Leitura Partilhada
sexta-feira, fevereiro 29, 2008
 
Ao menos o céu está sempre aberto. Iremos por aí!*



Não se pode desperdiçar mais um dia dado pelos deuses de quatro em quatro anos, sobretudo quem anda com tanta falta de tempo e num momento de tanta turbulência laboral. Folheio o livro de Ovídio à procura de um mito que me redima, percorro os mapas representados nas guardas do espesso volume e a Turquia actual revela-se nas suas entranhas históricas: é a Mísia, a Frigia e a Capadócia. Mas não só a Turquia, a Grécia e a Itália também: a Tessália, o Paleponeso, o Lácio, a Campânia. Os mares interiores parecem lagos limitados pelo abraço da terra. As Cíclades reluzem num mar que imagino profundamente azul. De Rodes, Mileto ou Tróia permanecem as maravilhas na memória de quem a esses lugares chegou por via dos colossos e heróis de grande beleza física e força sobre-humana, personagens do imaginário e dos grandes livros.
Escolhi Ícaro para abraçar o além. O seu trágico destino é fruto da inexperiência e da ânsia de viver. Mas um bom mito para encerrar Fevereiro. Que acham?

*Livro VIII, V. 186

Imagem: Ícaro e Dédalo, por Charles Paul Landon

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laerce

 
quinta-feira, fevereiro 28, 2008
  Aquiles e Heitor
Kokoshka, Achilles Dragging Hector's Corpse

Mas o deus, que com o tridente governa as ondas do mar,
continua a sofrer, no seu coração de pai, pelo filho, cujo corpo
mudara na ave de Faetonte; e, odiando o sanguinário Aquiles,
dá largas a raiva imorredoira, mais do que seria civilizado.
E agora que a guerra já se arrastava há quase dois quinquénios,
quando tais palavras dirige ao Esminteu, de cabelos intonsos:
“Ó tu, de longe o mais querido para mim dos filhos do irmão
meu, que comigo erigiste, em vão, de Tróia as muralhas,
não gemes quando contemplas esta fortaleza que sucumbirá
em breve? Não sofres com os milhares de mortos que na defesa
dos muros caíram? Para não referir todos, não te vem à mente
a sombra de Heitor, arrastado no chão à volta da sua Pérgamo?
E, no entanto, ainda vive aquele selvagem, mais sanguinário
do que a própria guerra, o devastador da nossa obra, Aquiles!
Que venha até mim: farei com que sinta de quanto é capaz
o meu tridente. Mas já que não me é lícito defrontar o inimigo
corpo a corpo, mata-o com flecha, às ocultas, sem ele esperar.”
(…)
(…) e de Aquiles, outrora tão grande, já só restava
qualquer coisa que mal dava para encher uma urna pequena.
Mas a sua glória pervive, a ponto de encher o mundo inteiro.

(“Metamorfoses”-Livro XII, de Ovídio; Livros Cotovia; tradução de Paulo Farmhouse Alberto)

Há várias razões para votarmos a Tróia a nossa preferência: porque o suposto rapto de Helena mais se parece com um grito de amor e um exercício de liberdade; pelas mulheres, as crianças e os velhos; porque é Tróia a invadida e será ela a saqueada, escravizada e destruída. E, acima de tudo, porque os troianos evidenciam mais características que nós, ocidentais, tendemos a valorizar. Mas, apesar de o mundo inteiro ser Heitoriano, Aquiles é aquele de quem todos se lembram. A massa de que um herói é feito tem muito a ver com a capacidade de imposição e as características de invencibilidade-total-excepto-no-calcanhar são bem mais apelativas do que a nobreza de carácter. Afinal, quem, de entre os que nunca leram a Ilíada, conhece Heitor?

azuki
 
quarta-feira, fevereiro 27, 2008
  Narciso (ii)
Salvador Dali, La metamorfosis de Narciso

“Que lhe seja concedido amar e nunca possuir o ser que ama!”

(“Metamorfoses”-Livro III, de Ovídio; Livros Cotovia; tradução de Paulo Farmhouse Alberto)

Refém da ilusão de uma imagem sem mácula, incapaz de fazer uma interpretação distanciada da sua pessoa e de enfrentar a fealdade e a imperfeição do mundo, Narciso vive os seus delírios numa bolha. “A sua maior abundância é a sua maior pobreza”, pois tem quem amar sem o conseguir ter e, por fim, só deseja a morte, muito embora isso também signifique a morte daquele que ama… Pobre Narciso.

