Leitura Partilhada
terça-feira, fevereiro 28, 2006
 
"Todos fazemos girar entre as nossas mãos um velho pneu vazio, através do qual pretenderíamos alcançar aquele sentimento último a que as palavras não chegam"
(Palomar - p.91)

Troti
 
  O desafio da Joana
A música dos pássaros entra pela janela aberta e preenche todo o espaço do meu quarto. O céu está azul e a luz quente da manhã enrola-me numa preguiça que tento afastar. Olho as árvores da avenida, fixo a essência daquele porte que me chama. Os ramos dançam ao sabor da brisa e são um apelo irresistível. Tenho de ir sentir o dia. Mais um dia de vida. Levanto-me com a embriaguês de um aroma penetrante, fresco e puro. O ar está leve, de uma transparência doce e convida-me a respirar com ele a poesia do mundo. Por isso, vou directa ao jardim para observar o extraordinário prodígio que, ano a ano, me seduz.
As sasanquas já partiram, mas a cameleira raiada continua mágica; as camélias brancas, vermelhas e rosa, nos seus diferentes matizes, capricham para ver qual delas apresenta corolas mais bonitas. As orquídeas já brotaram em hastes ornamentadas, parece magia, e as azáleas são pompons, delicadamente pousados na relva. Há um arbusto cheio de florinhas amarelas que se destacam na parede branca da casa em arcos coloridos e há outro que projecta as suas flores roxas no azulado do céu. Os jarros ainda não espevitaram para o convívio com o limoeiro mas os ramos secos das hidrângeas estão cheios de pequenas folhinhas em sinal de promessa. Solitária na magnólia, a flor de tom rosado é uma pincelada na uniformidade das árvores. Os abutilum rosa e laranja destacam-se no labirinto verde das heras e há outro, vermelho e amarelo, que aparece florido numa cascata de manchinhas vibrantes. Estou à espera do jacarandá e da glicínia, dos redodendros, das lantanas, dos hibiscos, dos nérios, das buganvílias e das roseiras.
A partir de agora espreito todos os dias o jardim. Porque a ameixoeira é uma exuberância de florinhas brancas, a figueira já tem rebentos, a cerejeira também, o damasqueiro está quase em flor, o pessegueiro vai desabrochar e a nespereira está repleta de bagos prometedores. E eu quero vê-los a crescer, a tomarem forma definitiva, a ganharem cor. Quero sentir a emoção da natureza na sua eterna promessa, viver a sensibilidade da renovação e, na mais ínfima raiz da terra, encontrar o mistério da criação e o sentido da vida.

Quero....

"a ilusão dos sentidos e da mente mantém-nos sempre a todos prisioneiros"

"que alívio sentiria se pudesse anular o seu eu parcial e cheio de dúvidas na certeza de um princípio do qual tudo derivasse! Um princípio único e absoluto, onde actos e formas encontrassem a sua origem?"

"A natureza não existe?"

"só aqui neste meio posso existir"

"o problema é entender-se"

"Talvez que a primeira regra que me devo impor seja esta: ater-me ao que vejo."

"mantém-se vigilante, disponível, livre de toda e qualquer certeza."

"a única salvação reside no aplicar-se às coisas que existem."

"desejaria fazer algumas perguntas"

"O que será que não funciona?"

"deveríamos saber bem quem somos"

"inútil esperar que o mar se acalme"
(Palomar)

Troti
 
  tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar
O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar. (in Cidades Invisíveis)

(Colleen Corradi Brannigan, “Fedora”, 2003, técnica mista)

Debaixo do caos, há uma certa harmonia; existem pontos de tranquilidade, sob a confusão; misturadas no ruído, encontramos notas musicais; em cada rua, em cada esquina, por trás de cada porta, algo prodigioso. De tudo o que nos rodeia, sempre pode ser extraído o duplo sentido onde nos movemos: futuro e passado, escuridão e claridade, certeza e dúvida, mutabilidade e permanência, prosperidade e destruição, beleza e fealdade, distância e proximidade, bem e mal, novo e antigo, mentira e verdade, vida e morte. Como se nos coubesse a nós, fazer surgir um ou outro.

Há livros que se vão gozando, muito depois de lidos. Nas próximas semanas, continuarei a percorrer cidades invisíveis. Pode ser que a certas horas, em certos trechos de algumas ruas, eu veja abrir-se-me à frente uma suspeita de qualquer coisa inconfundível, rara, talvez até magnífica.

azuki
 
  KUBLAI KHAN E A PONTE
Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.
"Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?"
pergunta Kublai Khan.
"A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra,"
responde Marco,
"mas pela curva do arco que estas formam."
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo.
Depois acrescenta:
"Por que falar das pedras? Só o arco me interessa."
Polo responde:
"Sem pedras o arco não existe."
.
in As Cidades Invisiveis
.
Joana
 
  Cidades (in)visíveis (vi)
Mil cidades dentro de uma cidade ou uma cidade igual a mil cidades. Cidades onde nunca fomos, cidades onde nunca iremos, cidades que só se imaginam, cidades que julgamos reconhecer nos lugares por onde passamos, cidades cujos traços sempre descrevemos quando falamos das outras cidades, cidades sempre presentes de onde nunca saímos. Construções do olhar e dos sentires.

(Colleen Corradi Brannigan, “Bauci”, 2003)

Como é que um viajante sente uma cidade? De que forma é que a sua recordação a molda? Como se transfigura o relato, pela presença de um interlocutor? - Eu falo falo mas quem me ouve só fixa as pérolas que deseja. (…) Quem comanda o conto não é a voz: é o ouvido. Desfiando fragmentos filtrados pela memória e pela imaginação, Marco Polo vai recriando um outro Império.

Os vários olhares sobre uma mesma cidade: os de quem lá vive, os de quem chega, os de quem está longe, os de quem nunca lá foi,…para os habitantes, tudo parece fazer sentido, mesmo essas cidades que não captamos, fechadas em si próprias, incompreensíveis, cheias de contradição e conflito; dois indivíduos que visitem a mesma cidade, ainda que tentem descrições honestas e esforçadas, falarão de duas cidades diferentes; bastará, aliás, que a mesma pessoa visite a mesma cidade em momentos diversos.

O segredo estará talvez em saber quais as palavras que se devem pronunciar, quais os gestos a fazer, e em que ordem e ritmo fazê-los, ou então basta o olhar a resposta o aceno de alguém, basta que alguém faça qualquer coisa só pelo prazer de fazê-la, e para que o seu prazer se torne o prazer dos outros: nesse momento mudam todos os espaços, as alturas, a distâncias, a cidade transfigura-se, torna-se cristalina, transparente como uma libélula.

azuki
 
 
" O sentido último para que remetem todas as estórias tem duas faces: a continuidade da vida, e a inevitabilidade da morte."
(p.222)

Troti
 
  Pensar com meus botões*

Senhor Palomar c’est moi! Acordo e preciso escovar os dentes, lavar a cara, desabotoar o pijama. Enquanto abro os botões penso em como inventaram o botão. Porque o botão não é apenas um botão, certamente houve uma grande evolução até o que conhecemos hoje por botão. Metafísico, pergunto ao espelho: o que é um botão? Mas o espelho é mudo e o que há é uma cara amassada, cabelos desgrenhados e sono.

Fico pensando com meus botões. Aliás, pensar com botões é uma atividade que ainda se mantém viva, embora os botões sejam raros. A própria expressão é uma metáfora do pensamento: botão pressupõe fios, fios pressupõem conexões; fica fácil concluir que pensar é pregar um botão na idéia. Jamais houve companheiro melhor que um botão, tanto é que jamais ouvi alguém dizer: fiquei pensando com meu cão. Ouso afirmar até que o botão é o melhor amigo do homem.

