertine que também eu tinha a ideia de a deixar.”

(p.288)


Troti
 
  Considerações sobre o eu em Proust II
“Acabara por aprender com a experiência da vida que quando alguém zombava de mim não devia sorrir afectuosamente e não lhe levar a mal. Mas esta ausência de amor-próprio e de rancor, se é certo que deixara de a exprimir ao ponto de ter chegado a ignorar quase por completo que ela existia em mim, nem por isso deixara de ser o meio vital em que estava mergulhado. A cólera e a maldade apenas me vinham de uma forma completamente diferente, em crises furiosas. Além disso, o sentido da justiça era-me desconhecido, o que atingia uma completa ausência de senso moral. Estava do fundo do coração totalmente conquistado pelo mais fraco e pelo mais infeliz.”(p.284)

Troti
 
  Considerações sobre o eu em Proust I
“Herdara de minha mãe o ser desprovido de amor-próprio num grau que facilmente redundaria em falta de dignidade.
...
Mas a natureza que recalcamos não deixa por isso de habitar dentro de nós.”
(p.283)


Troti
 
  A frase (in)completa
Caramba, senhor Proust, tanto floreado para descrever os Charlus deste mundo, e depois de repente atira uma frase assim grosseira como a que Marcel imputa a Albertine. O contraste choca (mais do que a frase), mesmo sem falsos pudores. Envilece-se Albertine, ou Marcel, que é quem na verdade a pensa.
nastenka-d
 
  O prisioneiro
De modo que, erguendo uma última vez os olhos do exterior para a janela do quarto onde estaria daí a pouco, pareceu-me ver a luminosa grade que iria fechar-se sobre mim e cujas inflexíveis barras de ouro eu próprio forjara. (p.324)

Marcel é tão prisioneiro do seu amor (da sua dependência, pelo menos) como Albertine; talvez seja mais ainda. Albertine poderia, se quisesse, se lhe conviesse, abandonar o seu quarto no fundo do corredor, encetar a ruptura. Mas Marcel, esse, terá que viver sempre consigo.
nastenka-d
 
 
“Toda a gente está sempre com pressa...”
(p.280)

Já estavam com pressa no séc.XIX!
C´est pour ça qu´on est comme ça dans le siécle XXI.

Troti
 
 
“Esta sociedade ...levava o desprezo pelos escrúpulos quase tão longe como o respeito pela etiqueta.”
(p.267)
....
a sociedade é o reino do nada...”
(p.271)


Troti
 
sexta-feira, novembro 26, 2004
 
“Eu sabia que não mais esqueceria esta tonalidade nova da alegria, este apelo a uma alegria supraterrestre. Mas seria ela alguma vez realizável para mim?”(p.253)

Não sei se alguma vez conseguiremos realizar os apelos. Mas temos de os resguardar na nossa concha e sonhar com eles todos os dias.

Troti
 
 
“A minha atenção só poderia fixar-se atraída por alguma realidade que se dirigisse à minha imaginação...”
(p.277)

Troti
 
 
“Lembramo-nos de uma atmosfera porque teve raparigas a sorrir.”(p.236)

Troti
 
 
“...a ninguém apreciamos mais que àqueles que juntam a outras grandes virtudes a de as colocar sem reservas à disposição dos nossos vícios.”
(p.210)

Está tudo dito.

Troti
 
 
“A irresponsabilidade, diga-se o que se disser, agrava os erros, e mesmo os crimes.”
(p.197)

O problema é que temos de viver com ela permanentemente. E ela vive impune.

Troti

 
  Problemática de Albertine IX
Faz questão que eu continue a manter este penteado?”
...
A mim apenas me custava que o penteado que eu lhe pedira que adoptasse pudesse parecer a Albertine mais uma clausura.”

(p.185)

Troti
 
  Dignidade
E foi assim, conduzindo o barão pelo braço e sem ter deixado que lhe apresentassem Morel, que saiu a gloriosa irmã da imperatriz Élisabeth. (p.315)

E entre aplausos, acrescento eu; por mais que o seu conceito de bondade tenha sido desmontado por Proust linhas antes, a sua actuação netsa cena é a única que se reveste de dignidade. A rainha de Nápoles saiu bem nesta fotografia.
nastenka-d
 
quinta-feira, novembro 25, 2004
 
Mas nós imaginamos o futuro como um reflexo do presente projectado num espaço vazio, quando ele é o resultado, muitas vezes bem próximo, de causas que na sua maioria nos escapam. (p.314)

nastenka-d
 
 
O universo é verdadeiro para nós todos, e diferente para cada um.
...
Sim, fui obrigado a desbastar as coisas e a mentir, mas não há um universo, há milhões deles, quase tantos quantas as pupilas e as inteligências humanas, e que despertam todas as manhãs.”

(p.183)


Troti
 
  O ERRO HUMANO
“...o erro é mais obstinado que a fé e não analisa as suas crenças.”
´(p.183)

Pois é. Pois não. E é por isso que o erro é uma constante, faz parte da massa intrínseca do homem, daquela de que ele não abdica, daquela de que precisa para continuar, daquela que destrói mas também ensina, daquela que dói mas que redime. Mas que faz sofrer para além dos limites.

Troti

 
 
O testemunho dos sentidos é também uma operação do espírito em que a convicção cria a evidência.”
(p.182)


Troti
 
  Problemática da Albertine VIII
...”só muito mais tarde vim a conhecer a sua arte encantadora de mentir com simplicidade.
...
a minha amiga achava que negar completamente era pouco verosímil.”

(p.181)
...
era encantadora quando inventava uma história que não deixava margem para dúvidas, porque víamos então à nossa frenta a coisa – afinal imaginada – que ela contava, servindo-nos da sua palavra como vista.”
(p.184)

Troti
 
 
Depois, “Madame” não fala dos vícios de “Monsieur”, mas fala constantemente do vício nos outros, como pessoa que está informada, e por via daquela característica, que todos temos, de gostar de encontrar nas famílias dos outros as mesmas taras de que sofremos na nossa, para provarmos a nós mesmos que elas nada têm de excepcional ou desonroso. (p.297)

nastenka-d
 
quarta-feira, novembro 24, 2004
 
«De tudo encontramos na nossa memória, que é uma espécie de farmácia, de laboratório de química, onde, ao acaso, ora deitamos a mão a uma droga calmante, ora a um perigoso veneno.» (p. 382)

leitora
 
 
Que quer você, meu caro, a vida é uma viagem, foi Anaxágoras que o disse.”
(p.176)

Anaxágoras

Além de ter elaborado teorias de indiscutível profundidade, Anaxágoras exerceu notável influência sobre a filosofia grega posterior a ele, tendo introduzido em Atenas as concepções desenvolvidas pelos pensadores das colônias helênicas.

Nascido em Clazômenas por volta do ano 500 a.C., na juventude Anaxágoras foi para a capital da Ática, onde logo se tornou a figura principal do grupo de intelectuais reunidos em torno de Péricles, governante da cidade. Sua obra, cuja interpretação, em parte por causa da escassez de fragmentos, é muito controvertida, pode ser situada na confluência entre a tradição milésia e o pensamento de Parmênides. Com os filósofos de Mileto, sustentava que a experiência sensorial põe o ser humano em contato com uma realidade cambiante, cuja constituição última ele pretendia encontrar. Com Parmênides, afirmava que só o ser é e o não-ser não é, porque ao ser, enquanto totalidade, não se pode acrescentar nem tirar nada.

Considerava, em conseqüência, que "nada vem à existência nem é destruído, tudo é resultado da mistura e da divisão". A cambiante pluralidade do real é simplesmente o produto de ordenações e reordenações sucessivas, já não dos quatro elementos tradicionais -- água, terra, fogo e ar --, mas sim de "sementes", ou "homeomerias", das quais há tantos tipos quantas classes de coisas existem. Nada pode chegar a ser aquilo que não é ou deixar de ser o que é: "como poderia chegar a ser carne aquilo que não é carne ou pêlo aquilo que não é pêlo?".

Anaxágoras, contudo, defendeu também a idéia de que, junto à matéria, existe um princípio ordenador, um nous ou "inteligência", como causa do movimento. Por isso foi chamado de o primeiro dualista. Platão saudou com entusiasmo essa inovação, mas criticou o filósofo de Clazômenas por fazer uso insuficiente dela. Segundo interpretava Platão, Anaxágoras recorria a essa tese apenas para explicar a origem do movimento no universo; produzido esse movimento, o universo ficava abandonado a forças mecânicas. Não é claro que as coisas se passassem assim, nem se o nous era concebido como algo plenamente imaterial ou se, ao contrário, tinha uma certa materialidade, mesmo que sutil. De fato, as opiniões científicas de Anaxágoras, que se chocaram com as concepções religiosas da época, lhe custaram ser julgado por ateísmo. Graças à ajuda de Péricles, conseguiu refugiar-se em Lâmpsaco, onde morreu por volta de 428 a.C.