Pese embora se adapte perfeitamente a tantos, cujo amor não sobra para os outros (ou que apenas amam os outros em função de si próprios), o narcisismo não tem que ser uma fatalidade, bem pelo contrário. Ele está sempre subjacente no relacionamento humano e a sua versão moderada concorre para a coesão social, pois todos queremos ler nos olhos dos outros o quanto somos estimáveis. Assim, já que não nos podemos amar a nós, fá-lo-emos através dos outros, vendo-nos projectados nos olhos daqueles que nos aceitam, que nos apreciam, que nos querem bem.

azuki
 
sexta-feira, fevereiro 22, 2008
  Narciso e Eco
Caravaggio, Narciso

Finda a gravidez, a lindíssima ninfa
dera à luz uma criança, que já na sua tenra idade era adorável.
Deu-lhe o nome de Narciso. Ora, consultado sobre o menino,
se chegaria a ver os longos anos de uma velhice avançada,
o profético vate respondeu: “Se não se conhecer a si próprio”
Durante anos, a profecia do vidente pareceu vã; mas o desfecho
do caso, o tipo de morte e a insólita loucura comprovaram-nas.
(…)
Um dia, acossava veados em pânico em direcção às redes,
quando foi avistado pela ninfa da voz. Era a ressoante Eco,
que não sabia calar-se quando lhe falavam, nem falar primeiro.
(…)
Ora bem, quando viu Narciso a vaguear pelos campos ermos,
inflamou-se de amor.
(...)
Num certo dia, separado do seu grupo de fiéis companheiros,
o moço gritara: “Quem está aqui?” “Está aqui!”, respondera Eco.
Ele fica estupefacto.
(…)
Ele insiste, e, enganado pela ilusão da voz que responde, diz:
“Anda para aqui, vamos?”, e Eco, que jamais haveria de ecoar
qualquer outro som com mais prazer, “Vamos!” retorquiu.
Para apoiar em pessoa as próprias palavras, saiu do bosque
e avançou com o fito de lançar os braços ao seu ansiado pescoço.
Ele, porém, foge. E, ao fugir, exclama: “Tira as tuas mãos
de cima de mim! Antes morrer do que entregar-me a ti!”
Nada consegue ela retorquir a não ser “entregar-me a ti!”
Repudiada, esconde-se nos bosques, e, com vergonha, oculta
o rosto na folhagem. E desde então vive em grutas solitárias.

(“Metamorfoses”-Livro III, de Ovídio; Livros Cotovia; tradução de Paulo Farmhouse Alberto)

Eu ou o Outro; Eu versus o Outro; Eu e o Outro.

Na vida interior de um indivíduo com um desenvolvimento normal, asseguradas que estejam as necessidades essenciais e algum conforto, existe uma compensação que o torna capaz de se interessar por outrem. Para esse indivíduo, “Eu” e o “Outro” são entidades que se complementam. Ao contrário, a “falha narcísica” freudiana significa grande precariedade dos pilares do Eu, que depois acabam por originar dificuldades de descentração de si mesmo. Deste modo, e talvez algo paradoxalmente, os indivíduos mais centrados neles próprios, serão aqueles com maiores fragilidades quanto à sua identidade.

Na sua “Introdução ao Narcisismo”, Freud defende que todos precisamos de ser amados para que nos possamos amar. Essa auto-confiança básica irá, por sua vez, criar uma matriz segura a partir da qual o indivíduo se possa libertar de si próprio e investir mais no exterior, desenvolvendo interesses vários. Assim, precisamos de ser amados para que nos possamos amar e precisamos de nos amar para que possamos amar os outros.

Eco chegou tarde… antes dela, por quem deveria ter sido Narciso amado?

azuki
 
quinta-feira, fevereiro 21, 2008
 
Farta-te ó cruel Latona, farta-te com a minha dor! *



Apollo and Diana Attacking Niobe and her Children
by Anicet-Charles-Gabriel Lemonnier

Latona é uma figura arrepiante pelos castigos que derrama sobre quem a desrespeita. E que ninguém se meta com ela! Que o diga Níobe, a vaidosa e arrogante mãe que pensava ser a sua casta social uma protecção eficaz contra a ira da deusa; ou os camponeses da Lícia que a impediram de matar a sede num pequeno lago. Àquela, toca de lhe matar os filhos todos (e eram sete eles e sete elas!); a estes, bem, nada assim tão grave: foram apenas transformados em rãs de dorso verdinho.