No início o botão servia como acessório indispensável, não apenas um botão, como diz aquela canção ainda não escrita – tu és apenas mais um botão na minha camisa. Ele se transformou em coisa supérflua depois do zíper. Os vestidos têm aquele bendito zíper nas costas, o que toda mulher pede ao seu homem: dá cá uma mãozinha, querido! Com os botões também era assim, contudo, os tempos eram outros, havia criadas para abotoar o vestido. E era menos prático, claro. Mais charmoso também.

O botão representa uma época que não existe mais. Um tempo vagaroso, de alfaiates. O chamado tempo do caramujo. O zíper é um símbolo da modernidade: rápido e violento. Desabotoar a roupa amada exige paciência e requinte. Não há pressa. É um elogio das pequenas coisas. Quem pode abrir um vestido botão por botão tem um conhecimento sábio do mundo. O deleite de se dedicar ao prazer de desabotoar. Ou como diz o ditado: eu sou do tempo em que paletó tinha botão. Satisfeito, tiro o pijama e começo o dia.


*Desafio da Joana


Gabriel
 
segunda-feira, fevereiro 27, 2006
  Cidades (in)visíveis (v)
Que cidades? Aquelas onde o caminho mais curto não é uma linha recta e cuja rotina decorre sem se repetir, aquelas onde os espaços são feitos do passado, as que crescem em círculos concêntricos, aquelas feitas de desejos e onde não passamos de escravos, as que têm algo de familiar com os nossos sonhos, as desconjuntadas labirínticas cuja organização nos escapa, as gloriosas de história atribulada que várias vezes caíram e várias vezes se ergueram, as que vivem sobre os resquícios do esplendor agora adaptados a funções mais obscuras, as que sempre encontram novos usos para os objectos antigos, as cidades infelizes que contêm uma cidade feliz que desconhecem, as da exclusiva imagem de cidade humana depois de séculos de extinção de espécies inconciliáveis, as da regulamentação minuciosa onde todas as inovações têm influência sobre a ordem das constelações e a posição dos astros e vice-versa.

azuki
 
  Cidades (in)visíveis (iv)
Que cidades? As que se confundem com o discurso que as descreve, as que assumem a forma do humor de quem as olha, as que são aquilo que os seus habitantes repetem desde sempre, as que vivem suspensas num abismo e onde a vida é menos incerta pois todos sabem até onde a rede aguenta, as da teia de relações intrincadas que procuram uma forma, as protegidas por deuses de várias espécies e cuja verdadeira essência é motivo de discussões infindáveis, aquelas onde a população se renova mas o diálogo é sempre o mesmo ou contrariamente onde os papéis e os diálogos vão mudando com o passar do tempo, as que precisam de encontrar nos mortos uma explicação para si próprias, aquelas que ainda não se sabe o que serão, as que foram criadas para reflectir a harmonia do firmamento e que não passam de cidades de monstros.

azuki
 
  Cidades (in)visíveis (iii)
Que cidades? As que são várias dentro de uma só, as que têm um reverso uma face oculta imagens com um direito e um avesso, as que têm as formas do que poderiam ter sido se não fossem como são, aquelas onde todos os pontos se confundem, as que são uma direita e outra de pernas para o ar, aquelas que são duas projecções de si mesmas uma celeste e outra infernal, as que todos os dias se renovam correndo o risco de submergir no seu próprio lixo, as que mudam de nome se nos aproximamos, aquelas do incessante trabalho de construção que uma paragem fará esboroar, aquelas onde os subúrbios o centro os hotéis os diálogos os dias são iguais a todas as outras cidades do mundo.

azuki
 
  Cidades (in)visíveis (ii)
Que cidades? Aquelas onde os lugares se misturam, as que se transfiguram de um momento para o outro, as que não conseguimos ver e contudo já lá estamos, as que se subtraem ao olhar se não as apanharmos de surpresa, as que maravilham o viajante acabado de chegar e que empalidecem aos olhos de quem fica, aquelas em que nunca estivemos mas onde julgamos reconhecer caras e sítios, aquelas onde se vêem coisas que significam outras coisas, as que nunca se apagam da mente, as redundantes que se repetem para que as possamos fixar, as que apenas compreenderemos com uma nova linguagem, as incompletas e as demolidas sem muros sem telhados sem chão, aquelas onde ninguém se conhece, as que só se vêem se formos lá muitas vezes.

azuki
 
  Cidades (in)visíveis
Paradoxais, inverosímeis, caóticas,… cidades-espelho da realidade, metáforas das formas como nos apropriamos do espaço, tão estranhas e ao mesmo tempo tão familiares, tão díspares e singulares e, todavia, uma só.

Cada um de nós traz uma cidade na mente, onde tenta encaixar aquilo que o rodeia.

azuki
 
  Obrigada, nastenka-d
- Também pensei num modelo de cidade de que deduzo todas as outras. É uma cidade feita só de excepções, impedimentos, contradições, incongruências, contra-sensos. Se uma cidade assim é o que há de mais improvável, diminuindo o número dos elementos anormais aumentam as probabilidades de existir realmente a cidade. (…) Mas não posso fazer avançar a minha operação para além de um certo limite: obteria cidades demasiado verosímeis para serem verdadeiras. (in Cidades Invisíveis)

Se Numa Noite de Inverno um Viajante, Palomar e Cidades Invisíveis, assim foi parte do meu mês de Fevereiro. Hoje, acordei perplexa, recordando um dos mais estranhos sonhos da vida, quase uma brincadeira de mau gosto: depois de umas férias no Iraque, encontrei Saddam na minha rua e entendi que a coisa mais natural do mundo seria dar-lhe os parabéns pelo país. O desconforto, não identificado, que sentia ao falar com aquela personagem, não mitigou o meu entusiasmo pela visão das cidades rendilhadas de minaretes e palácios, de caravanas e bazares, de labirintos sem fim e construções suspensas, essas cidades oníricas, de atmosfera dourada de Mil e Uma Noites que eu achava ter vivido nestas minhas férias no Iraque. Sim, as cidades invisíveis de Calvino, tão desejadas quanto impossíveis, que tenho percorrido página a página, capítulo a capítulo, fixada nos relatos de Marco Polo e nas expressões de Kublai Kan, cidades que escapam à razão e que, por isso, só podem ser sonhadas.

Uma palavra de agradecimento à nossa arquitecta, também criadora de cidades, por me ter apresentado Calvino.

azuki
 
  CALVINO'S DEATH
On the morning of Friday, September 20, 1985, the first equinoctial storm of the year broke over the city of Rome. I awoke to thunder and lightning; and thought I was, yet again, in the Second World War. Shortly before noon, a car and driver arrived to take me up the Mediterranean coast to a small town on the sea called Castiglion della Pescaia where, at one o'clock, Italo Calvino, who had died the day before, would be buried in the village cemetery.


Calvino had had a cerebral hemorrhage two weeks earlier while sitting in the garden of his house at Pineta di Roccamare, where he had spent the summer working on the Charles Eliot Norton lectures that he planned to give during the fall and winter at Harvard. I last saw him in May. I commended him on his bravery: He planned to give the lectures in English, a language that he read easily but spoke hesitantly, unlike French and Spanish, which he spoke perfectly; but then he had been born in Cuba, son of two Italian agronomists; and had lived for many years in Paris.