©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

http://geocities.yahoo.com.br/mcrost07/anaxagoras.htm

Troti
 
  E finalmente desvendamos mais um pouco da história de Swann e Odette...
É que, com os comportamentos do senhor de Charlus, esquecia-me já de como ele era uma presença tão assídua ao lado de Odette; desde os tempos de Combray, dos passeios para o lado de Méséglise (onde os víamos atrás do portão nos dias dos espinheiros cor-de-rosa), ou antes ainda, nos tempos da Rue La Pérouse. Nessa altura julgava o senhor de Charlus um mulherengo que traía descaradamente o amigo (bom, pelo menos que o traiu é verdade...). A ilustre lista que o barão cita apenas vem confirmar as antigas suspeitas; no entanto, já não é com elas que nos ocupamos...
nastenka-d
 
 
“...a mentira é tão pouco exigente, precisa de tão pouco para se manifestar!”(p.170)
...
“O verosímil, apesar do que o mentiroso julga, não é de modo algum o verdadeiro.”
(p.171)

Troti
 
terça-feira, novembro 23, 2004
 
«A realidade é o nosso inimigo mais hábil. Desfere os seus ataques contra o ponto do nosso coração onde não os esperávamos e onde não tínhamos qualquer defesa preparada.» (p. 381)

leitora
 
 
“Poderia a vida consolar-me da arte, haveria na arte uma realidade mais profunda em que a nossa personalidade verdadeira encontra uma expressão que os actos da vida lhe não conferem? É que, com efeito, todos os grandes artistas parecem muito diferentes uns dos outros, e dão-nos aquela intensa sensação da individualidade que em vão procuramos na existência quotidiana.
...
A música...ajudava-me a descer dentro de mim mesmo, a descobrir em mim algo de novo: a variedade que em vão eu procurara na vida...
...
Wagner, sob cada denominação coloca uma realidade diferente...Daí a plenitude de uma música efectivamente cheia de tantas músicas, cada uma das quais é um ser.
(p.152/153)

Troti
 
 
É claro que para possuir é preciso ter desejado.”
(p.168)

Troti
 
 
...e em parte por aquele sentimento da vida que faz com que, logo que nos aproximamos das pessoas, das vidas, nos pareçam demasiados simples os rótulos e as compartimentações feitas de antemão. (p.291)

nastenka-d
 
  Problemática de Albertine VII
Para que as suas grilhetas lhe parecessem mais leves pareceu-me que o mais hábil seria fazer-lhe crer que eu próprio lhas iria quebrar.”
(p.173)
...
É terrível termos a vida de outra pessoa amarrada á nossa como uma bomba que segurássemos na mão e não pudéssemos largar sem cometer um crime.”
(p.174)

Troti
 
  Problemática de Albertine VI
“A bem dizer eu havia chegado com Albertine àquele ponto em que(quando tudo continua na mesma, quando as coisas se passam normalmente) uma mulher só nos serve de transição para outra mulher. Ainda é importante para nós, mas muito pouco...A ela, com efeito, já a possuímos, esgotámos tudo o que ela aceitou revelar-nos de si mesma.
(p.162)
...
Ao enclausurar Albertine, eu tinha ao mesmo tempo devolvido ao universo todas aquelas asas a rebrilhar que zumbem nos passeios, nos bailes, nos teatros, e que tornavam a ser tentadoras para mim porque Albertine já não podia sucumbir à tentação delas. Elas constituíam a beleza do mundo. Haviam constituído em tempos a de Albertine. Fora por tê-la visto como um pássaro misterioso, e depois como uma grande actriz da praia, desejada, porventura conquistada, que eu a achara maravilhosa. Uma vez preso em minha casa o pássaro que uma tarde vira caminhar no molhe a passos medidos, rodeado pela congregação das outras raparigas que pareciam gaivotas chegadas não se sabe donde, Albertine perdera todas as suas cores, assim como todas as possibilidades que os outros tinham de a ter para eles. A pouco e pouco perdera a sua beleza.”
(p.167)

Troti
 
segunda-feira, novembro 22, 2004
  Aos amantes de Dostoievski
Este volume da Recherche (para os mais distraídos, Volume V - A Prisioneira) tem várias páginas de apreciação da arte e engenho do Dosti. Imperdível... Espreitem as páginas 370 e seguintes, e depois leiam o livro todo ;)

leitora
 
  Problemática de Albertine V
“Eu era mais senhor do que julgara. Mais senhor, isto é, mais escravo.
...
O meu amor por Albertine obrigara-me a levantar-me da cama e a preparar-me para sair, mas iria impedir-me de gozar a minha saída.”
(p.150)
...
Tal como é costume fazer-se em vésperas de uma morte prematura, eu fazia as contas aos prazeres de que era privado pelo ponto final que Albertine punha à minha liberdade.”

(p.161)

Troti
 
 
“A humanidade é muito velha. A hereditariedade, os cruzamentos conferiram uma força insuperável a maus hábitos, a reflexos viciosos. Uma pessoa espirra e respira com dificuldade porque passa junto de uma roseira, outra sofre uma erupção por causa de um cheiro a tinta fresca, muitos têm cólicas se vão partir de viagem e há netos de ladrões que são milionários e generosos e que não podem resistir a roubar-nos cinquenta francos.”
(p.148)

Troti
 
 
“Sabia-me tão bem fingir que era amado!”
(p.147)

Troti
 
 
“Quando queremos lembrar-nos de que maneira começámos a amar uma mulher, já estamos amando...”
(p.146)

Troti
 
 
“...o seu olhar concentrado e aveludado fixava-se, colava-se na transeunte, tão aderente, tão corrosivo que parecia que, ao retirar-se, lhe arrancaria a pele....Por mais que tentasse ocultar a consciência que tinha de tal facto, ela submergia-a, envolvia-a, vaporosa, voluptuosa, acentuava-lhe o rosado da cara....Albertine podia negar-me as suas traições pessoais; mas, através de palavras que lhe escapavam, mais fortes que as declarações em contrário, ou apenas através dessses olhares, fizera a confissão do que quisera esconder e, muito mais do que factos concretos, daquilo que ela preferia morrer a reconhecer: a sua inclinação. Porque nenhuma pessoa quer entregar a sua alma.”
(p.143)

Troti
 
 
“...na minha memória eu apenas possuía séries de Albertines separadas umas das outras, incompletas, perfis, instantâeos; por isso o meu ciúme se confinava a uma expressão descontínua, ao mesmo tempo fugidia e fixada, e às criaturas que a haviam trazido ao rosto de Albertine.”
(p.142)

Troti
 
 
“...o ciúme é como que um historiador a quem cabe fazer uma história para a qual não dispõe de qualquer documento: sempre atrasado, precipita-se como um touro furioso para onde não está a criatura altiva e brilhante que o irrita com as suas picadas e cuja magnificência e astúcia são admiradas pela multidão cruel. O ciúme debate-se no vazio, inseguro...”
(p.140)

Troti
 
  ...e nunca tinha falado assim de si mesmo
Mas esta ausência de amor-próprio e de rancor, se é certo que deixara de a exprimir ao ponto de ter chegado a ignorar quase por completo que lea existia em mim, nem por isso deixara de ser o meio vital em que estava mergulhado. A cólera e a maldade apenas me vinham de uma forma completamente diferente, em crises furiosas. Além disso, o sentido da justiça era-me desconhecido, o que atingia uma completa ausência de senso moral. Estava do fundo do coraçãp totalmente conquistado pelo mais fraco e pelo mais infeliz. Não tinha qualquer opinião acerca da medida em que o bem e o mal podiam entrar nas relações entre Morel e o senhor de Charlus, mas a ideia dos sofrimentos que estavam preparando ao senhor de Charlus era-me intolerável. Gostaria de o prevenir, mas não sabia como havia de fazê-lo. (p.284)

nastenka-d
 
  Apesar de tudo, Marcel mantém-se neutro...
Esta em nada diminui a grande e afectuosa piedade que o senhor de Charlus me inspirava (desde que a senhora Verdurin revelara o seu intento à minha frente), antes apenas me divertiu e, mesmo numa circunstância em que eu não sentisse tanta simpatia, não me teria melindrado. (p.283)

nastenka-d
 
domingo, novembro 21, 2004
 
«Quando lhe minto é sempre por amizade por si.» (329)

leitora
 
 
”...a memória, em lugar de ser um duplicado sempre presente diante dos nossos olhos dos diversos factos da nossa vida, é antes um nada do qual por instantes nos é permitido retirar, ressuscitadaas, recordações mortas; mas há ainda mil e um pequenos factos que não caíram nessa virtualidade da memória e que para nós permanecerão para sempre incontroláveis.”
(p.139)

Troti
 
 
“O desgosto penetra em nós e obriga-nos a penetrar pela curiosidade dolorosa. Daí as verdades que não nos sentimos no direito de ocultar, de tal modo que um ateu moribundo que as descobriu, com a certeza do nada e sem preocupações com a glória, gasta contudo as suas últimas horas tentando dá-las a conhecer.”
(p.139)

Troti
 
 
“A curiosidade amorosa é como a que em nós é provocada pelos nomes de terras: sempre frustada, renasce e permanece insaciável.”
(p.136)

Troti
 
 
« Nós somos escultores. Pretendemos obter de uma mulher uma estátua inteiramente diferente do que ela nos apresentou.”
(p.135)

Troti
 
 
Todavia, no momento da minha descoberta, a índole do senhor Verdurin apresentou-se-me sob uma nova face insuspeitada; e concluí pela dificuldade de apresentar uma imagem fixa de um carácter, tanto como das sociedades e das paixões. Porque ele não muda mesmo do que elas, e se quisermos tirar um retrato do que ele tem de relativamente imutável veremos que apresenta sucessivamente aspectos diferentes (o que implica que não sabe conservar-se imóvel e se mexe) à objectiva desconcertada. (p.320)

nastenka-d
 
  Mas também, como as pessoas não são planas
...logo a seguir à lamentável cena no seu serão, os Verdurin tomam a seu cuidado o pobre Saniette (a quem não se poupavam de apoucar no pequeno núcleo!).
nastenka-d
 
  Sobre as maquinações da senhora Verdurin
Noutros tempos, qualquer gargalhada furtiva de Odette ao pé de Swann mordera-lhe o coração...