Deus nos livre da Latona!
*Livro VI, v 280
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laerce
 
quarta-feira, fevereiro 20, 2008
 
uma questão de linhagem


Queda de Faetonte
Rubens, Peter Paul


Pelo extraordinário brilho daqueles raios faiscantes, que nos escuta e nos observa, meu filho, eu te juro que és filho deste Sol que contemplas, deste que regula o mundo.


vv 768 a 771, Livro I


Faetonte é a prova de que nem sempre se aplica o adágio quem sai aos seus
Enquanto durou, a sua viagem foi majestosa e insensata. Diz Ovídio que a mãe, Clímene, o procurou desvairada de desgosto por toda a terra e quando o encontrou já sepultado numa costa distante inundou de lágrimas o nome que lera no mármore e amornou-o com o peito descoberto.


Amornar o mármore com o peito é uma imagem surpreendentemente bela.

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laerce


 
terça-feira, fevereiro 19, 2008
  Baco e Penteu
Rubens, Baco

“Quão afortunado serias”, disse ele, “se também desta luz
fosses privado, para que não visses os rituais de Baco!”
(…)
“Que insano desvario, ó filhos da serpente, ó prole de Marte,
fulminou vossa mente?, exclamou Penteu. “Acaso o bronze
dos címbalos percutidos com bronze, e a flauta de curvo tubo,
e engodos mágicos tanto podem, que quem espada de guerra,
trombeta e formações de arma em punho não amedrontaram,
se deixe vencer por guinchos de mulheres, pelo desatino
instilado pelo vinho, por cortejos obscenos e ocos pandeiros?”
(…)
Eis que a mãe é a primeira a vê-lo, a primeira a ser possuída
Em tresloucada correria, a primeira a golpear o seu Penteu
(...)
Toda a turba, enlouquecida,
desaba sobre ele.
(...)
O desgraçado já nem braços tem para estender para a mãe.
Exibindo as chagas rasgadas pelo arrancar dos membros,
“Olha, mãe!” grita. À vista disto, Agave põe-se aos urros,
sacode o pescoço e, agitando o cabelo pelo ar, arranca-lhe
a cabeça.
(...)
Advertidas por estes exemplos, as Isménides celebram
o novo culto, ofertam incenso e veneram os sacros altares.

(“Metamorfoses”-Livro III, de Ovídio; Livros Cotovia; tradução de Paulo Farmhouse Alberto)

É heterodoxa quanto baste, a proposta religiosa de Baco, deus da manifestação da natureza (sendo o vinho a expressão de uma força vital exuberante): desprendam-se de vós próprios, pois o “eu” é mera ilusão, e entrem em comunhão divina com uma realidade mais profunda, através… do delírio.

Se formos cegos na afirmação da razão, passaremos a não representar mais do que a sua própria negação... Luz e racionalidade versus orgia e embriaguez. Como harmonizar estes elementos contrários, no indivíduo e na comunidade? A ousadia e a incredulidade de Penteu perderam-no: não prestar culto ao deus Baco é um equívoco que se paga caro (Eurípides explica-o muito bem, n'As Bacantes). Acaso poderemos ter a veleidade de não reconhecer poder ao delírio?