It was night. We were on the terrace of my apartment in Rome; an overhead light made his deep-set eyes look even darker than usual. Italo gave me his either-this-or-that frown; then he smiled, and when he smiled, suddenly, the face would become like that of an enormously bright child who has just worked out the unified field theory. "At Harvard. I shall stammer," he said. "But then I stammer in every language."

(O resto deste texto pode ser lido aqui )
.
Gore Vidal
.
Joana
 
 
"Os mitos e mistérios consistem em grãozinhos impalpáveis como o pólen que fica nas patas das borboletas; só quem o tiver compreendido pode esperar receber inspiração e revelações.

...

Por isso a minha leitura nunca tem fim: leio e releio tentando sempre a verificação de uma nova descoberta nas entrelinhas."
(p.218)

Troti
 
  A scientist's respect for data
One begins now to see the method of a Calvino meditation. He looks; he describes; he has a scientist's respect for data (the opposite of the surrealist or fantasist). He wants us to see not only what he sees but what we may have missed by not looking with sufficient attention.

Gore Vidal
 
domingo, fevereiro 26, 2006
  O gramado e o canavial
O senhor Palomar tem algumas angústias irritantes! Esta do gramado foi sensacional: Aquilo que designamos como "ver o gramado" é apenas o efeito de nossos sentidos aproximativos e grosseiros; um conjunto existe somente quando formado por elementos distintos. Não se trata de contá-los, o número não importa; o que importa é fixar com um único gole de vista as plantinhas individuais uma por uma, em suas particularidades e diferenças. E não apenas vê-las: pensá-las. Em vez de "pensar" o gramado, pensar naquela haste com duas folhas de trevo, naquela folha lanceolada um tanto curva, naquele corimbo delicado...Palomar distraiu-se, não arranca mais as ervas, não pensa mais no gramado: pensa no universo. Está tentando aplicar ao universo tudo o que pensou a respeito do gramado. O universo como cosmo regular e ordenado ou como proliferação caótica. O universo, talvez finito, mas inumerável, instável em seus limites, que abre dentro de si outros universos. O universo, conjunto de corpos celestes, nebulosas, poeiras de estrelas, campos de força, interseções de campos, conjuntos de conjuntos...
João Cabral de Melo Neto também pensava nestes termos:

O vento no canavial

Não se vê no canavial
nenhuma planta com nome;
nenhuma planta maria,
planta com nome de homem.

É anônimo o canavial,
sem feições, como a campina;
é como um mar sem navios,
papel em branco de escrita.

É como um grande lençol
sem dobras e sem bainha;
penugem de moça ao sol,
roupa lavada estendida.

Contudo há no canavial
oculta fisionomia:
como em pulso de relógio
há possível melodia,

ou como de um avião,
a paisagem se organiza,
ou há finos desenhos nas
pedras da praça vazia.

Se venta no canavial
estendido sob o sol
seu tecido inanimado
faz-se sensível lençol,

se muda em bandeira viva,
de cor verde sobre verde,
com estrelas verdes que
no verde nascem, se perdem.

Não lembra o canavial
então, as praças vazias:
não tem, como têm as pedras,
disciplina de milícias.

É solta sua simetria:
como a das ondas na areia
ou as ondas da multidão
lutando na praça cheia.

Então, é da praça cheia
que o canavial é a imagem:
vêem-se as mesmas correntes
que se fazem e desfazem,

voragens que se desatam,
redemoinhos iguais,
estrelas iguais àquelas
que o povo na praça faz.

Mais adiante, João Cabral faria alguns poemas sobre o mar e o canavial, os dois, a seu ver, impossíveis de serem apreendidos num simples olhar, como se fossem infinitos. O senhor Palomar meditou sobre os gramados. Não conhecia o canavial.

Gabriel
 
 
"Houve algo em mim que me faltou: talvez o eu; talvez o conteúdo do eu. "
(p.163)

Troti
 
 
"Mas se é uma verdade individual a única que um livro pode conter, mais vale eu aceitar escrever a minha. O livro da minha memória? Não, a memória só é verdadeira enquanto não a fixarmos, enquanto não a encerrarmos numa forma. O livro dos meus desejos? Esses também só são verdadeiros quando o seu impulso age independentemente da minha vontade consciente. A única verdade que posso escrever é a do instante que vivo."
(p.155)

Troti
 
 
"Desejava poder escrever um livro que fosse apenas um incipit, que por toda a sua duração mantivesse a potencialidade do princípio, a expectativa ainda sem objecto. Mas como se poderia construir um livro assim? Interromper-se-ia após o primeiro parágrafo? Prolongaria indefinidamente os preliminares? Encaixaria um início de narração noutro, como nas Mil e Uma Noites?"
(p.151)

Troti
 
 
"Admitindo que a escrita consegue superar as limitações do autor, só continuará a ter sentido quando for lida por uma pessoa singular e atravessar os seus circuitos mentais. Basta o poder ser lido por um indivíduo determinado para provar que o que se escreve participa do poder da escrita, um poder assente em algo que está para além do indivíduo. É o universo que se exprime a si próprio enquanto alguém puder dizer: "Leio, logo ele escreve"."
(p.150)

Troti
 
 
"Às vezes penso na matéria para o livro a escrever como coisa que já existe: pensamentos já pensados, diálogos já pronunciados, histórias já acontecidas, lugares e ambientes já vistos; o livro não devia ser senão o equivalente do mundo não escrito traduzido em escrita. Mas outras vezes julgo compreender que entre o livro a escrever e as coisas que já existem só pode haver uma espécie de complementaridade: o livro devia ser a parte escrita do mundo não escrito; a sua matéria devia ser o que não existe nem poderá existir senão quando for escrito, mas cujo vazio o que existe sente obscuramente na sua imperfeição.
Vejo que seja como for continuo a girar em torno da ideia de uma interdependência entre o mundo não escrito e o livro que deveria escrever. É por isso que o escrever se me apresenta como uma operação de tal peso que fico esmagado."
(p.146)

Troti
 
sábado, fevereiro 25, 2006
 
"É a minha imagem que quero multiplicar, mas não por narcisismo ou megalomania como facilmente se poderia acreditar: pelo contrário, é para ocultar no meio de tantos fantasmas ilusórios de mim próprio o verdadeiro eu que os move. Por isso, se não receasse ser mal entendido, não teria nada contra o reconstruir em minha casa a sala completamente forrada de espelhos conforme o projecto de Kircher, dentro do qual me veria caminhar no tecto de cabeça paar baixo e voar para o alto desde as profundezas do soalho."
(p.138)


Athanasius Kircher (1602-1680), Jesuit scholar, man of Letter and inventor, was one of those great minds heirs of the Renaissance Humanism.He was born in Geisa, Germany, and studied humanities, natural sciences and mathematics. He entered the Jesuit order in 1616, and was ordered priest in 1628. He has written many works about the most various matters : geography, astronomy, optics, hieroglyphs, occulted philosophy.He invented various instruments : a magnetic clock, an automatic organ, a magic lantern....


Magic Lantern

Ars Magna Lucis & Umbrae
was a study about light, shade and colours as physical and optical phenomena.Kircher was the first one to think that light, shade and colours were only elements of the sight, and that colours were the product of light and shade.But for Athanasius Kircher, man of the Church and scientist immersed in the pythagoric & neo-platonic philosophical systems, the physical world couldn't be separated from the spiritual one, and the study and understanding of the physical universe had to lead to the understanding of spiritual one. The physics couldn't be conceived apart from the metaphysics.

http://arsmagnalucis.free.fr/Kircher.htm

Troti
 
  Biting his tongue three times
In a time and in a country where everyone goes out of his way to announce opinions or hand down judgments, Mr. Palomar has made a habit of biting his tongue three times before asserting anything. After the bite, if he is still convinced of what he was going to say, he says it." But then, "having had the correct view is nothing meritorious; statistically, it is almost inevitable that among the many cockeyed, confused or banal ideas that come into his mind, there should also be some perspicacious ideas, even ideas of genius; and as they occurred to him, they can surely have occurred also to somebody else.
 