Pois, que a senhora Verdurin tinha o seu quê de mesquinhez já se sabia, só não tinha sido assim mostrado, de forma tão óbvia e crua à frente dos nossos olhos; a intriga que urde contra o senhor de Charlus é-lhe inspirada pelo despeito (també, barão, o senhor deveria saber como era importante manter-se nas boas graças da Patroa!), mais até do que pelo receio que a relação entre Charlus e Morel prejudique as suas famosas quartas-feiras. Também a patrona das artes não sai bem no retrato (mas quem sai?), como antes acontecera à duquesa de Guermantes...
nastenka-d
 
sábado, novembro 20, 2004
 
A minha atenção só poderia fixar-se atraída por alguma realidade que se dirigisse à minha imaginação, como, naquela noite, poderia ser uma vista dessa Veneza em que de tarde tanto havia pensado, ou algum elemento geral, comum a várias aparências e mais verdadeiro do que elas, o qual pos si mesmo acordava em mim um espírito interior e habitualmente sonolento, mas cuja subida à superfície da consciência me dava grande alegria. (p.277)

nastenka-d
 
 
«A única verdadeira viagem, o único banho de Juventa não consistiria em partir para novas paisagens, mas em ter outros olhos, em ver o universo com os olhos de outro, de cem outros, em ver os cem universos que cada um deles vê, que cada um deles é; e eis o que podemos fazer com um Elstir, com um Vinteuil, com os seus semelhantes: voar na verdade de estrela em estrela.» (p. 251)

Voar na verdade de estrela em estrela. Voar de verdade de estrela em estrela. Voar de verdade...

leitora
 
 
"Pus-me a ler a carta da minha mãe. Através das suas citações de Madame de Sévigné...sentia que a minha mãe estava aborrecida por ver que a estada de Albertine em nossa casa se prolongava, e se fortaleciam, se bem que ainda não declaradas à noiva, as minhas intenções de casamento...Sem falar do que mais a inquietava, dizia-se irritada pelas minhas grandes despesas: “Para onde irá todo o teu dinheiro? Já bastante me atormenta que, como Charles de Sévigné, não saibas o que queres e que sejas “dois ou três homens ao mesmo tempo”...
(p.134)


Pour son fils Charles, Madame de Sevigné éprouve une affection proche de l'amitié : il est « le compère », « le frater », « il est fort amusant, il a de l'esprit. »
21 juin 1671.
Militaire peu convaincu et longtemps célibataire, il fait de nombreuses frasques qui amusent et inquiètent à la fois sa mère.
http://www.adpf.asso.fr/adpf-publi/folio/sevigne/parisienne.html

Troti
 
 
‌...a beleza é uma promessa de felicidade. Inversamente, a possibilidade do prazer pode ser um começo de beleza.”
(p.133)

Troti
 
 
“...a incerteza moral é, para uma exacta percepção visual, maior causa de dificuldade que uma deficiência material de vista.”
(p.133)

Troti
 
  Viajar
Porque se fôssemos a Marte e a Vénus mas conservássemos os mesmos sentidos, eles revestiriam tudo o que pudéssemos ver do mesmo aspecto das coisas da Terra. A única verdadeira viagem, o único banho de Juventa não consistiria em partir para novas paisagens, mas em ter outros olhos, em ver os cem universos que cada um deles vê, que cada um deles é; e eis o que podemos fazer com um Elstir, com um Vinteuil, com os seus semelhantes: voar na verdade de estrela em estrela. (p.251)

nastenka-d
 
sexta-feira, novembro 19, 2004
 
«Cada artista parece ser assim como que o cidadão de uma pátria desconhecida, por ele próprio esquecida, diferente daquele donde virá, rumo à terra, outro grande artista.» (p. 249)

leitora
 
 
“...eu era parecido com Elstir que, obrigado a ficar fechado no seu "atelier", em certos dias de Primavera,em que o facto de saber que os bosques estavam cheios de violetas lhe dava uma grande ânsia de as ver, mandava a porteira comprar-lhe um ramo; então, o que Elstir julgava ter diante dos seus olhos, como uma zona imaginária que o límpido aroma evocativo da flor punha dentro do seu atelier, não era a mesa onde poisara o pequeno modelo vegetal, mas todo o tapete sob as árvores onde em tempos vira, aos milhares, os caules serpentis, flectidos sob os bicos azuis.”
(p.132)

Relativamente a magnólias com flores como balões, eu sou parecida com Marcel, que era parecido com Elstir.

Troti
 
 
“A todo o momento é preciso escolher entre a saúde e a sensatez de um lado e os prazeres espirituais do outro. Sempre tive a cobardia de escolher o primeiro lado. De resto o perigoso poder a que renunciava era-o mais ainda do que se julga. As piedades, os sonhos não se dissipam sozinhos.”
(p.119)

E levam-nos com eles.

Troti
 
 
“...tal como os povos não são governados durante muito tempo por uma política de puro sentimento, os homens não o são pela memória dos seus sonhos.”
(p.119)

Troti
 
 
“Parece efectivamente, porém, que o sonho é feito às vezes com a matéria mais grosseira da vida, mas essa matéria é nele tratada, é de tal modo malaxada...que não a reconhecemos.”
(p.115)

Já tinham ouvido falar no verbo "malaxar"? Eu confesso que não.

Troti
 
  Voar na verdade de estrela em estrela
Se a arte, na verdade, não passava de um prolongamento da vida, valeria a pena sacrificar-lhe fosse o que fosse? (p.247)

Proust deve ter vivido com esta interrogação durante anos a fio; talvez não apenas nos anos em que se dedicou à vida mundana, talvez ela o tenha assaltado no seu quarto do Boulevard Haussmann... Tudo o que ele escreve sobre Vinteuil e sobre a sua pequena frase parece-me ser um espelho da Recherche; desde a revolução que o seu aparecimento consumara até à evocação de As Mil e Uma Noites; e sobretudo o regresso ao tema fundamental, basilar, que sustenta a criação do seu universo particular, e através do qual vive e se estende até nós, para além dos anos, da morte, do desaparecimento de todos os que o povoaram.

A impressão produzida por estas frases de Vinteuil era diferente de qualquer outra, como se, a despeito das conclusões que parecem deduzir-se da ciência, o individual existisse.
nastenka-d
 
quinta-feira, novembro 18, 2004
 
«De todas as criaturas que conhecemos possuímos um duplo.» (p. 245)

leitora
 
 
“...o amor, mesmo quando parece prestes a acabar, é parcial.”
(p.124)

Troti
 
  Problemática de Albertine IV
“Naturalmente, não lhe desejava mal nenhum. Mas que prazer se ela tivesse tido a boa ideia de ir com os seus cavalos para não sei onde, para onde gostasse de estar, e de não voltar mais para casa...Como teria simplificado tudo ela ter ido viver, feliz, para um lugar qualquer, nem sequer estava interessado em saber para onde...”Ah, bem sei que você não seria capaz de me sobreviver quarente e oito horas, que se mataria.” E assim trocámos palavras de fingimento. Mas uma verdade mais profunda que a que teríamos proferido se fôssemos sinceros pode às vezes ser expressa e anunciada por outra via que não a sinceridade.”
(p.114)

Troti
 
  Problemática de Albertine III
“Podia por a minha mão na sua mão, no seu ombro, na sua face, porque Albertine continuava a dormir. Podia pegar-lhe na cabeça, deitá-la para trás, encostá-la aos meus lábios, rodear o meu pescoço com os seus braços, e ela continuava a dormir, como um relógio que não pára, como um animal que continua a viver seja qual for a posição que lhe dêem, como uma planta trepadeira, como uma corriola que continua a estender os seus ramos seja qual for o sustentáculo que lhe forneçam. Só a sua respiração se modificava com cada um dos meus afagos, como se ela fosse um instrumento que eu tocasse a ao qual fazia executar modulações tirando das suas cordas, de uma após outra, notas diferentes. O meu ciúme aquietava-se, porque sentia Albertine transformada num ser que respira, que não é qualquer outra coisa...na sua ignorância de todo o mal...sentia Albertine a tudo subtraída, não apenas materialmente, mas moralmente...
...
E, no entanto
...
os seus silêncios eram apenas véus, as suas ternuras de superfície não faziam mais que reter no fundo mil e uma recordações que me teriam dilacerado...

(p.107/108)

Troti
 
 
“Ser duro e velhaco com aquilo que amamos é tão natural...Se o interesse que demonstramos pelos outros não nos impedir de sermos amáveis com eles e complacentes com os seus desejos, será porque tal interesse é ilusório. O outro é-nos indiferente, e a indiferença não convida à maldade.”
(p.104)

A indiferença não convida a nada. Prefiro o sobressalto.

Troti
 
 
“Perante quantas pessoas me caluniei eu a mim mesmo mentirosamente, apenas para que os meus “êxitos” lhes parecessem imorais e mais as irritassem...O que haveria a fazer era seguir o caminho inverso, era mostrar sem sobranceria que temos bons sentimentos, em lugar de os escondermos tanto. E tal seria fácil se soubéssemos não odiar nunca e amar sempre.. Porque, então, que felizes ficaríamos por dizermos apenas as coisas que podem tornar os outros felizes, que podem enternecê-los, que podem fazer com que nos amem!”(p.104)
Troti
 
  Como qualquer apaixonado
E, por comparação, não podia impedir-me de recordar que eu pensara nos outros mundos que Vinteuil teria criado como sendo universos fechados, do mesmo modo que cada um dos meus amores o fora; ora, na realidade, era obrigado a confessar a mim mesmo que, tal como as minhas primeiras veleidades de amar Albertine no seio deste último amor (...), assim, também, considerando agora, já não o meu amor por Albertine, mas toda a minha vida, os meus outros amores mais não tinham sido que débeis e tímidos ensaios de preparação, chamamentos que apelavam para este mais vasto amor... o amor por Albertine. (p.245)

Todos os apaixonados sentem o passado como uma preparação para o amor que no momento sentem... como se a sua força obliterasse ou, pelo menos, ultrapassasse, tudo o que sentiam antes.
nastenka-d
 
quarta-feira, novembro 17, 2004
 
«É o que está quase imediatamente acima de nós que nos dá a sensação de altura, e não o que nos é quase invisível, de tal modo isso se perde no céu.» (p. 224)

leitora
 
  Problemática de Albertine II
O tempo de Albertine não me pertencia então em quantidades tão grandes como hoje. Porém, parecia-me então mais meu, porque só levava em conta – o meu amor rejubilava com elas como uma graça - as horas que ela passava comigo; agora – com o meu ciúme a procurar nelas a possibilidade de uma traição – apenas as horas que passava sem mim.”
...
Era preciso escolher: deixar de sofrer ou deixar de amar. Porque assim como no começo é formado pelo desejo, o amor, mais tarde, apenas é alimentado pela ansiedade dolorosa.
...
O amor na ansiedade dolorosa, tal como o desejo feliz, é a exigência de um todo. Só nasce e só subsiste se resta uma parte a conquistar. “

(p.100)

Troti
 
  Problemática de Albertine I
E, no entanto, não tomava consciência de que há muito deveria ter deixado de ver Albertine, porque ela entrara para mim naquele período lamentável em que um ser disseminado no espaço e no tempo já não é para nós uma mulher, mas uma sequência de acontecimentos sobre os quais não podemos fazer luz, uma série de problemas insolúveis, um mar em que tentamos ridiculamente bater...”
(p.98)

Troti
 
  O problema
“Entre Albertine e eu existia muitas vezes o obstáculo de um silêncio certamente feito de ofensas que ela silenciava porque as considerava irreparáveis.”
(p.97)

O problema é que o silêncio é também irreparável.