azuki
 
segunda-feira, fevereiro 18, 2008
 
quando os deuses realizam maravilhas, nada parece inacreditável *


Agora que começo a centrar a minha actividade profissional na obra máxima da nossa literatura, Os Lusíadas, e tenho perante mim jovens carregados de telemóveis, ipod’s e mp3, assalta-me uma terrível angústia pelo desfecho desta unidade didáctica e prevejo grandes resistências neste embate. Imagino Camões de um lado e aqueles reluzentes objectos de outro. Eu estou no meio tentando dirigir as hostes com a voz de comando cada vez mais desautorizada, apesar de todas as belas e decididas retóricas. Arranjei uma estratégia moderna quanto baste e que funciona como tábua de salvação à memória, o powerpoint de tantas apresentações fastidiosas em acções, sessões e comunicações. Sei os perigos desta arma que pode ser mortal, por isso enchi-a de imagens…de deuses. É preciso que estes seres fantásticos lhes soem humanos, que as suas histórias os encantem ou lhes despertem a repulsa; que saibam das batalhas, do sangue e da morte, dos prémios e dos castigos, do destino e da fatalidade; que se comovam e que riam; quem sabe talvez que sintam o sabor da ambrósia.
Levo também as obras máximas, Eneida, Odisseia e Ilíada, e não esqueço Ovídio e as Metamorfoses. Serão os aríetes para forçar a resistência destes objectos invasores da sala de aula que o Regulamento Interno, por milhares de vezes lembrado, não consegue definitivamente pôr cobro. Direi que também eu tenho um contrato de leitura e há muitos anos que o renovo, sem assinar nenhum papel, sem prazos e sem obrigações. Falarei das idades do ouro, da prata, do bronze e do ferro. Veremos os titãs, o amado Saturno, horrivelmente retratado por Goya, a poderosa Menmosine – reforçarei a sua importância no contexto escolar –, as lindas musas, Clio, Calíope e Euterpe. Depois pedirei a Júpiter que vibre os raios e começaremos a verdadeira batalha, "as armas e os barões assinalados".

*Píndaro, Pi. P. 10.48-50
imagem: Cronos
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laerce

 
sexta-feira, fevereiro 15, 2008
 
floração da juventude






Oh! Mas ele sou eu! Percebi! O meu reflexo já não me engana!
É por mim que me abraso de amor! Inflijo e sofro estas chamas!
Que farei?Ser rogado ou rogarei eu? Que hei-de rogar afinal?
O que desejo já eu tenho: é a abundância que me faz pobre.
Oh! E se eu pudesse separar-me do meu próprio corpo!


Metamorfoses, Livro III, vv. 463 a 468

Desejar o que se tem é de mais! Conhecer-se a si mesmo, neste caso, foi o caminho da perdição. Uma bela perdição, convenhamos, ou uma bela flor. E a ninfa Eco pode ser que ainda ande por aí. É só prestar atenção e amar a diferença.

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laerce

 
terça-feira, fevereiro 12, 2008
  Júpiter e Calisto
François Boucher, Júpiter e Calisto

Quando Júpiter a viu assim, cansada e indefesa, exclamou:
“Desta escapadela, ao menos, a minha esposa nada saberá.
E se souber, vale a pena, oh! pois vale!, ouvir impropérios!”


(“Metamorfoses”-Livro II, de Ovídio; Livros Cotovia; tradução de Paulo Farmhouse Alberto)

Escreve Paulo Farmhouse Alberto, na Introdução, que “O mundo das Metamorfoses é sobretudo um espaço de dramas, de incertezas e arbitrariedades, onde a metamorfose se processa sem que haja uma lógica moral.” De facto…. Os deuses espelham as ambições da Humanidade (força, sabedoria, omnipresença, imortalidade), mas também as suas piores facetas (em cima - que coisa feia -, Júpiter metamorfoseado em Diana). Assim, colocando grande empenho em atingir os seus fins e em proteger os seus interesses, eles actuam movidos por sentimentos tão elevados como o ressentimento, a vaidade ou a luxúria.

azuki
 
segunda-feira, fevereiro 11, 2008
  Apolo e Dafne
Bernini, Apolo e Dafne

Então o deus disse: “Já que minha esposa não podes ser,
serás ao menos a minha árvore."


(“Metamorfoses”-Livro I, de Ovídio; Livros Cotovia; tradução de Paulo Farmhouse Alberto)


Ora, a isto eu chamo capacidade para ver as coisas pelo lado positivo!

azuki
 
sexta-feira, fevereiro 08, 2008
  Mitos
Carraci, Júpiter e Juno, séc. XVI

De formas mudadas em novos corpos leva-me o engenho
a falar. Ó deuses, inspirai a minha empresa (pois vós
a mudastes também), e conduzi ininterruptamente o meu canto
desde a origem primordial do mundo até aos meus dias.

