Leitura Partilhada
sábado, julho 16, 2005
  O génio de Proust I
"“...às vezes é no momento em que tudo nos parece perdido que chega o aviso que pode salvar-nos...
...
Remoendo os tristes pensamentos e distraído como ia não vira um carro que avançava;...recuei tanto que tropecei sem querer nas pedras bastante irregulares da calçada...Mas, no momento em que, ao endireitar-me, poisei um pé numa pedra menos alta que a anterior, todo o meu desânimo se desvaneceu perante a mesma felicidade que em diversas épocas da vida me havia sido concedida pela contemplação de umas árvores que julgara reconhecer..., pela imagem dos campanários ..., pelo sabor de uma madalena molhada numa infusão, por tantas outras sensações de que falei...Tal como no momento em que saborerava a madalena, toda a inquietação sobre o futuro, toda a dúvida intelectual se haviam dissipado. As que pouco antes me assaltavam acerca da realidade dos meus dotes literários tinham desaparecido como que por encanto. Sem que tivesse feito qualquer novo raciocínio, ou encontrado qualquer argumento decisivo, as dificuldades, ainda há pouco insolúveis, tinham perdido toda a importância. Mas desta vez estava deveras decidido a não me resignar a ignorar porquê, como havia feito no dia em que saboreara uma madalena molhada numa infusão. A felicidade que acabava de experimentar era efectivamente a mesma que sentira ao comer a madalena, mas então adiara a procura das causas profundas dessa alegria. A diferença puramente material estava nas imagens evocadas; um azul profundo inebriava-me os olhos, impressões de frescura, de luz deslumbrante, giravam junto de mim e, no meu desejo de as agarrar sem me atrever a mover-me como quando sentia o sabor das madalena tentando fazer com que viesse até mim o que ela me reordava, ali fiquei...vacilando...com um pé em cima da pedra mais alta e o outro pé na pedra mais baixa. De cada vez que, apenas materialmente, repetia aquele mesmo passo, não me servia de nada; mas se, esquecendo a matinée Guermantes, conseguia recuperar o que sentira ao poisar os pés daquela maneira, de novo a visão deslumbrante e indistinta passava junto a mim como se me tivesse dito: “Apanha-me à passagem se tiveres forças para isso, e trata de resolver o enugma de felicidade que te proponho.” E reconhecia-a quase imediatamente: era Veneza, Veneza acerca da qual os meus esforços para a descrever e os pretensos instantâneos captados pela memória nada me haviam dito nunca, e que me fora agora devolvida pela sensação que outrora sentira em cima de duas lajes desiguais do baptistério de São Marcos e por todas as outras sensações que naquele dia se haviam juntado a essa sensação e que tinham ficado à espera...Fora do mesmo modo que a pequena madalena me recordara Combray. Mas porque é que as imagens de Combray e Veneza num e noutro momento me haviam causado uma alegria semelhante a uma certeza e que bastava, sem necessidade de outras provas, para me tornar a morte indiferente? Inrterrogando-me sobre isso, e hoje resolvido a encontrar a resposta, entrei no palacete Guermantes...
...
limpei a boca ao guardanapo e...de imediato...uma nova visão de azul me passou diante dos olhos...parecia-me que o criado acabava de abrir a janela que dava para a praia...o guardanapo em que pegara para enxaguar a boca tinha precisamente o mesmo género de rígido engomado da toalha a que tanto me custara e enxaguar-me diante da janela no primeiro dia da minha chegada a Balbec...
...
procurava esclarecer o mais depressa possível a natureza dos prazeres idênticos...
...
se a recordação, graças ao esquecimento, não contraiu qualquer laço, não estabeleceu qualquer elo de ligação com o minuto presente, se permaneceu no seu lugar, na sua data, se manteve as suas distâncias, o seu isolamento no fundo de um vale, ou num píncaro de um monte, ela faz-nos de repente respirar um ar novo, precisamente porque é um ar que respiramos outrora, esse ar mais puro que os poetas em vão tentaram fazer reinar no Paraíso e que só pode causar essa sensação profunda de renovação por já ter sido respirado, porque os verdadeiros paraísos são os paraísos que perdemos."

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Troti
 

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