Troti
 
  Se apenas tivéssemos membros, como as pernas e os braços, a vida seria suportável.
Não imaginam a impressão que esta frase me fez. É perturbante pelo desespero que transporta – mesmo vindo de Marcel, cujas dores parecem existir com o único propósito de se alimentarem a si mesmas.
Mas a frase – cada vocábulo indica que continuar a sentir é insuportável. Mesmo depois de ler Clarice para saber receber a dor como parte viva da vida, esta frase vem recordar como por vezes qualquer coisa parece parece preferível a continuar a sentir. Tanto que quase parece preferível amputar as emoções para suportar a vida.

nastenka-d
 
terça-feira, novembro 16, 2004
 
«Não há um universo, há milhões deles, quase tantos quantas as pupilas e as inteligências humanas, e despertam todas as manhãs.» (p. 183)

leitora
 
  Exílio
Com efeito, não há exílio no Pólo Sul, ou no cimo do Monte Branco, que tanto nos afaste dos outros como uma estada prolongada no seio de um vício interior, isto é, de um pensamento diferente do deles. (p.204)

Vícios, prazeres, dores, conhecimentos, hábitos, quotidianos – tudo o que não se partilha nos exila.
nastenka-d
 
 
“Um ódio assim só podia ter nascido num corpo esgotado.”
(p.93)

Fiquei a pensar nesta frase e na verdade que ela contém. São muitos os testemunhos ao longo da História, são muitas também, as histórias que nos mostram esta evidência.

Troti
 
 
"O que nos prende às pessoas são as suas mil e uma raízes, os seus inúmeros fios constituídos pelas recordações do serão da véspera, pelas esperanças da manhã do dia seguinte, é essa teia contínua de hábitos de que não podemos desprender-nos. Tal como há avarentos que amontoam por generosidade, nós somos uns pródigos que gastam por avareza, e não é tanto a uma pessoa que sacrificamos a nossa vida, mas a tudo o que ela terá amarrado em torno de si das nossas horas, dos nossos dias...”
(p.91)

Troti
 
 
“...haverá necessidade de saber um facto? Não conheceremos nós, primeiro, de um modo geral, a mentira e até a discrição dessas mulheres que têm algo a esconder? Haverá aqui possibilidade de erro? Fazem uma virtude do facto de se calarem, quando nós tanto gostaríamos de as fazer falar.”
(p.91)

Troti
 
  Saudades de Swann (Carpe Diem)
Não possuímos um sentido que nos permita ver, correndo a toda a velocidade em todas as direcções, as mortes, as mortes activas apontadas pelo destino em direcção a este ou àquele. (p.191)

...o senhor de Mouchy, ele próprio, uma tapeçaria de Boucher, Combray, perguntas certamente pouco prementes, visto que as fora adiando de dia para dia, mas que me pareciam capitais desde que, selados os seus lábios, já não teriam resposta. (p.193)

nastenka-d
 
  Notas pessoais...
Hoje deparei-me com momentos inolvidáveis (páginas 240 e seguintes), quando o "AUTOR", a partir do concerto do septeto que toca no salão dos "Verdurin" uma peça de "Vinteuil", nos leva ao mundo insondável e misterioso da música, relacionando-o com a dimensão humana. A reter: "Em busca do Tempo Perdido", páginas 240 a 256.
"E tal como certas pessoas são as últimas testemunhas de uma forma de vida que a natureza abandonou, perguntava a mim mesmo se a Música não seria o exemplo único do que poderia ter sido - se não tivesse havido a intervenção da linguagem, a formação das palavras, a análise das ideias - a comunicação das almas."
E ainda quando estende o seu pensamento, para além da música, a toda a criação, "de resto,este contraste aparente e esta união profunda entre o génio (e também o talento, e até a virtude) e o invólucro de vícios dentro do qual......"
ALBB
 
segunda-feira, novembro 15, 2004
 
"Além disso, se o ciúme nos ajuda a descobrir uma certa tendência para a mentira na mulher que amamos, centuplica essa tendência depois de a mulher descobrir que estamos com ciúmes. Ela mente...ou porque tem piedade, ou medo...
(p.84)
...
Muitas vezes o ciúme não passa de uma inquieta necessidade de tirania aplicada ás coisas do amor.
(p.85)
...
A maioria das vezes o amor só tem por objecto um corpo se uma emoção, o medo de o perder, a incerteza de o recuperar nele estiverem fundidos."
(p.86/87)
...
Como as coisas provavelmente mais insignificantes ganham de repente um valor extraordinário quando uma criatura que amamos...as esconde de nós!
...
E, de resto, como temos nós coragem de desejar viver, como podemos nós fazer um movimento para nos preservarmos da morte, num mundo onde o amor só é provocado pela mentira e consiste apenas na nossa necessidade de ver os nossos sofrimentos mitigados pela pessoa que nos fez sofrer?
(p.88)
...
a maior parte das vezes limitamo-nos a mudar de inquietação."

(p.89)

Troti
 
 
"...o amor é um mal incurável..."
(p.79)

Troti
 
  Memória
«A memória, em lugar de ser um duplicado sempre presente diante dos nossos olhos dos diversos factos da nossa vida, é antes um nada do qual por instantes nos é permitido retirar, ressuscitadas, recordações mortas; mas há ainda mil e um pequenos factos que não caíram nessa virtualidade da memória e que para nós permanecerão para sempre incontroláveis.» (p. 139)

leitora
 
  Arte e amor
O amor, ou, antes, o prazer cravado na carne, ajuda no trabalho literário porque aniquila os outros prazeres, como, por exemplo, os prazeres da sociedade, os que são comuns a toda a gente. E, mesmo que esse amor acarrete desilusões, ao menos agita, também desse modo, a superfície da alma, que, a não ser assim, correria o risco de estagnar. (p.175)

Os nossos escritores que o confirmem, por favor...

nastenka-d
 
  Arte
Ao abandonar na prática essa ambição, teria eu renunciado a algo de real? Poderia a vida consolar-me da arte, haveria na arte uma realidade mais profunda em que a nossa personalidade verdadeira encontra uma expressão que os actos da vida lhe não conferem? (p.152)

Por outro lado, fruto das minha reflexões enquanto esperara por ela, sentado ao piano, a ideia de que a Arte a que trataria de consagrar a minha liberdade reconquistada não era algo que valesse um sacrifício, algo de fora da vida, algo que não participasse da sua futilidade e do seu nada, já que a aparência de individualidade real obtida nas obras de arte se deve à ilusão da habilidade técnica. (p.190)

nastenka-d
 
domingo, novembro 14, 2004
  A vida e a morte-considerações de um ocioso
"...em dias irremediavelmente maus...nada como a permanência em casa...num dia claro, ficar na cama sem me mexer era deixar rodar as sombras à minha volta como à volta de um tronco de árvore...às primeiras badaladas do sino do convento ...adivinhava eu um daqueles dias tempertuosos, desordenados e agradáveis...dias enfim, aos quais podemos comparar aqueles em que na nossa vida se passa uma qualquer crise excepcional e da qual aquele que nunca fez nada julga ir retirar, se ela se resolver satisfatoriamente, hábitos laboriosos; é o caso, por exemplo, da manhã em que sai para um duelo...revela-se-lhe então de repente, no momento em que ela talvez lhe vá ser roubada, o preço de uma vida que poderia ter aproveitado para começar uma obra ou apenas aproveitar os prazeres, e de que não foi capaz de gozar nada.”Pudesse eu não ser morto”, pensa de si para si, “e havia de atirar-me ao trabalho nesse mesmo instante, e além disso havia também de me divertir.” Com efeito, a vida tomou de repente a seus olhos um valor maior porque põe na vida tudo o que ela parece poder dar, e não o pouco que habitualmente lhe faz dar. Vê-a em conformifdade com o seu desejo, e não tal como a sua experiência lhe ensinou que era capz de torná-la, isto é, tão medíocre. Ela encheu-se de repente das tarefas, das viagens, das caminhadas na monbtanha, de todas as belas coisas que, pensa ele, o funesto desfecho daquele duelo poderá tornar impossíveis, sem pensar que elas já o eram antes de se pôr o problema do duelo, devido a maus hábitos que mesmo sem duelo teriam continuado. Volta para casa sem ter sido ferido sequer. Mas reencontra os mesmos obstáculos aos prazeres, às excursões, às viagens, a tudo de que por momentos teve medo de ser despojado pela morte, que para isso basta-lhe a vida. Quanto ao trabalho, como as circunstãncias excepcionais têm como efeito exacerbar o que previamente existia em cada um, o trabalho no homem trabalhador e a preguiça no ocioso – tira férias."
(p.76/77)

Troti
 
 
"Ninguém trabalha quando desembarca num país novo a cujas condições tem de se adaptar. Ora, cada dia para mim era um país diferente. Como havia eu de reconhecer até a minha preguiça, sob as formas novas de que se revestia?
(p.76)

Gosto imenso desta ideia de cada dia ser um país diferente, não pela preguiça, mas pelo horizonte.

Troti
 
 
«Para uma pessoa ser amada não precisa de sinceridade, nem sequer de habilidade na mentira. Chamo aqui amor a uma tortura recíproca.» (p. 103)

Retirada do contexto esta frase é assustadora! Mas não o é muito menos entre as páginas de "A Prisioneira", longe disso...

leitora
 
  O sentido das frases
...encontrar a costureirinha na casa de passe é encontrá-la esvaziada daquela vida desconhecida que a penetra e que aspiramos possuir juntamente com ela, é abeirar-nos de uns olhos transformados de facto em simples pedras preciosas, de um nariz cuja linha vincada é tão destítuida de significado como a de uma flor.