(“Metamorfoses”-Livro I, de Ovídio; Livros Cotovia; tradução de Paulo Farmhouse Alberto)

Desde os primórdios do pensamento, o Homem vai percebendo de que matéria é feito e tenta, com uma simplicidade afectuosa, atribuir um significado ao mundo e descobrir os seus mecanismos. Surgem os mitos, narrativas sobrenaturais que permitem ordenar a desordem, explicar o inexplicável, aceitar o ilógico. Os mitos apaziguam o medo da morte e a angústia da incerteza, conferindo um sentido à realidade e oferecendo ao Homem a ilusão de a dominar. Retratando-nos inteiros, desde o orgulho e a cólera, ao espírito combativo e à insatisfação que nos fazem progredir, desde a coragem e a dignidade, até à súplica e à compaixão, os mitos ofereciam arquétipos para os comportamentos humanos e garantiam a coesão social. Hoje, também temos os nossos mitos e os nossos arquétipos, muito embora, no essencial, pouco tenhamos mudado.

azuki
 
  Clube de Leitores - Leitura books & living Bom Sucesso (Porto, 20/Fev)
 
quarta-feira, fevereiro 06, 2008
  mas já tudo em mim se deixa seduzir pela mudança
azuki
 
  continuo com Cormac
azuki
 
sábado, fevereiro 02, 2008
  ainda o Meridiano (ii)

Encontra-se ruindade na mais mesquinha das criaturas, mas quando Deus criou o homem tinha o diabo à sua ilharga.
(“Meridiano de Sangue ou O Crepúsculo Vermelho no Oeste”, de Cormac McCarthy; Relógio d’Água Editores; tradutor: Paulo Faria)

Também eu, Castela, "me deito com um sorriso nos lábios". E digo: fico-me pelo meu Quixote.

Alonso Quijano acreditava naquilo que os livros diziam. A encarnação dos seus sonhos chamava-se Quixote, essa figura tão trágica quanto cómica, burlesca e ao mesmo tempo profundamente séria, que tinha esta característica maravilhosa e patética de crer no ser humano e na sua capacidade para ser nobre, honesto, generoso. Quixote apaixonou-se por uma figura inventada (ou não, porque o amor transforma uma mulher feia numa mulher bela), quis proteger os mais fracos, quis honrar os seus compromissos de homem com a sua consciência, quis derrotar os maus e os injustos. Tudo isto é pueril, tudo isto é magnífico.

É penoso viver na descrença e no desencanto total. Os pessimistas e os realistas terão mais hipótese de estar correctos, mas serão imensamente mais maçadores. Talvez a maior das sabedorias seja existir em postura acrobática: crer na grandeza da Humanidade, tendo esperança e força anímica, ao mesmo tempo que nos protegemos dela (dos outros e de nós próprios), não nos deixando aniquilar pela desilusão. Apesar de a realidade contrariar constantemente esta assunção, continuarei a acreditar que, estando cumpridas algumas condições indispensáveis para a condução de uma vida digna, não é assim tão difícil ser-se decente. Por isso, entre injecções de realidade, que aprecio e admito serem necessárias, eu, sabem que mais?, fico-me pelo meu Quixote.

azuki
 
  ainda o Meridiano

o vazio mais amplo que os cercava parecia engolir-lhe a alma
(“Meridiano de Sangue ou O Crepúsculo Vermelho no Oeste”, de Cormac McCarthy; Relógio d’Água Editores; tradutor: Paulo Faria)

Enlouquecidos pela sede e perdidos em miragens, num combate sempre desigual com a natureza, por muito ferozes que fossem… Este parece ser um tema querido ao escritor (faz-me recordar a tortura obsidiante da calmaria do oceano sem vento e sem pontos de referência d’A Linha de Sombra, de Joseph Conrad, essa fronteira tão próxima da loucura e da vontade de auto-aniquilação), as forças contra as quais nenhum homem consegue lutar. Quando tudo se for, quando nós nos formos, quando já não houver peixes no mar e pássaros no céu mas apenas espaço e silêncio, restarão as montanhas e os desertos e os leito secos dos rios.

azuki
 
sexta-feira, fevereiro 01, 2008
 
em roma, sê romano























Se me convidam para viajar no tempo, eu aceito, Se essa viagem é a Roma Eterna, cidadã de Roma serei. Vê-la-ei a fervilhar de cores. Aprenderei a amá-la cada vez mais e Ovídio será o meu mestre e o meu guia.