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
 
"Juntamente com o irradiar centrífugo que projecta a minha imagem ao longo de todas as dimensões do espaço, desejaria que estas páginas mostrassem também o movimento oposto com que me chegam dos espelhos as imagens que a vista directa não pode abranger. De espelho para espelho - costumo sonhar - a totalidade das coisas, o universo inteiro, a sapiência divina, poderiam concentrar os seus raios luminosos num único espelho. Ou então o conhecimento do todo pode estar sepultado na alma e um sistema de espelhos que multiplique a minha imagem até ao infinito e me devolva a sua essência numa única imagem revelar-me-ia a alma do todo que se oculta na minha."
(p.141)

Troti
 
  Calvino often writes like the scientist that his parents were
I read the book. It is very short. A number of meditations on different subjects by one Mr. Palomar, who is Calvino himself. The settings are, variously, the beach at Castiglion della Pescaia, the nearby house in the woods at Roccamare, the flat in Rome with its terrace, a food specialty shop in Paris. (…)

Palomar is on the beach at Castiglion: he is trying to figure out the nature of waves. Is it possible to follow just one? Or do they all become one? E pluribus unum and its reverse might well sum up Calvino's approach to our condition. Are we a part of the universe? Or is the universe, simply, us thinking that there is such a thing? Calvino often writes like the scientist that his parents were. He observes, precisely, the minutiae of nature: stars, waves, lizards, turtles, a woman's breast exposed on the beach. In the process, he vacillates between macro and micro. The whole and the part. Also, tricks of eye. The book is written in the present tense, like a scientist making reports on that ongoing experiment, the examined life.


Gore Vidal
 
quinta-feira, fevereiro 23, 2006
 
“A leitura é solidão...Lê-se em solidão, mesmo aos pares.”
(p.125)

Troti
 
  Girafas
Mr. Palomar, in whom penguins inspire anguish, (…) asks himself why he is so interested in giraffes. Perhaps because the world around him moves in an unharmonious way, and he hopes always to find some pattern to it, a constant. Perhaps because he himself feels that his own advance is impelled by uncoordinated movements of the mind, which seem to have nothing to do with one another and are increasingly difficult to fit into any pattern of inner harmony.
 
quarta-feira, fevereiro 22, 2006
  Citador
Uma colecção de diversas análises, reflexões, e divagações, romanceadas a partir da figura de Palomar, que provavelmente representam experiências de vida do próprio autor, Italo Calvino, perante vários tipos de situações com que se deparou e que o levou a análises curiosas e ricamente descritas, ou a introspecções soltas sobre alguns aspectos da condição humana.

Reunidos em sub-conjuntos temáticos - «As Férias de Palomar», «Palomar na Cidade», «As Viagens de Palomar», «Os Silêncios de Palomar», revelam, além da riqueza da narrativa, a que ponto pode um homem chegar quando se entrega, de uma forma porventura obcessiva, à análise e reflexão de um determinado assunto ou situação sobre um ou vários pontos de vista distintos, baralhando-se a si próprio nas conclusões a que consegue chegar, onde a contradição, mais tarde ou mais cedo, acaba por acontecer, ou uma harmonia que integra a complementaridade múltipla que representam todos os pontos de vista, ou ainda uma harmonia mais ou menos forçada mas necessária, de todos os diferentes instantes, estados de espírito, ou pessoas com vivências diferentes que encontramos na nossa vida. E que, no fundo, são uma extrapolação da nossa própria pessoa, que no limite só é completamente coerente consigo mesma em cada ínfima fracção de tempo que vive.

De realçar os excertos intitulados «Acerca dos Jovens», «O Mundo observa o Mundo», «O Universo como Espelho» e «Como Aprender a Estar Morto», extremamente interessantes e enriquecedores da forma como nos olhamos a nós próprios e ao mundo que nos rodeia.

Uma escrita nem sempre atraente, pelo excesso natural de descrição e detalhe nas introspecções do personagem Palomar, mas recheada de momentos sublimes de lógicas, raciocínios e conclusões interessantes ou imprevistas, mais dedutivas que propriamente intelectuais (daí a sua beleza), que ilustram a criatividade do pensamento humano, enfatizando o lado burlesco da existência.
 
 
O ideal seria que o livro começasse dando a sensação de um espaço ocupado totalmente pela minha presença, porque à volta só há objectos inertes, incluindo o telefone, um espaço que parece só poder conter-me a mim, isolado no meu tempo interior, e depois o interromper da continuidade do tempo, o espaço que já não é o de antes porque foi ocupado pelo toque, e a minha presença que já não é a de antes porque foi condicionada pela vontade deste objecto que se chama. O livro teria de começar dando tudo isto, não uma só vez mas como uma disseminação no espaço e no tempo destes toques que quebram a continuidade do espaço e do tempo e da vontade.”
(p.113/114)

Troti
 
terça-feira, fevereiro 21, 2006
  Waiting in line, Mr Palomar contemplates the jars.
He tries to find a place in his memories for cassoulet, a rich stew of meats and beans, in which goose-fat is an essential ingredient; but neither his palate's memory nor his cultural memory is of any help to him. And yet the name, the sight, the idea attract him, awaken an immediate fantasy not so much of appetite as of eros: from a mountain of goose-fat a female figure surfaces, smears white over her rosy skin, and he already imagines himself making his way towards her through those thick avalanches, embracing her, sinking with her.
 
segunda-feira, fevereiro 20, 2006
 
“...a conclusão a que levam todas as histórias é que a vida que se viveu é uma e uma só, uniforme e compacta como um cobertor de feltro onde não se podem separar os fios de que é tecido.”
(p.91)

Troti
 
 
“no meio da multidão naquela manhã sentia-me leve e contente, em harmonia com os outros, comigo próprio e com o mundo...(direi melhor: sentia-me em harmonia com a desarmonia dos outros e de mim mesmo e do mundo.”
(p.70)

Troti
 
  FLOCO DE NEVE, O GORILA ALBINO
"El gorila albino Copito de Nieve fue capturado por el cazador Benito Manié, un cazador de la tribu essamangon, de la etnia fang, tras abatir a toda su familia -por considerar que los gorilas de costa destrozaban sus cosechas-. Manié se percató entonces de que, agarrada a la espalda de la madre, había sobrevivido una cría albina.

La captura se produjo el 1 de octubre de 1966 cerca del poblado de Nko, en la selva de Ekonoguong y Niabesán, en la provincia del Río Muni de la antigua Guinea española, actual Guinea Ecuatorial. En el momento de su hallazgo, el gorila tenía entre dos y tres años de edad, medía 54 centímetros y pesaba 8,75 kilos.

Manié trasladó al animal al Centro de Adaptación y Experimentación Zoológica que el Ayuntamiento de Barcelona tenía en Ikunde y se lo vendió al primatólogo Jordi Sabater Pi por 15.000 pesetas, quien aceptó pagarlas si el animal sobrevivía un tiempo razonable.

El primer nombre que recibió la cría de primate fue 'Nfumu-Ngui' que, en la lengua de la etnia fang, significa 'gorila blanco'. El gorila llegó a Barcelona el 1 de noviembre de 1966, donde fue recibido por el entonces alcalde José María de Porcioles.