Muitas destas frases com que Proust nos brinda parecem-me completamente desprovidas de sentido; talvez seja eu que não as consiga assimilar. (Um pouco como aquela famosa frase sobre a relação entre a forma do nariz a personalidade da pessoa que o ostenta.) Por outro lado, sei que este livro não foi revisto; por isso existem incoerências, repetições...
O que sinto é que fico a meio do caminho em algumas frases; que elas me atraem, mas que me escapam.
nastenka-d
 
sábado, novembro 13, 2004
 
"...sob toda a doçura carnal de alguma profundidade reside a permanência de um perigo."(
p.76)

Troti
 
 
“...a serenidade intermitente é necessária para tornar o sofrimento suportável e evitar as rupturas...”
(p.75)

Troti
 
 
“Antes de Albertine me ter obedecido e de tirar os sapatos, eu entreabria-lhe a camisa. Os seus dois pequenos seios empinados eram tão redondos que pareciam não tanto fazer parte integrante do seu corpo como terem ali amadurecido como dois frutos...Albertine entrelaçava os braços por trás do cabelo negro, com a anca sobressaindo, a perna descendo numa inflexão de pescoço de cisne que se estende e se encurva para voltar a si mesmo...Às vezes acabava por adormecer ao lado dela...Momentos doces, alegres, aparentemente inocentes e nos quais contudo se adensa a possibilidade de desastre: eis o que torna a vida amorosa a mais contrastada de todas, aquela em que a imprevisível chuva de enxofre e pez cai depois dos mais ridentes momentos e em que seguidamente, sem termos a coragem de aproveitar a lição do infortúnio, logo voltamos a construir nos flancos daquela cratera donde só a catástrofe poderá sair. Eu tinha o descuido daqueles que julgam que a sua felicidade é duradoura.”
(p.74)

Troti
 
 
“...falava agora a Albertine, ora como o menino que em Combray falava com a minha mãe, ora como a minha avó falava comigo. Depois de ultrapassarmos uma certa idade, a alma da criança que fomos e a alma dos mortos donde viemos vêm lançar-nos às mãos-cheias as suas riquezas e os seus maus-olhados, exigindo cooperar com os novos sentimentos que sentimos e nos quais, apagando a sua antiga efígie, as refundimos numa criação original. Assim, todo o meu passado desde os meus anos mais remotos, e para além deles o passado dos meus parentes, introduziam no meu amor impuro por Albertine a doçura de uma ternura ao mesmo tempo filial e maternal.”
(p.73)

Troti
 
 
“... acima das considerações de pessoa, estava cumprindo os deveres de uma devoção ardente e dolorosa dedicada como oferenda á juventude e à beleza da mulher. E, contudo, a esse desejo que venerava a juventude com um ex-voto, e também às recordações de Balbec, juntava-se, na necessidade que sentia de conservar assim Albertine ao pé de mim, algo que até então fora alheio à
minha vida, pelo menos à amorosa, se é que não era inteiramente novo na minha vida. Era um poder de pacificação tal como nunca experimentara outro desde as noites distantes de Combray em que a minha mãe, inclinada sobre a minha cama, me vinha trazer o repouso num beijo. É claro que teria ficado muito admirado nesse tempo se me tivessem dito que não era completamente bom e, sobretudo, que um dia haveria de procurar privar alguém de um prazer. Bem mal me conhecia então certamente, porque o meu prazer de ter Albertine a morar em minha casa era muito menos um prazer positivo que o de ter retirado do mundo, em que todos por sua vez poderiam fruir dela, a rapariga em flor que, se não me dava grande alegria, ao menos dela privava os outros....amar carnalmente era apesar de tudo gozar um triunfo sobre tantos concorrentes. Nunca será demais dizê-lo, era acima de tudo uma pacificação.”
(p.71)


Troti
 
  A Bela Adormecida
«Enquanto (o sono) persistia, podia sonhar com ela e, no entanto, olhá-la, e quando aquele sono se tornava mais profundo, tocar-lhe, beijá-la. O que eu sentia então era um amor tão puro, tão imaterial, tão misterioso como se estivesse diante daquelas criaturas inanimadas que são as belezas da natureza.» (p. 65)

Albertine é perfeita. Quando está a dormir, e toda a sua atitude e acção estão apenas na cabeça e imaginação de Marcel. Pobre criatura.

leitora
 
  O desejo
Quem quiser alimentar dentro de si o desejo de continuar a viver e a crença em algo mais delicioso que as coisas habituais, deve passear; porque as ruas, as avenidas, estão cheias de deusas. (p.163)

Achamos que desejar é inocente, e que é atroz que o outro deseje. E este contraste entre o que nos diz respeito a nós e o que se refere àquela que amamos não tem a ver apenas com o desejo, mas também com a mentira. (p.163)

nastenka-d
 
  Notas pessoais...
Continua o feitiço da leitura do "Em busca do Tempo Perdido". No "curso dos meus devaneios", que começam na pag.151 e terminam na pag.155, o personagem, ao executar a sonata de Vinteuil (compositor por si criado, suponho), um compasso sugere-lhe Wagner. A partir daí espraia-se sobre como vê a "obra de arte", a sua estrutura, a sua valia, invocando, para além do compositor, o grande Balzac (suponho na sua obra máxima "La Comedie Humaine"); e no parágrafo que começa "Unidade ulterior.... e que vem integrar-se no resto", dá-nos a chave para compreendermos, para além da estrutura, a razão do fascínio da sua escrita!!!

ALBB
 
sexta-feira, novembro 12, 2004
  Vidas irreais?
«Explorando uma parcela da grande zona que se estendia à minha volta, eu não conseguia mais que fazer recuar aquele incognoscível que é para nós, quando procuramos efectivamente imaginá-la, a vida real de outra pessoa.» (p. 57)

Nunca poderemos imaginar vidas reais, nem mesmo as nossas.

leitora
 
 
“...quando um amor nasceu de uma hora angustiada relativa a uma pessoa, da incerteza sobre se poderemos retê-la ou se nos escapará, esse amor traz a marca dessa revolução que o criou e bem pouco tem a ver com o que até então tínhamos visto quando pensávamos nessa mesma pessoa.”
(p.70)

Troti
 
 
As nossas relações eram de uma simplicidade que as tornava repousantes.”
(p.62)
...
“De resto não era apenas o mar ao fim do dia que para mim vivia em Albertine, mas às vezes o mar adormecido sobre a praia nas noites de luar.
...
o sono dela realizava em certa medida a possibilidade do amor; a sós, podia pensar nela, mas ela faltava-me, não a possuía. Presente, falava com ela, mas estava demasiado ausente de mim próprio para poder pensar...Tendo-a sob o meu olhar, nas minhas mãos, eu tinha aquela impressão de a possuir por inteiro que não tinha quando estava acordada. A sua vida estava-me sujeita, exalava na minha direcção o seu leve hálito....O que eu sentia então era um amor tão puro, tão imaterial, tão misterioso como se estivesse diante daquelas criaturas inanimadas que são as belezas da natureza...O sono dela punha ao meu lado algo tão calmante, tão sensualmente delicioso como aquelas noites de lua cheia, na baía de Balbec....
...
Ao entrar no quarto ...não ouvia senão o seu hálito que vinha expirar-lhe nos lábios...E, ao recolher no meu ouvido aquele ruído divino, parecia-me ser, nele condensada, toda a pessoa, toda a vida da encantadora cativa, ali estendida diante dos meus olhos.
(p.64/65)
...
Eu que conhecia várias Albertines numa só julgava ver muitas outras ainda a descansar ao pé de mim....Repousavam-lhe no rosto raças, atavismos, vícios. De cada vez que deslocava a cabeça criava uma mulher nova, muitas vezes por mim insuspeitada. Parecia-me possuir, não uma, mas inúmeras raparigas.
(p.66/67)
...
Eu saboreava o seu sono com um amor desinteressado e pacífico, tal como ficava horas a ouvir a rebentação das ondas. Só se as pessoas forem capazes de nos fazer sofrer muito poderão talvez, nas horas de remissão, provocar em nós a mesma calma pacificadora que a natureza nos dá.
(p.68)


Troti
 
 
“Lembrava-me de que tinha conhecido uma primeira Albertine, que depois de repente se transformara noutra, a actual. E só a mim mesmo podia responsabilizar por tal mudança. Tudo o que ela me teria confessado facilmente, e depois de boa vontade, quando éramos bons camaradas, deixara de se manifestar logo que passara a acreditar que eu a amava, ou, talvez sem pronunciar a palavra “amor”, logo que adivinhara um sentimento inquisitório que quer saber, que, porém, sofre por saber e que procura vir a saber mais. A partir desse dia passara a esconder-me tudo...Eu, como um juiz, ficaria reduzido para sempre a tirar conclusões inseguras de imprudências de linguagem que porventura eram explicáveis sem recurso à culpabilidade. E ela havia de me sentir sempre enciumado e juiz. O nosso noivado assumia o aspecto de um processo judicial...
...
Quando ela ainda não suspeitava de que eu tinha ciúmes é que lhe deveria ter perguntado o que queria saber.”
(p.52/53)

“Amor...temo-lo por uma pessoa de quem sentimos ciúmes sobretudo pelos seus actos; sentimos que, se ela no-los contasse todos, talvez nos curássemos facilmente de a amar. Bem pode o ciúme ser habilmente dissimulado por aquele que o sente, porque é bem depressa descoberto por aquela que o inspira e que por seu lado se vale da habilidade.
...
o único remédio que não aceitamos seria ignorar tudo para não termos o desejo de saber mais.”
(p.57)


Proust mostra-nos a evolução da sua relação com Albertine ao mesmo tempo que nos revela a saga humana dos meandros da alma.

Troti
 
  A arte não imita a vida
É que, sempre que queremos imitar alguma coisa verdadeiramente real, esquecemo-nos de que essa alguma coisa foi produzida, não pela vontade de imitar, mas por uma força inconsciente, e também ela real. (p.159)

Talvez seja esta a diferença entre uma boa e uma má representação: uma imita, outra é. E se digo representação, não é só de teatro que falo, mas de pintura, escultura, dança; ainda que as formas mais voláteis se aproximem tantas vezes mais da vida. E dos livros com vida dentro.

nastenka-d
 
  Notas pessoais...
Continuo a ler o 5º volume do "Em busca do Tempo Perdido". Já estava a ficar desinteressado com aquela estranha relação com a "Albertine",quando voltei a encontrar o Proust... vamos lá continuar!
"Uma andorinha não faz a Primavera" (pag.44). Já agora, as idas de Charlus e Morel a casa de Jupien recuperaram aquilo que escrevi, depois de ter lido o princípio do volume 4, que considerei como o melhor ensaio que li sobre a homosexualidade!
(Claro que não tinha lido muito!)