Foto: Wikipédia


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laerce
 
 
Não queria encerrar o Meridiano de Sangue, sem deixar neste post dois parágrafos, um de elogio à beleza, o outro, de esperança num mundo melhor.
O autor descreve primorosamente os ecossistemas que rodeiam o bando; como geológo realço o hiperbolismo descritivo, a obrigar o autor a estudar com pormenor a geomorfologia e a geologia dos lugares, a arguta e escassa biodiversidade local, tudo isto, o que não é pouco, eivado de um estranho lirismo, brutal, cru e sublime.
“Teriam morrido se os índios não os tivessem encontrado…Eram Dieguenos…e formaram um círculo em volta dos viajantes e ajoelharam-se e deram-lhes água a beber por uma cabaça”.
Neste livro cruel, a bondade, o serviço ao outro, mesmo que este seja o nosso assassino. Momento inolvidável em apenas três páginas. Deito-me agora com um sorriso nos lábios; haja esperança.
Castela
 

O QUE ESTAMOS A LER

(este blogue está temporariamente inactivo)

PROXIMAS LEITURAS

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LEITURAS NO ARQUIVO

"ULISSES", de James Joyce (17 de Julho de 2003 a 7 de Fevereiro de 2004)

"OS PAPEIS DE K.", de Manuel António Pina (1 a 3 de Outubro de 2003)

"AS ONDAS", de Virginia Woolf (13 a 20 de Outubro de 2003)

"AS HORAS", de Michael Cunningham (27 a 30 de Outubro de 2003)

"A CIDADE E AS SERRAS", de Eça de Queirós (30 de Outubro a 2 de Novembro de 2003)

"OBRA POÉTICA", de Ferreira Gullar (10 a 12 de Novembro de 2003)

"A VOLTA NO PARAFUSO", de Henry James (13 a 16 de Novembro de 2003)

"DESGRAÇA", de J. M. Coetzee (24 a 27 de Novembro de 2003)

"PEQUENO TRATADO SOBRE AS ILUSÕES", de Paulinho Assunção (22 a 28 de Dezembro de 2003)

"O SOM E A FÚRIA", de William Faulkner (8 a 29 de Fevereiro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. I - Do lado de Swann)", de Marcel Proust (1 a 31 de Março de 2004)

"O COMPLEXO DE PORTNOY", de Philip Roth (1 a 15 de Abril de 2004)

"O TEATRO DE SABBATH", de Philip Roth (16 a 22 de Abril de 2004)

"A MANCHA HUMANA", de Philip Roth (23 de Abril a 1 de Maio de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. II - À Sombra das Raparigas em Flor)", de Marcel Proust (1 a 31 de Maio de 2004)

"A MULHER DE TRINTA ANOS", de Honoré de Balzac (1 a 15 de Junho de 2004)

"A QUEDA DUM ANJO", de Camilo Castelo Branco (19 a 30 de Junho de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. III - O Lado de Guermantes)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2004)

"O LEITOR", de Bernhard Schlink (1 a 31 de Agosto de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. IV - Sodoma e Gomorra)", de Marcel Proust (1 a 30 de Setembro de 2004)

"UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES" e outros, de Clarice Lispector (1 a 31 de Outubro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. V - A Prisioneira)", de Marcel Proust (1 a 30 de Novembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA", de José Saramago (1 a 21 de Dezembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ", de José Saramago (21 a 31 de Dezembro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VI - A Fugitiva)", de Marcel Proust (1 a 31 de Janeiro de 2005)

"A CRIAÇÃO DO MUNDO", de Miguel Torga (1 de Fevereiro a 31 de Março de 2005)

"A GRANDE ARTE", de Rubem Fonseca (1 a 30 de Abril de 2005)

"D. QUIXOTE DE LA MANCHA", de Miguel de Cervantes (de 1 de Maio a 30 de Junho de 2005)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VII - O Tempo Reencontrado)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2005)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2005)

UMA SELECÇÃO DE CONTOS LP (1 a 3O de Setembro de 2005)

"À ESPERA NO CENTEIO", de JD Salinger (1 a 31 de Outubro de 2005)(link)

"NOVE CONTOS", de JD Salinger (21 a 29 de Outubro de 2005)(link)

Van Gogh, o suicidado da sociedade; Heliogabalo ou o Anarquista Coroado; Tarahumaras; O Teatro e o seu Duplo, de Antonin Artaud (1 a 30 de Novembro de 2005)

"A SELVA", de Ferreira de Castro (1 a 31 de Dezembro de 2005)

"RICARDO III" e "HAMLET", de William Shakespeare (1 a 31 de Janeiro de 2006)

"SE NUMA NOITE DE INVERNO UM VIAJANTE" e "PALOMAR", de Italo Calvino (1 a 28 de Fevereiro de 2006)