En marzo de 1967, 'Nfumu' apareció en la portada de la revista norteamericana National Geographic, bautizado como 'Copito de Nieve', nombre que al final se quedó como definitivo y que le valió la difusión internacional, hasta convertirse en uno de los símbolos de Barcelona.

En 1967 Copito fue recibido en audiencia por el alcalde de Barcelona, José María Porcioles. (Oriol Maspons)
Los responsables del zoo le han procurado tres parejas a lo largo de su vida, con las que ha tenido 21 hijos, de los cuales el único varón, Urko, murió el pasado mes de agosto (de 2003) tras ser operado de urgencias de peritonitis. Ninguno de sus hijos ni de sus nietos ha heredado su albinismo.

Copito llegó a alcanzar los 181 kilos de peso y 1,63 centímetros de altura, con una alimentación a base de frutas, verduras, leche y yogur desnatado. Sus cerca de 40 años de vida –muy superior a los 25 que suelen alcanzar en libertad- equivalían a más de 80 para un humano.

La peculiaridad de su albinismo le hizo siempre vulnerable a los rayos ultravioletas y, a pesar del esmero de sus cuidadores en procurarle zonas de sombra, el animal comenzó a mostrar problemas de piel en 1996. El cáncer de piel que provocó su muerte se le detectó en una exploración rutinaria en el año 2001, en forma de una llaga en su axila derecha. Aunque desde entonces fue sometido a tres operaciones quirúrgicas, los veterinarios no consiguieron que acabara de curar."

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in El Mundo, edicao de 25 de Novembro de 2003
O artigo completo pode ser lido aqui

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Joana
 
domingo, fevereiro 19, 2006
 
“...entraste dentro do romance, vês aquela praia nórdica, segues os passos do delicado senhor.”(p.61)

Gosto de saber que existem livros que ainda poderei ler......Ler...é sempre isto: há uma coisa que ali está, uma coisa feita de escrita, um objecto sólido, material, que não se pode alterar, e através dessa coisa comparamo-nos com outra coisa qualquer que faz parte do mundo imaterial, invisível, porque é só pensável, imaginável, ou porque existiu e já não existe, passando, perdida, inalcançavel, para o país dos mortos...”...ler é ir ao encontro de qualquer coisa que está para ser e que ainda ninguém sabe o que será...”(p.63)

Troti
 
  1.1 PALOMAR NA PRAIA

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A leitura das ondas
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O peito nu
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A espada do sol
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Joana
 
sábado, fevereiro 18, 2006
  Viajante

MR
 
 
“...encontro na luz do dia, nesta luminusidade difusa, pálida, quase sem sombras, uma escuridão mais densa que a noite.”
(p.53

Troti
 
 
“...o facto de alguém demonstrar ainda tanto zelo e metódica atenção, embora eu saiba que é tudo inútil, tem em mim um efeito tranquilizante, talvez por vir compensar o meu modo de viver impreciso, que – apesar das conclusões a que cheguei – continuo a sentir como uma culpa.”
(p.51)

Eu neste ponto parei.

Troti
 
 
“...desde há tempos convenci-me de que a perfeição só se produz acessoriamente e por acaso: portanto não merece nenhum interesse, porque a verdadeira natureza das coisas apenas se revela na desordem...”
(p.50)

Troti
 
  Palomar Ilustrado por Yann Nascimbenne
1. AS FERIAS DO SENHOR PALOMAR

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Palomar na praia
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Palomar no jardim
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Palomar observa os ceus
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Joana
 
sexta-feira, fevereiro 17, 2006
  E, para terminar


«o leitor está prestes a acabr o livro
a leitora veio para fora do livro
a leitora apaga a luz *
o leitor aproxima-se dela no escuro

o leitor e a leitora estão a dormir juntos
a vida continua a fluir e o livro fica»

nastenka-d
* e apaga-a, na senda de Javier Marías.
 
 
“Estou a convencer-me de que o mundo quer dizer-me qualquer coisa, enviar-me mensagens, avisos, sinais.”
(p.48)

Hoje vi uma mão sair de uma janela da prisão....Mesmo sabendo que aqui estão encerrados os presos, sempre vi a fortaleza como um elemento da natureza inerte, do reino mineral. Por isso a aparição da mão espantou-me como se tivesse saído da rocha.......Para mim foi como um sinal que vinha da pedra; a pedra queria advertir-me de que a nossa substância era comum e por isso ficaria algo do que constitui a minha pessoa, não se perderia com o fim do mundo: ainda será possível uma comunicação no deserto falto da vida, privado da minha vida e de todas as minhas lembranças. Falo das primeiras impressões registadas, que são as que contam.
(p49)

Troti
 
 
“...preferia que as coisas que leio não fossem só isso, ali todas maciças a ponto de poder tocá-las, mas que se sinta à volta a presença de outra coisa que ainda não se sabe o que é, o sinal não sei de quê.
(p.41)

Troti
 
quinta-feira, fevereiro 16, 2006
 
“As folhas de impressão foram só estampadas de um lado......assim este romance tão densamente entretecido de sensações de repente apresenta-se dilacerado por voragens sem fundo, como se a pretensão de dar a plenitude vital revelasse o vazio que está por baixo..Tentas saltar a lacuna, retomar a história agarrando-te ao pedaço de prosa que vem a seguir, rasgado como o bordo de folhas separadas pelo corta-papel. Não reencontras nada: as personagens mudaram, os ambientes, não percebes do que se está a falar, dás com nomes de pessoas que não se sabe quem são...Desconfias que se trata de outro livro...
(p.39)

Neste ponto a narrativa fica kafkiana.

Troti
 
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
  DESAFIO: Os senhores e as senhoras Palomar

Gostava de propor um desafio aos participantes e leitores do Leitura Partilhada: que cada um escrevesse uma meditacao inspirada pela observacao do seu quotidiano, a semelhanca do senhor Palomar.
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Joana
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PS:Quem nao fizer parte da equipa regular do Leitura Partilhada e quiser aceitar este desafio, pode mandar o seu texto para aurelia.blog@gmail.com
 
  E o escritor?
No Capítulo VIII, Calvino lança uma ideia muito interessante. Durante grande parte da história vimos o lado dos leitores, mas... e os escritores?

"Há quantos anos não consigo entregar-me a um livro escrito por outros, sem nenhuma relação com as coisas que devo escrever eu? Viro-me e vejo a secretária que me espera, a máquina com a folha no rolo, o capítulo para começar. Desde que me tornei um forçado do escrever, para mim acabou o prazer da leitura."

"o escrever se me apresenta como uma operação de tal peso que fico esmagado"

Mas atenção... de quem é a culpa deste estado d'alma do escritor?

"Os leitores são os meus vampiros. Sinto uma multidão de leitores a espreitar por cima do meu ombro e a apropriar-se das palavras à medida que elas se depositam no papel. Não sou capaz de escrever se estiver alguém a olhar para mim: sinto que o que já escrevo não me pertence."

Esta, engoli eu em seco.

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Dora
 
 
“…tento ao mesmo tempo bater-me a mim mesmo, talvez ao outro eu que está prestes a ocupar o meu lugar em casa ou então o eu mais meu que quero subtrair àquele outro...”
(p.36)


Eu não sou eu nem sou o outro...
Mario de Sa Carneiro

E eu sinto que sou um bocado eu, um bocado outro, outro bocado outro, outro...