ALBB
 
quinta-feira, novembro 11, 2004
 
"...é preciso tirar poesia da verdade ao nosso lado."
(p.42)

Troti
 
 
"...a constância de um hábito está normalmente relacionada com o seu absurdo. Os actos brilhantes em geral só se praticam aos sacões".
(p.39)

Troti
 
 
"...esquecemos depressa o que não pensámos em profundidade, o que nos foi ditado pela imitação, pelas paixões que nos rodeiam. Elas mudam, e com elas modifica-se a nossa memória."
(p.34)

Troti
 
 
A imaginação material em Proust
(publicado em 02/03/2003)

Como Bachelard, o narrador pode compreender que "o fio de Ariadne é o fio do discurso; é da ordem do sonho narrado"

RAQUEL DE ALMEIDA PRADO
especial para a Folha
Ambivalência sedutora

Finalmente Marcel parece reencontrar em Albertine e suas novas amigas as "virgens impiedosas e sensuais..." que o seduziram na primeira temporada de Balbec, mas cujo mistério agora tanto atrai quanto assusta. A ambivalência sedutora das raparigas em flor torna-se agora, em Albertine, perigosamente ameaçadora e é preciso aprisioná-la (ele a leva para casa em Paris e passa a controlá-la), para ter certeza de que "ela não fará nada que ele não faça" --ou que ele não fará nada que ela faça, diria o amador de psicanálise. As águas puras e floridas de sua infância em Balbec parecem ter se contaminado. As flores agora são hermafroditas, e as medusas, antes repugnantes, "não são, no veludo transparente de suas pétalas, como que as malvas orquídeas do mar?". O tempo das águas primaveris passou e o narrador começa a descobrir que "no fundo da matéria cresce uma vegetação escura; na noite da matéria florescem flores negras. Elas já têm o seu veludo e a fórmula de seu perfume", como diz Bachelard.

A presença de Albertine agora só pode lhe trazer paz quando ela não pode se refletir em seus olhos --quando ela dorme, por exemplo, e ele embarca no seu sono "sentindo que seu sono estava no seu auge e não se chocaria nos recifes da consciência agora recobertos pela maré cheia do sono profundo...". Mas, curiosamente, só quando suas suspeitas recrudescem é que ele deseja retê-la, quando ela parece sob controle, perde o interesse. Essa relação narcísica que o narrador mantém com Albertine contém sem dúvida a ambivalência profunda de que fala Bachelard, "que passou dos traços masoquistas para os traços sádicos". Se ela é a Prisioneira, ele também se reconhece prisioneiro dela. Tão prisioneiro que não pode realizar o seu antigo sonho de ir a Veneza.

No entanto Veneza sempre atraiu Albertine, e, numa das tentativas de prendê-la através de presentes, Marcel lhe dá um dos famosos vestidos Fortuny, que reproduz os antigos brocados venezianos. Seus reflexos de azul e ouro fazem-no sentir o peso de sua escravidão, enquanto que Albertine, cujas vestes "o vento do mar não mais inflava", era também uma "escrava incômoda", da qual gostaria de se livrar. Albertine, com seu vestido Fortuny de ornamentos árabes, com pássaros orientais que significam alternativamente a morte e a vida, seus reflexos da água pesada de Veneza, ou com "a cabeleira escorrendo ao longo de seu rosto rosa... [que] causava o mesmo efeito de perspectiva que aquelas árvores lunares esguias e pálidas que se avistam bem eretas no fundo dos quadros rafaelescos de Elstir..."

http://www2.folha.uol.com.br/biblioteca/1/25/2003030201.html

Troti
 
 
"As toilettes de hoje não possuem tanto carácter, com excepção dos robes de Fortuny."
(p.29)




Evening Gown "DELPHOS"

Mariano Fortuny (1871-1949), Venice About 1930. Atlas Silk, Murano Beads, Silk Cord, Length 145 cm , Inv. Nr. 1986.40 St.358

The Spanish artist, Mariano Fortuny, who lived in Venice, gained a reputation as a jack of all trades. Besides being famous for his fantastic robes, he painted, designed theatre costumes, made the stage sets for entire operas, reformed stage techniques, and developed a new lighting system (Fortuny GmbH AEG Berlin). In 1907 he turned his attention to fabric printing. In 1919 he opened a fashion house in Paris. Among other things he revived the forms of ladies' gowns from Antiquity. What stands out in his "Delphos" dress is the very lightweight, pleated silk-satin material, which Fortuny patented in 1909 in Paris. He had already designed this type of dress in 1905, causing a sensation. Production continued until 1952. The dress resembles a straight skirt (4 pleated panels of fabric) combined with a tapering tunic with a silk cord at the rounded neckline. Beaded decor on the shoulder serves as fastener, and there are beads at the ends of cords at the sides of the neckline and along the seams. Fortuny's avant-garde style was internationally acclaimed and admired even outside the world of fashion.
At that time his garments were already celebrated as outstanding masterpieces of textile design and even today are still the highlights of any fashion collection.
http://www.mkg-hamburg.de/english/Inhalt/samml/tex2.htm



Mariano Fortuny y Madrazo (1871-1949)
Robe manteau
Velours de coton et soie violet imprimé or, mousseline de soie plissée. Tissu Fortuny, griffe Fortuny, provenance Gramont
Paris, musée de la Mode et du Costume, 1964/20-116 ; n°4568

On sait aujourd'hui que Mariano Fortuny, qui avait ouvert sa maison à Venise en 1907, s'inspirait pour dessiner ses motifs de tissus anciens, collectionnés par son père, et de sa propre collection de tissus orientaux, africains, voire Liberty, mêlant les sources dans un véritable travail de laboratoire. Proust, qui croyait que Fortuny dessinait d'après Carpaccio, chercha à se renseigner sur le couturier auprès de son amie Maria de Madrazo, sœur de Reynaldo Hahn et tante de Fortuny. Il s'écrivirent à ce sujet en février-mars 1916, bien après les voyages vénitiens de Proust, en 1900. Barbani vendait à Paris, boulevard Haussmann, les modèles de Fortuny qui firent fureur auprès des élégantes parisiennes au début du siècle. Ces deux robes de soie de Fortuny, datées de 1910-1912, proviennent de la garde-robe de la duchesse de Gramont, Elaine Greffulhe, fille d'élisabeth de Caraman-Chimay, la comtesse Greffulhe que connaissait Proust. Elles évoquent la robe offerte à Albertine par le narrateur, après consultation de la duchesse de Guermantes qui, infaillible experte en matière de toilette féminine, en avait lancé la mode à Paris. "La robe de Fortuny que portait ce soir-là Albertine me semblait comme l'ombre tentatrice de cette invisible Venise. Elle était envahie d'ornementation arabe comme Venise, comme les palais de Venise dissimulés à la façon des sultanes derrière un voile ajouré de pierre, comme les reliures de la bibliothèque Ambrosienne, comme les colonnes desquelles les oiseaux orientaux qui signifient alternativement la mort et la vie, se répétaient dans le miroitement de l'étoffe, d'un bleu profond qui au fur et à mesure que mon regard y avançait se changeait en or malléable, par ces mêmes transmutations qui, devant la gondole qui s'avance, changent en métal flamboyant l'azur du Grand Canal. Et les manches étaient doublées d'un rose cerise qui est si particulièrement vénitien qu'on l'appelle rose Tiepolo." (RTP III, p.895-896). Albertine, oiseau sur le point de mourir et qui ressuscitera dans l'âme du narrateur à Venise, porte cette robe à la fois comme un emblème de l'art vénitien et comme son propre symbole d'objet désiré et à jamais inaccessible.
http://expositions.bnf.fr/proust/grand/116bis.htm


Museu Fortuny em Veneza:
Palazzo Fortuny
Il museo ha sede nell' antico palazzo gotico appartenuto alla famiglia Pesaro ed acquistato da Mariano Fortuny per farne il proprio atelier di fotografia, scenografia e scenotecnica, creazione di tessili, pittura: di tutte queste funzioni l'immobile ha conservato ambienti e strutture, tappezzerie, collezioni. Il Museo Fortuny, donato al Comune da Henriette, vedova di Mariano, nel 1956, è destinato, secondo una tradizione consolidatasi nel corso degli ultimi due decenni, ad occuparsi di tutte le discipline facenti capo alla comunicazione visiva, raccogliendo in ciò, idealmente, l'eredità culturale dello sperimentalismo e delle curiosità innovative proprie del personaggio al nome del quale la struttura è legata.

Le collezioni del Museo sono costituite da un ricco fondo di opere e materiali che ben rappresentano i diversi esiti della ricerca dell'artista, ordinati per grandi argomenti di particolare rilievo: la pittura, la luce, la fotografia, il tessile e i grandi abiti.

La pittura
La collezione comprende circa 150 dipinti di Mariano Fortuny



La Luce
Motivo dominante e vero cuore della ricerca di Fortuny è la luce. Le collezioni comprendono molti esemplari originali di corpi illuminanti, tra cui si collocano gli straordinari lampadari e le lampade, in tessuto stampato e dipinto.



La Fotografia
La Collezione copre un arco di tempo che va dal 1850 sino alla seconda guerra mondiale e si presenta come un ricco palinsesto di stili, tecniche e suggestioni storiche.