"OTELO" e "MACBETH", de William Shakespeare (1 a 31 de Março de 2006)

"VALE ABRAÃO", de Agustina Bessa-Luis (1 a 30 de Abril de 2006)

"O REI LEAR" e "TEMPESTADE", de William Shakespeare (1 a 31 de Maio de 2006)

"MEMÓRIAS DE ADRIANO", de Marguerite Yourcenar (1 a 30 de Junho de 2006)

"ILÍADA", de Homero (1 a 31 de Julho de 2006)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2006)

POESIA DE ALBERTO CAEIRO (1 a 30 de Setembro de 2006)

"O ALEPH", de Jorge Luis Borges (1 a 31 de Outubro de 2006) (link)

POESIA DE ÁLVARO DE CAMPOS (1 a 30 de Novembro de 2006)

"DOM CASMURRO", de Machado de Assis (1 a 31 de Dezembro de 2006)(link)

POESIA DE RICARDO REIS E DE FERNANDO PESSOA (1 a 31 de Janeiro de 2007)

"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 28 de Fevereiro de 2007)

"O VERMELHO E O NEGRO" e "A CARTUXA DE PARMA", de Stendhal (1 a 31 de Março de 2007)

"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 30 de Abril de 2007)

"A RELÍQUIA", de Eça de Queirós (1 a 31 de Maio de 2007)

"CÂNDIDO", de Voltaire (1 a 30 de Junho de 2007)

"MOBY DICK", de Herman Melville (1 a 31 de Julho de 2007)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2007)

"PARAÍSO PERDIDO", de John Milton (1 a 30 de Setembro de 2007)

"AS FLORES DO MAL", de Charles Baudelaire (1 a 31 de Outubro de 2007)

"O NOME DA ROSA", de Umberto Eco (1 a 30 de Novembro de 2007)

POESIA DE EUGÉNIO DE ANDRADE (1 a 31 de Dezembro de 2007)

"MERIDIANO DE SANGUE", de Cormac McCarthy (1 a 31 de Janeiro de 2008)

"METAMORFOSES", de Ovídio (1 a 29 de Fevereiro de 2008)

POESIA DE AL BERTO (1 a 31 de Março de 2008)

"O MANUAL DOS INQUISIDORES", de António Lobo Antunes (1 a 30 de Abril de 2008)

SERMÕES DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA (1 a 31 de Maio de 2008)

"MAU TEMPO NO CANAL", de Vitorino Nemésio (1 a 30 de Junho de 2008)

"CHORA, TERRA BEM-AMADA", de Alan Paton (1 a 31 de Julho de 2008)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2008)

"MENSAGEM", de Fernando Pessoa (1 a 30 de Setembro de 2008)

"LAVOURA ARCAICA" e "UM COPO DE CÓLERA" de Raduan Nassar (1 a 31 de Outubro de 2008)

POESIA de Sophia de Mello Breyner Andresen (1 a 30 de Novembro de 2008)

"FOME", de Knut Hamsun (1 a 31 de Dezembro de 2008)

"DIÁRIO 1941-1943", de Etty Hillesum (1 a 31 de Janeiro de 2009)

"NA PATAGÓNIA", de Bruce Chatwin (1 a 28 de Fevereiro de 2009)

"O DEUS DAS MOSCAS", de William Golding (1 a 31 de Março de 2009)

"O CÉU É DOS VIOLENTOS", de Flannery O´Connor (1 a 15 de Abril de 2009)

"O NÓ DO PROBLEMA", de Graham Greene (16 a 30 de Abril de 2009)

"APARIÇÃO", de Vergílio Ferreira (1 a 31 de Maio de 2009)

"AS VINHAS DA IRA", de John Steinbeck (1 a 30 de Junho de 2009)

"DEBAIXO DO VULCÃO", de Malcolm Lowry (1 a 31 de Julho de 2009)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2009)

POEMAS E CONTOS, de Edgar Allan Poe (1 a 30 de Setembro de 2009)

"POR FAVOR, NÃO MATEM A COTOVIA", de Harper Lee (1 a 31 de Outubro de 2009)

"A ORIGEM DAS ESPÉCIES", de Charles Darwin (1 a 30 de Novembro de 2009)

Primeira Viagem Temática BLOOMSDAY 2004

Primeira Saí­da de Campo TORMES 2004

Primeira Tertúlia Casa de 3 2005

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