Troti
 
terça-feira, fevereiro 14, 2006
 
"Já leste umas trinta páginas e estás a ficar apaixonado pela trama...
...
logo agora que começavas a interessar-te realmente, é que o autor se julga no dever de exibir um dos seus virtuosismos literários modernos, repetir um parágrafo tal e qual...
...
O que julgaste ser um rebuscamento estilístico do autor não é mais que um erro de tipografia: repetiram duas vezes a mesma página...
...
Folheias ansiosamente as páginas...
...
Seja como for, queres retomar o fio à leitura, não queres saber de mais nada, tinhas chefgado a um ponto em que não podias saltar nem sequer uma página...
...
O que mais te exaspera é encontrares-te à mercê do fortuito, do aleatório, do probabilístico, nas coisas e nas acções humanas, o desleixo, a falta de rigor, a imprecisão tua ou alheia..
...
Passas uma noite agitada...Lutas com sonhos tal como com a vida sem sentido nem forma, procurando um desígnio, um percurso que apesar de tudo tem de existir...
...
O que tu querias era o abrir de um espaço e de um tempo abstractos e absolutos em que pudesses mover-te seguindo uma trajectória exacta e linear; mas quando pensas tê-lo conseguido reparas que estás parado, bloqueado, obrigado a repetir tudo desde o princípio."
(p. 25 a 27)

Troti
 
segunda-feira, fevereiro 13, 2006
 
Este post vem no seguimento da questão levantada pela leitora Minina sobre a editora de "Se numa noite de Inverno um Viajante", que no Brasil é "Se Um Viajante Numa Noite de Inverno". Após alguma pesquisa entrei na página de um dos jornais mais conceituados no Brasil e também conhecido em Portugal, A Folha de S. Paulo.

Em 2003, este jornal lançou a Biblioteca Folha, que tinha o mesmo objectivo de, por exemplo, a Colecção Mil Folhas do jornal português Público (de 2002). Qual não é o meu espanto quando verifico que a ilustração das capas dos livros da colecção brasileira é muuuuuuuuuito parecida com a versão portuguesa.

http://www2.folha.uol.com.br/biblioteca/


http://www.publico.clix.pt/docs/cmf3/index.htm

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Dora

 
  As vezes detesto viver em Londres...
E inacreditavel, vivo numa das maiores cidades do mundo, procurei em 5 livrarias e nao consegui encontrar um unico exemplar do "Se Numa Noite de Inverno um Viajante". Contento-me com um Calvino qualquer...mas nem assim... Cada vez que pergunto se tem o livro para venda recebo em troca olhares vagos ou um encolher de ombros desconsolado...resigno-me a que minha participacao na leitura de Fevereiro seja baseada nas minhas recordacoes dos livros, que li ha muito tempo, e nao nos livros em si.A oferta de autores nao anglo-saxonicos e minoritaria nas livrarias inglesas porque a procura e muito pouca, mas mesmo assim,a ausencia de Calvino devia ser punida como crime de lesa-literatura.
A insularidade britanica nao e apenas geografica, e um modo de vida e um estado de espirito- quando o canal esta coberto de nevoeiro acham que e o continente que esta isolado.
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Joana
 
 
Depois de nos habituarmos à estrutura narrativa, o livro acaba por se conformar às regras do romance. Temos trama, enredo, interesse amoroso; temos um fio condutor bem explícito, uma "caça ao tesouro", vilões, reinos fantasiosos. (Começamos a resvalar para a fantasia, que é onde começo a arrumar Calvino.) Ainda assim, acho que prefiro os livros das pequenas preciosidades - de que Palomar será aqui exemplo - às narrativas mais convencionais do escritor. De entre estas, "Se numa noite..." é uma das minhas preferidas, muito embora empatada com a trilogia "Os Nossos Antepassados".
nastenka-d
 
domingo, fevereiro 12, 2006
 
Se numa noite de Inverno um Viajante
Fora do Casario de Malbork
Debruçando-se da escarpada falésia
Sem temer o vento e a vertigem
Olha para baixo onde a sombra se adensa
Numa rede de linhas que se entrelaçam
Numa rede de linhas que se intersectam
No tapete de folhas iluminadas pela lua
À volta de uma cova vazia
Que história lá ao fundo espera o fim?

Estou expectante...

Troti
 
 
"...é o livro em si que te desperta curiosidade; aliás, pensando bem até ppreferes que seja assim, encontrares-te perante qualquer coisa que ainda não sabes lá muito bem o que é."
(p.12)

Troti
 
 
"...este andar à volta do livro, o ler à volta dele antes de o ler por dentro, também faz parte do prazer do livro novo..."
(p.12)

Troti
 
  Quando da vindima, que fazer do que fica no cesto?
Brevíssimo post para propor algo de reduzido interesse em termos de estatística de leitura: comparar o percurso de escrita de Italino Calvino - desde o «Atalho dos Ninhos de Aranha» ao «Se numa Noite de Inverno um Viajante» - ao percurso de escrita do nosso Carlos de Oliveira. No caso da ficção deste último bastaria seleccionar o caminho que vai de «Uma Casa na Duna» ao «Finisterra». Bem sei que o interesse disto tem certamente muito "baixa densidade", mas, tal como pensam os vendedores dos "trastes" que aparecem nas feiras de velharias, há sempre quem possa ter interesse ...
ams
 
sábado, fevereiro 11, 2006
 
"Os romances longos escritos hoje em dia talvez seja um contra-senso: deu-se cabo da dimensão do tempo, não podemos viver ou pensar senão pedaços do tempo que se afastam cada um deles pela sua trajectória e de repente desaparecem. A continuidade do tempo, agora só conseguimos encontrá-la nos romances de época em que o tempo não parecia estar parado mas também ainda não era como uma explosão..."
(p.11)

Troti
 
 
"É um prazer especial o que te dá o livro acabado de publicar, não é apenas um livro que levas mas também a sua novidade..."
(p.10)

E nesta novidade vivem promessas.

Troti
 
sexta-feira, fevereiro 10, 2006
  Psicologicamente Calvino estava ali
Esta é a minha segunda tentativa de leitura do Se Numa Noite de Inverno Um Viajante..., a primeira ficou a meio mas acredito que agora consiga chegar ao fim, se bem que não sei se existe a palavra fim para este livro.

Quando comecei a ler a nota inicial, pensei cá com os meus botões: "Mas o que é isto?", de repente dei comigo a tentar ajeitar-me no banco ou sofá, a seguir as indicações do escritor, a verificar se estava tudo bem para iniciar a leitura. É incrível como aquela escrita inicial provocou uma influência no meu comportamento... psicologicamente Calvino estava ali a observar-me, o que tornou perturbador a captação daqueles caracteres e o seguimento do texto pelos meus olhos e cérebro ou já estava a seguir segundo os seus olhos e cérebro?

E depois, quer dizer e depois já estava eu, e tu e tu e tu, envolvidos no trama: estamos no bar da estação com uma mala suspeita, estamos na faculdade escondidos a ouvir as teorias sobre as línguas mortas, estamos na livraria a discutir com o livreiro "por que raio a história não tem continuação" ou a falar com o editor e a querer saber a continuação de cada uma das passagens que já tínhamos lido.

Já tive algumas reacções bem disparatadas após o fim da leitura de um livro... a pior mesmo foi atirá-lo para o sofá com aquela raiva de um leitor descontente com o final (o livro não tinha culpa mas enfim gosto de finais felizes!), por isso estou curiosa para saber como vou reagir com este... se bem que já valeu pelo seu espectacular prólogo.