Il Tessile
La collezione del Museo Fortuny di abiti, tessuti, matrici e prove di stampa, teli, drappi ornamentali, costituiscono un ricco campionario che ben identifica questa straordinaria produzione tessile e di moda




Troti
 
 
Mas em mim esta renovação do meu sofrimento não atribuia mais consistência à imagem de Albertine. Ela era a causa dos meus males como uma divindade que permanece invisível. Fazendo mil e uma conjecturas, procurava evitar o meu sofrimento sem para isso realizar o meu amor. (p.144)

nastenka-d
 
  Os ruídos de fora
A agitação matinal debaixo da janela de Marcel faz-nos tomar o pulso de uma cidade viva, diversa, animada: pregões, vendedeiras, conversas na rua. Agora tudo isto passou a estar confinado a espaços restritos onde só vamos de quando em quando – o espaço público passou de lugar de encontro a corredor de passagem.
nastenka-d
 
 
«A posse do que se ama é uma alegria, maior ainda que o amor.» (p. 46)


Aqui está uma afirmação com que discordo totalmente. Este lado assustador de "A Prisioneira", o amor-desamor de Marcel, e da própria Albertine (para não falar em Charlus e no seu protegido, no protegido e na sua namorada, ...) em que o poder sobre o outro, o domínio e a subjugação são o elemento maior da ligação entre amantes.

leitora
 
quarta-feira, novembro 10, 2004
  Espelho meu
Detestamos habitualmente o que é semelhante a nós, e os nossos defeitos, vistos de fora, exasperam-nos. (p.102)

Deve ser por este efeito de espelho (que nos recusamos a aceitar) que aqueles que mais sofrem às nossas mãos são exactamente aqueles que são mais parecidos connosco. Se ao menos conseguíssemos manter-nos conscientes disto...

nastenka-d
 
 
“As coisas de que a maioria das vezes falamos a brincar são em geral, pelo contrário, as que nos incomodam, mas com as quais não queremos parecer incomodados, porventura com a esperança inconfessada daquela vantagem suplementar de que a pessoa com quem conversamos, ao ouvir-nos gracejar a propósito daquilo, acredite justamente que não é verdade.”(p.27)

Troti
 
terça-feira, novembro 09, 2004
  Amor
«O amor talvez não passe da propagação daqueles remoinhos que agitam a alma depois de uma emoção.» (p. 16)

E antes, e durante... Certo, Marcel, aceito: o melhor do amor poderá ser o redemoinho.


leitora


 
  O amor (variações sobre um tema recorrente)
Assim, quando um amor nasceu de uma hora angustiada relativa a uma pessoa, da incerteza sobre se poderemos retê-la ou se nos escapará, esse amor traz a marca dessa revolução que o criou e bem pouco tem a ver com o que até então tínhamos visto quando pensávamos nessa mesma pessoa. (p.70)

E todavia, em mim, amar carnalmente era apesar de tudo gozar um triunfo sobre tantos concorrentes. (p.71)

Estávamos resignados ao sofrimento, julgando amar fora de nós e percebemos que o nosso amor é função da nossa tristeza, que o nosso amor é talvez a nossa tristeza e que o seu objecto só em pequena parte é a rapariga de cabelo negro. (p.86)

A essas criaturas, a essas criaturas em fuga, a sua natureza e a nossa inquietação dã-les asas. (p.87)

O que seria incompreensível se não soubéssemos, pela experiência que todo o homem tem de ter deixado de amar, ao menos uma vez na vida, de ter esquecido uma mulher, quão pouco é em si mesma uma criatura quando já não é, ou não é ainda, permeável às nossas emoções. (p.87)

O que nos prende à pessoas são as suas mil e uma raízes, os seus inúmeros fios constituídos pelas recordações do serão da véspera, pelas esperanças da manhã do dia seguinte, é essa teia contínua de hábitos de que não podemos desprender-nos. (p.91)

E, de resto, como temos nós coragem de desejar viver, como poderemos nós fazer um movimento para nos preservarmos da morte, um mundo onde o amor só é provocado pela mentira e consiste apenas na nossa necessidade de ver os nossos sofrimentos mitigados pela pessoa que nos fez sofrer? (p.88)

nastenka-d
 
 
CRIATURAS EM FUGA, MESMO ENTRE AS NOSSAS MÃOS
Sábado, 18 de Setembro de 2004

%Maria da Conceição caleiro

No início de Novembro de 1922, Marcel Proust escrevia ainda a Gaston Gallimard: "Penso que neste momento o mais urgente seria entregar-lhe todos os livros. A espécie de obstinação que pus em 'A Prisioneira' (pronto mas a reler)... afastou de mim os tomos seguintes." A revisão de provas dos volumes póstumos seria feita por Jacques Rivière e Robert Proust, o irmão.

Inicialmente, o autor tinha como horizonte dois pilares: o "Tempo Perdido" e o "Tempo Reencontrado". Mas entre eles foi-se arquitectando um texto que poderia, por natureza, não ter fim. Segundo o próprio autor, uma catedral, erguida pedra a pedra, frase a frase, "paperole" a "paperole", em incessante expansão, caótica, mas não desgovernadamente. Sempre "sublinhando a solidariedade das mínimas partes" (carta a Mauriac, 1919); notando "entre duas sensações, uma parte comum"; vendo em simultâneo as coisas mais diversas, por isso a metáfora para o autor não era um acréscimo retórico - um traço abstracto dado "a posteriori" -, mas um modo imediato da percepção: "a unidade descoberta entre fragmentos (...), a unidade que se ignorava, e portanto vital e não lógica." Ordenando todo um sistema de ecos em torno de figuras e de meios que o narrador cruza e para ele convergem; distendendo os meandros interiores da alma humana e da fractalidade e mutação do mundo no tempo e no espaço. Por isso, mais do que as peripécias, de "Em busca..." emana toda a literatura. É modo de ver clínico e caleidoscópico que torna sensível a sua própria construção e linguagem. Por isso em Proust a frase se alonga e demora, se retém acumulando energia até ao seu desfecho, até à sua detonação, ou se ramifica em polaridades. "O período proustiano, equivalente linguístico do olhar, restitui um quadro claro e ordenado do caos, que se oferece aos olhos" (Spitzer, "Études de Style").

"A Prisioneira" é uma etapa crucial para a compreensão da narrativa de "Em Busca do Tempo Perdido". Nas suas últimas páginas, Proust leva o narrador a comentar com Albertine traços de vários escritores que são, de certo modo, a chave que o autor antecipa e lega para a leitura da sua própria obra.

Também em "A Prisioneira" nos é dada a morte de Bergotte numa exposição perante um quadro de Vermeer: "Vista de Delft" (o pintor preferido de Swann, arquétipo do narrador, e de que Proust possuía no quarto uma reprodução): "'Era assim que eu devia ter escrito (...). Devia ter aplicado diversas camadas de tinta, devia ter feito com que a minha frase fosse preciosa em si mesma, como este pequenino fragmento de parede amarela.'"

Albertine era, na primeira estada do narrador em Balbec, uma das raparigas em flor. Tendo atravessado os outros volumes, é em "A Prisioneira" que a personagem se individua após um intempestivo retorno a Paris com o narrador que a quis retirar da proximidade de raparigas de "má reputação", isto é, filhas de Gomorra, ainda no fim de "Sodoma e Gomorra".

Alfred Agostinelli

Sabe-se o quanto Albertine deve a Agostinelli e à sua irrupção na vida de Proust e na economia da obra. Proust conhecera-o em 1907 como motorista monegasco em Cabourg que o acompanha em diversos passeios de automóvel. Em 1913, Proust instala-o em casa, como secretário, com a companheira. Adverte alguns amigos: "Evitem falar do meu secretário (ex-mecânico). As pessoas são tão estúpidas que poderiam ver nisso algo de pederasta." ("Correspondence", T. XII) Agostinelli gosta de mecânica e de aviação. Por ciúme e chantagem afectiva, Proust inunda-o de dinheiro e de prendas, chega a oferecer-lhe um curso de pilotagem. Celeste Albaret, a fiel, governanta, descreve-o como "um rapaz instável que tinha ambições de sair do seu estatuto". Já depois da sua inesperada partida para o Mónaco, de Proust ter enviado um amigo à sua procura, na véspera da sua morte, a 30 de Maio de 1914, afogado devido à queda do avião, Proust escreve-lhe anunciando a possível compra de um aeroplano onde gravaria versos de Mallarmé que "[Agostinelli] conhece (...): "É a poesia de que gosta, mesmo achando-a obscura." ("Correspondance", id.) Depois da morte de Agostinelli, Proust escreveria a R. Hahn: "Gostava verdadeiramente de Alfred. Não basta dizer que gostava dele, adorava-o." ("Correspondance", T. XIV).

Muito deste universo se reconhece em "A Prisioneira" e "A Fugitiva".

Albertine, a vigiada e cativa

"Quando penso agora que a minha amiga, quando regressámos de Balbec, veio morar em Paris sob o mesmo tecto que eu, que renunciara à ideia de ir fazer um cruzeiro, que tinha o seu quarto a vinte passos do meu, na ponta do corredor, no gabinete do meu pai forrado a tapeçarias, e que todas as noites, muito tarde, antes de me deixar, introduzia a língua na minha boca, como um pão quotidiano, como um alimento nutritivo e com o carácter quase sagrado de toda a carne a que os sofrimentos que por causa dela sofremos acabaram por conferir uma espécie de doçura moral - aquilo de que imediatamente me lembro por comparação não é a noite que o capitão Borodino me autorizou a passar no quartel, graças a um favor que no fim de contas apenas debelava um efémero mal-estar, mas aquela outra em que o meu pai disse à minha mãe que fosse dormir na cama pequena ao lado da minha." Este é um excerto das primeiras páginas de "A Prisioneira", emblema de um processo de reenvios, volume onde não se passa nada, sendo todavia capital, emblema maior das vacilações do narrador entre o consagrar-se à obra, à viagem a Veneza desejada desde as gravuras de infância, cidade trazida metonimicamente aqui através das cores e motivos contemporâneos de Carpaccio e Ticiano, nos tecidos de Fortuny - que o narrador vira em Oriane de Guermantes - e com que vestia a mulher cativa; vacilação entre tudo isso, Veneza e a entrega plena à criação, e o dedicar-se a Albertine de quem sabia, aliás, desde o fim de "Sodoma e Gomorra", já não gostar (repetindo Odette e Swann). São ainda as intermitências do coração.