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Dora
 
  Livros, livros, livros...
"...lá foste abrindo caminho pela loja dentro através da barreira cerrada dos Livros Que Não Leste, que de cenho franzido te olhavam das mesas e das estantes procurando intimidar-te. Mas tu sabes que não te deves deixar assustar, que no meio deles se estendem por hectares e hectares os Livros Que Podes Passar Sem ler, os Livros Feitos Para Outros Usos Além da Leitura, os Livros Já Lidos Sem Ser Preciso Sequer Abri-los Por Pertencerem À Categoria Do Já Lido Ainda Antes De Ser Escrito. E assim transpões a primeira muralha dos baluartes e cai-te em cima a infantaria dos Livros Que Se Tivesses Mais Vidas Para Viver Certamente Lerias Também De Bom Grado Mas Infelizmente Os Dias Que Tens Para Viver São Os Que Tens Contados. Com um movimento rápido passas por cima deles e vais parar ao meio das falanges dos Livros Que Tens Intenção De Ler Mas Antes Deverias Ler Outros, dos Livros Demasiado Caros Que Podes Esperar Comprar Quando Forem Vendidos Em Saldo, dos Livros Idem Idem Aspas Aspas Quando Forem Reeditados Em Formato de Bolso, dos Livros Que Podes Pedir A Alguém Que Te Empreste e dos Livros Que Todos Leram E Portanto É Quase Como Se Também Os Tivesses Lido. Escapando a estes assaltos, avanças para diante das torres do reduto, onde te opõem resistência
os Livros Que Há Muito Tempo Programaste Ler,
os Livros Que Há Anos Procuravas Sem Os Encontrares,
os Livros Que Tratam De Alguma Coisa De Que Te Ocupas Neste Momento,
os Livros Que Queres Ter Para Estarem À Mão Em Qualquer Circunstância,
os Livros Que Poderias Pôr De Lado Para Leres Se calhar Este Verão,
os Livros Que Te Faltam Para Pores Ao Lado De Outros Livros Na Tua Estante,
os Livros Que Te Inspiram Uma Curiosidade Repentina, Frenética E Não Claramente Justificada.
E lá conseguiste reduzir o número ilimitado das forças em campo a um conjunto sem dúvida ainda muito grande mas já calculável num número finito, mesmo que este relativo alívio seja atacado pelas emboscadas dos Livros Lidos Há Tanto Tempo Que Já Seria Altura De Voltar A Lê-los e dos Livros Que Dizes Sempre Que Leste E Seria Altura De Te Decidires A Lê-los Mesmo."
(p.8/9)

Troti
 
quinta-feira, fevereiro 09, 2006
  Um livro de começos
Confesso que, na primeira vez que li "Se numa noite...", maldisse Calvino umas três ou quatro vezes. É preciso ser um pouco sádico para escrever tão auspiciosos inícios e interrompê-los assim que a trama nos enreda. Senti-me tão ou mais defraudada do que o próprio Leitor; e que desperdício de bons romances, clamava! Hoje, porém, acho que há sacrifícios que valem - e bem - a pena. De todos aqueles romances, quantos teriam sido memoráveis?
nastenka-d
 
 
"Não é por esperaresde alguma coisa especial deste livro em especial. És uma pessoa que por questão de princípios já não espera nada de nada. Há muitos, mais jovens que tu mas também menos jovens, que vivem na expectativa de experiências extraordinárias; dos livros, das pessoas, das viagens, dos acontecimentos, do que o dia de amanhã lhes reserva. Tu não. Tu sabes que o melhor que se pode esperar é evitar o pior. Foi esta a conclusão a que chegaste, tanto na vida pessoal como nas questões gerais e até mesmo mundiais. E com os livros? é isso, exactamente porque o excluíste em todos os outros campos, achas que é justo concederes-te ainda este prazer juvenil da expectativa num sector bem circunscrito como é o dos livros, onde as coisas te podem correr mal ou correr bem..."
(p.8)

Troti
 
quarta-feira, fevereiro 08, 2006
  Excerto
'Foi logo na montra da livraria que descobriste a capa com o título que procuravas. Através desta pista visual, lá foste abrindo caminho pela loja dentro através da barreira cerrada dos Livros Que Não Leste, que de cenho franzido te olhavam das mesas e das estantes procurando intimidar-te. mas tu sabes que não te deves deixar assustar, que no meu deles se estendem por hectarese hectares os Livros Que Podes Passar Sem Ler, Os Livros Feitos Para Outros Usos Além da Leitura, os Livros Já Lidos Sem Ser Preciso Abri-los Por Pertencerem À Categoria do Já Lido Ainda Antes de ser Escrito. (...)
Tudo isto para dizer que, percorridos rapidamente com o olhar os títulos dos volumes expostos na livraria, dirigiste os teu olhos para uma pilha de Se numa noite de Inverno um Viajante fresquinhos do prelo, pegaste num exemplar e levaste-o à caixa para se regularizar o teu direito de propriedade sobre ele.'

É assim que se devem comprar livros. Com convicção.
Elsita
 
  Como escrevi um dos meus livros


O meu exemplar de "Se numa noite..." tem um apêndice de Italo Calvino onde este apresenta a estrutura seguida na construção do romance. Provavelmente não acrescenta muito à leitura do livro, mas revela algo sobre o pensamento de Calvino. O sumário que aqui se apresenta é desenvolvido e explicado em cada um dos capítulos; só para terem uma ideia, o primeiro é assim:

«o leitor que está ali (L) dê o livro que está ali (I)
o livro que está ali conta a história do leitor que está no livro (L')
o leitor que está no livro não consegue ler o livro que está no livro (I')
o livro que está no livro não conta a história do leitor que está ali

o leitor que está no livro pretende ser o leitor que está ali
o livro que está ali quereria ser o livro quie está no livro»

Nós somos o leitor que está ali
ou somos outro leitor ainda?
nastenka-d
 
terça-feira, fevereiro 07, 2006
  Memória do Mundo

Parto para te poder telefonar-te todos os dias, porque eu sempre fui para ti e tu sempre foste para mim a outra ponta de um fio, o outro pólo de uma subtil corrente de frequência modulada que corre pelo subsolo dos continentes e pelos fundões oceânicos. e quando não existe entre nós este fio a estabelecer o contacto, quando é a nossa opaca presença física a ocupar o campo sensorial, logo tudo entre nós se torna sabido e re-sabido supérfluo automático, gestos palavras expressões do rosto reacções recíprocas de agrado ou de sofrimento, tudo o que um contacto directo pode transmitir entre duas pessoas e que enquanto tal se pode dizer que é transmitido e recebido perfeitamente, sempre tendo em conta a aparelhagem rudimentar que os seres humanos têm à disposição para comunicar entre si; em resumo, a nossa presença será uma belissíma coisa para ambos mas certamente não se pode comparar à frequência das vibrações que passa através da vibração electrónica das grandes redes telefónicas e à intensidade de emoções que ela pode suscitar em nós.