Em Proust, o amor nasce e renasce sempre do ciúme e não o inverso. Esvai-se, quando este está suspenso, nos momentos de docilidade de Albertine, da sua aceitação do cativeiro, renova-se aquando da intuição de qualquer sinal suspeito, de um pressentimento, de uma impaciência, de um olhar furtivo, de um rubor na face, sobretudo de uma mentira, signo por excelência do amor. Aquele que ama é aquele que não cessa de interpretar a mentira. Por isso, transporta consigo o seu próprio fim. Todo um sofrimento insaciável que não termina sequer com a morte de Albertine - "Era preciso escolher entre deixar de sofrer ou deixar de amar. Porque assim como no começo é formado pelo desejo, o amor mais tarde apenas é alimentado pela ansiedade dolorosa. Eu sentia que uma parte da vida de Albertine me escapava. O amor na ansiedade dolorosa, tal como o desejo feliz, é a exigência de um todo. Só nasce e só subsiste se resta uma parte a conquistar. Só se ama o que não se possui por completo." O ciúme só redobra o amor e não o seu invés. "Pretender a todo o custo saber o que Albertine pensava, quem via, quem amava - que estranho era eu sacrificar tudo a essa necessidade, visto que sentira a mesma necessidade de saber de Gilberte, nomes próprios, factos que me eram agora indiferentes." "[A] suspeita tornava ainda mais necessário que fizesse durar a nossa vida em comum até uma altura em que eu já tivesse recuperado a minha tranquilidade."

O narrador persegue o segredo de Albertine, esse algo de inacessível e oculto e que assim mesmo permanecerá: a sexualidade entre mulheres, a natureza de Gomorra, a mais profunda e original realidade feminina. A verdade que nela se dissimula, a não ser quando o narrador olha Albertine durante o sono: "[Quando] apenas a animava a vida inconsciente dos vegetais, das árvores (...) uma vida mais alheia, e que, contudo, me pertencia mais." "[Mesmo assim] eu tentava adivinhar o que estava escondido dentro dela." Sabemos que para o autor os amores heterossexuais são menos profundos e verdadeiros que a homossexualidade velada.

O narrador conta o que vê ou o que outros lhe contam ter visto ou saber, os que encontra por acaso ou aqueles a quem pede para vigiar Albertine, como Andrée (mas dirá ela a verdade?). Nunca se sabe ao certo - "aquele amor entre mulheres era algo de por de mais desconhecido, cujos prazeres e qualidade nada permite imaginar com segurança, com precisão".

http://jornal.publico.pt/2004/09/18/MilFolhas/TLFIC01.html

Troti
 
  Notas pessoais...
O princípio da página 9 deste volume do Proust deu-me a alegria de recuperar o que registara na altura da leitura do 1º volume (páginas 189 a 193), quando o personagem, desalentado por não se ver como futuro autor de sucesso, descreve, primeiro como observador, os campanários de Martinville e, em seguida, escreve o que viu já como grande escritor, se bem que ainda não tenha consciência de tal. Trecho lapidar,onde está presente a grandeza literária do Proust.
ALBB
 
segunda-feira, novembro 08, 2004
 
«Proust, separado do mundo exterior pela doença, reencontrou-o dentro de si. A partir de então bastava-lhe obersvá-lo a seu bel-prazer na câmara escura da sua memória e descrevê-lo. Se lhe faltava um pormenor, aventurava-se a sair à rua, contemplando, por exemplo, a Primavera através dos vidros hermeticamente fechados de uma carruagem; ou, mais frequentemente, interrogava um ou outro dos seus amigos, consoante a especialidade deles (...). Mas, quase sempre, armazenara tudo dentro de si, no decurso dos seus anos de aparente desocupação.»

Proust
Claude Mauriac

leitora
 
  O son(h)o
Quando ela estava a dormir, já não tinha que falar, sabia que já não estava a ser olhado por ela, que já não precisava de viver à superfície de mim mesmo. (p.65)

Já sabiamos, já o dissemos tantas vezes: Marcel fantasia aqueles com quem se relaciona, mais do que os conhece (ou quer conhecer). Nesta página, repetindo-se mais à frente, há mais uma variação sobre o tema. Agora é o próprio objecto das atenções de Marcel que se torna, pela sua falat de docilidade, um obstáculo a esta apropriação que dele quer Marcel fazer. Mas o sono torna Albertine definitivamente um objecto, moldando-se à vontade de manipulação de Marcel. A manipulação preenche a fantasia.
nastenka-d
 
 
“Apetecia-me partir para Veneza logo após a minha cura, mas como fazê-lo se casasse com Albertine, eu que tinha tantos ciúmes dela que até em Paris, mal me decidia a mudar de lugar, era para sair com ela? Mesmo quando ficava em casa toda a tarde, o meu pensamento acompanhava-a no seu passeio, descrevia um horizonte longínquo, azulado, gerava em redor do centro que eu era uma zona móvel de incerteza e de indefinição....O meu coração, logo que a ferida cicatrizava, começava a deixar de aderir ao da minha amiga, podia em imaginação deslocá-la, afastá-la de mim sem sofrimento. Era evidente que , a não ser eu, qualquer outro seria seu marido...Mas estava um dia tão bonito, eu tinha tanto a certeza que ela regressaria ao fim da tarde, que, mesmo quando essa ideia de possíveis faltas me passava pela cabeça, era capaz de, por um acto livre, aprisioná-la numa parte do meu cérebro, onde não possuía mais importância que a que teriam para a minha vida real os vícios de uma pessoa imaginária.
...
Por outro lado, o ciúme é daquelas doenças intermitentes cuja causa é caprichosa, imperativa, sempre a mesma no mesmo doente e ás vezes em absoluto diferente noutro.
...
Poucos ciumentos há cujo ciúme não admita certas derrogações. Um aceita ser enganado desde que lho digam, outro desde que lho escondam, no que um não é menos absurdo que o outro, visto que se o segundo é mais verdadeiramente enganado por lhe dissimularem a verdade, o primeiro exige, nessa verdade, o alimento, a extensão, a renovação dos seus sofrimentos.”
(p.24/25)

O ciúme pode ser uma arma perigosa.

Troti
 
 
"...perguntava a mim mesmo se casar com Albertine não iria estragar-me a vida, tanto por me fazer assumir a tarefa, por demais pesada para mim, de me consagrar a outra pessoa, como por me forçar a viver ausente de mim mesmo por causa da sua presença constante e por me privar para sempre das alegrias da solidão. E não só dessas. Masmo pedindo apenas desejos a cada dia, alguns há – os que já não são provocados pelas coisas, mas pelas pessoas – cujas características é serem individuais."
(p.23)

Vivemos hoje uma apologia da individualidade que encontra nesta frase uma actualidade gritante.

Troti
 
 
"A proibição de entrar no meu quarto antes de eu ter tocado a campainha divertia-a muito.
(p.14)
...
Ela era daquelas mulheres que não sabem deslindar a razão daquilo que sentem.(p.15)
...
E Albertine possuía uma tal força de passividade, uma tal faculdade de esquecer e de se submeter..."
(p.17)


Submissão. Será um afrodisíaco?

Troti

 
 
“O amor talvez não passe da propagação daqueles redmoinhos que agitam a alma depois de uma emoção."
(p.16)

“Não que fosse em absoluto indiferente á permanência de Albertine em nossa casa. A sua separação das amigas conseguia poupar novos sofrimentos ao meu coração. Conservava-o a este num estado de repouso, numa quase imobilidade que haveriam de ajudá-lo a curar-se. Mas a verdade é que esta calma que a minha amiga me dava era, mais que alegria, alívio do sofrimento. Não quer isto dizer que não me permitisse experimentar muitas das alegrias de que a dor vivíssima me havia separado, mas essas, longe de as ficar devendo a Albertine, que aliás já não achava muito bonita e junto de quem me aborrecia, que tinha a nítida sensação de não amar, experimentava-as eu, pelo contrário, enquanto Albertine não estava ao pé de mim. (p.8)
...
O seu encanto um pouco incómodo consistia assim em estar lá em casa mais como um animal doméstico do que como uma rapariga...(p.11)
...
Eu já não gostava de Albertine porque já nada me restava do sofrimento, agora curado...(p.17)
...
Mas, para renascer, o mínimo pretexto serve a uma doença crónica...(p.18)
...
de sorte que, se reflectisse bem, veria que o meu sofrimento só poderia ter fim com Albertine ou comigo.(p.19)
...
Era mais perigoso ainda porque , por natureza, o mundo das possibilidades sempre me esteve mais aberto que o da contingência real. Isso ajuda a conhecer a alma, mas deixamo-nos enganar pelos individuos. O meu ciúme nascia com imagens, com um sofrimento, não depois de uma probabilidade...Quando saía com Albertine, se ela ficava sem mim, nem que fosse por um instante, isso inquietava-me, imaginava que talvez tivesse falado com alguém, ou apenas olhado para alguém.(p.20)

Gomorra estava dispersa pelos quatro cantos do mundo(.p19)

Mais vale não saber, pensar o menos possível, não proporcionar ao ciúme o mínimo pormenor concreto. Infelizmente, mesmo que falte a vida exterior, também a vida interior traz consigo incidentes...Por muito que vivamos sob o equivalente de uma campânula pneumática, as associações de ideias, as recordações continuam a funcionar.(p.20/21)
...
De Albertine...nada mais tinha a descobrir. Todos os dias me parecia menos bonita. Só o desejo que provocava nos outros, quando, ao dar por isso, eu recomeçava a sofrer e queria disputar-lha, a fazia subir a meus olhos os degraus de um trono. Era capaz de me causar sofrimento, mas não alegria. Só pelo sofrimento subsistia a minha entediada ligação.(p.24)


Troti
 
domingo, novembro 07, 2004
 
«Marcel Proust doente, e totalmente dedicado à obra gigantesca que empreendera, só podia viver num quarto hermeticamente fechado, com as janelas cerradas em todas as épocas do ano e a toda a hora. Placas de cortiça apostas nas paredes abafavam os últimos ruídos, os últimos rumores da vida.»

Proust
Claude Mauriac

leitora
 
  Os nossos arquivos são galerias
Mas pouco importava, uma vez que primeiro as tinha amado, e isoladamente. Quando nos entusiasmámos com um pintor, e depois com outro, podemos acabar por ter por todo o museu uma admiração que não é glacial, porque é feita de amores sucessivos, cada um exclusivo no seu momento e que no fim se juntaram e conciliaram. (p.59)

Joyce, Faulkner, Proust; e Roth; e Woolf; e Paulinho Assunção; e Lispector, e Henry James, Camilo, Balzac. Os nossos arquivos estão cheios de quadros que amamos individualmente, que distinguimos por entre todos os outros.
nastenka-d
 

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