Ou, em italiano, Prima che tu dica 'Pronto', título bem mais belo.
nastenka-d
 
segunda-feira, fevereiro 06, 2006
  Don’t judge a book by its cover, mas também
Previamente reservado, fui buscar este meu exemplar à Bertrand e aproveitei para percorrer as mesas com os títulos em destaque e para dar uma vista de olhos ao top 10. Quando vejo as novidades e os mais vendidos, não consigo deixar de pensar: don’t judge a book by its cover, mas também. Confesso que sou sensível ao aspecto de um livro: o tamanho, o formato, a capa, a lombada, a cor, as ilustrações. Não gosto de livros de bolso, abomino capas gongóricas e fujo se vejo qualquer coisa parecida com os calhamaços que os ingleses costumam levar para a praia. Tento imaginar o caminho que os livros já percorreram: das placas da Mesopotâmia, aos rolos e, depois, ao códice; da argila, ao papel, passando pelo papiro e pelo pergaminho; do manuscrito, ao documento impresso. Olho para o meu sofá amarelo e penso na evolução que tiveram as escrivaninhas e os atris, e nos incríveis mecanismos de leitura que já foram inventados, num esforço adaptação às necessidades do leitor. Posto isto, se numa noite de Inverno…

azuki
 
  Ilustracoes: Malbork
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Malbork
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Joana
 
domingo, fevereiro 05, 2006
 
Nós somos leitores, mas também somos personagens. Fico sempre com imensa vontade de dialogar com Calvino. Este início do “Se Numa Noite um Viajante”, é um verdadeiro deslumbre. O Leitor também sou eu; quem é a “Leitora”?
Quanto a "Palomar", é simplesmente uma porta entreaberta para a descoberta da inteligência.
Castela
 
  Cosmicómicas

(e Novas Cosmicómicas, também)
Andámos pela cidade, pelas cidades, agora damos a volta ao universo. Conheçam Qfwfq (é mesmo assim o nome impronunciável da principal personagem), nosso guia para o início da existência. No início era apenas um ponto? É claro que estávamos todos ali, começa imediatamente a recordar. Provavelmente na altura era apenas ainda um rapaz, com uma leve curiosidade pelas ancas da senhora Ph(i)Nkº, que estava no mesmo ponto em que ele mesmo estava, assim como todos os outros que, afinal, ocupavam apenas um único ponto. Não diria no espaço porque a própria noção não existia; acabou por ser a exclamação da senhora Ph(i)Nkº (Ah rapazes, se eu tivesse um pouco mais de espaço, como gostaria de vos fazer umas tagliatelle!) a criar o desejo de espaço, a criar o espaço. Claro que a expansão do universo afastou irremediavelmente a senhora Ph(i)Nkº, assim como o seu amigo, o senhor De XuaeauX, os Z'zu, o senhor Pber Pber, e todos os outros que estavam lá. É a saudade da senhora Ph(i)Nkº que faz desejar que, após alcançar uma fase extrema de rarefacção, o universo volte a condensar-se, e todos se voltem a encontrar naquele mesmo ponto, o ponto onde estavam os braços, o busto, o amor inteiro da senhora Ph(i)Nkº.
nastenka-d
 
sábado, fevereiro 04, 2006
 
foto: Apostolos


'Se numa noite de Inverno um viajante foi definido como um romance sobre o prazer de ler pelo próprio Calvino, que paralelamente cultivava então o redde rationem autobiográfico de Palomar.
E é sobre essas duas formas que paira, discreta e ligeira, aquela alegria reencontrada de escrever, e quicá de viver, que marca indelevelmente esta fase, infeliz e inesperadamente a última, de um excepcional percurso literário.'

Elsita

 
  Marcovaldo

Marcovaldo é, em muitos aspectos, complementar às "Cidades Invisíveis" - aqui o foco sai da cidade para um dos seus habitantes - um operário que se recusa a aceitar a desumanização, a mineralização do seu habitat. Tem muito de político, este livro, e muito de actual também: veja-se o capítulo em que Marcovaldo e a sua família acabam ofuscados num gigantesco supermercado, ofuscados e incapazes de participar nessa espécie de comunhão dos bens em que o consumismo por vezes se transforma. Mas Marcovaldo não é apenas o pequeno e quase invisível trabalhador, dentro dele mantêm-se os sonhos, a lembrança vaga de uma outra vida que não existe mais: por isso procura entre as pedras dos passeios algo que o leve a essa ideia de vida outra, de cidade outra, e não de jardins feitos de pequenos e tristes canterios, rios entubados e depois cobertos, casas amontoadas e ruas onde apenas os carros vivem. Nunca me recomendaram este livro na faculdade e, no entanto, deveriam tê-lo bem ao lado da Carta de Atenas de Le Corbusier.
nastenka-d
 
sexta-feira, fevereiro 03, 2006
  Ante-câmara
Este exemplar não me cheira a nada. Foi impresso em Fev/2000 e já deve ter perdido aquele aroma maravilhoso dos livros novos. Ou, porventura, nunca o teve. Gosto do tamanho das letras e da cor do papel. Também a grossura das folhas me é agradável. Espreito o número total de páginas (que atitude tão pouco digna de uma leitora amadora!), procuro as informações da contracapa e das badanas. Sinto-lhe o peso. Os livros demasiado pesados são aborrecidos de ler e os demasiado leves não têm a respeitabilidade que se impõe. Também não me é indiferente o local ou a posição em que o lerei. Manuseei-o, folheei-o vezes sem conta, tomei-lhe as medidas e ainda não comecei a lê-lo. Estou a saborear a expectativa que me provoca. É a primeira vez que leio Calvino.

azuki
 
  ILUSTRACOES
Se numa Noite de Inverno um Viajante
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Fotografia:Station de Train Coudée, Matt Irwin
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Joana
 
  As Cidades Invisíveis

Quando entrei na faculdade descobri que existiam dois livros de leitura obrigatória (na verdade, existem mais, mas não vos vou maçar com o Genius Loci, livro que, aliás, nunca cheguei a ler): As Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar, e As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.
Foi o meu primeiro Calvino e a porta de entrada para o mundo das suas pequenas preciosidades. Nada garante que Kublai Kan acredite em tudo o que diz Marco polo ao descrever-lhe as cidades que visitou nas suas missões, mas a verdade é que o imperador dos tártaros continua a ouvir o jovem veneziano com maior atenção e curiosidade que a qualquer outro enviado seu ou explorador. Na vida dos imperadores há um momento, que se segue ao orgulho pela vastidão ilimitada dos territórios conquistámos, à melancolia e ao alívio de sabermos que em breve renunciaremos a conhecê-los e a compreendê-los; um sentimento como que de vazio que nos assalta uma noite com o cheiro dos elefantes depois de chover e da cinza de sãndalo que arrefece nas braseiras; uma vertigem que faz tremer os rios e as montanhas historiados em fila na exuberante garupa dos planisférios, que enrola uns nos outros os despachos que nos anunciam a derrocada dos últimos exrécitos inimigos de derrota em derrota, e tira o lacre ds selos de reis de que nunca se ouviu falar e que imploram a protecção das nossas armadas que avançam em troca de tributos anuais em metais preciosos, peles curtidas e cascas de tartaruga: é o momento desesperado em que se descobre que este império que nos parecera a soma de todas as maravilhas é uma ruína sem pés nem cabeça, que a sua corrupção está demasiado gangrenada para que baste o nosso ceptro para a remediar, que o triunfo sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros da sua longa ruína. Só nos relatos de Marco Polo Kublai Kan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a ruir, a filigrana de um desenho tão fino que escapasse ao roer das térmitas.
As Mil e Uma Noites por amor das cidades, portanto. Era aliás esse o propósito dos bons professores ao recomendar o livro. Nos parágrafos exercita-se a imaginação - como seria cada uma daquelas cidades cujas descrições enlevavam o Kan? (Um exercício que podemos ver em Città Invisibili.) A dúvida que resta é apenas uma: somos, ao ler, Marco Polo ou Kublai Kan?
nastenka-d
 
quinta-feira, fevereiro 02, 2006
  Italo Calvino

Eu vejo-o assim:













E quanto a livros, que forma melhor de começar a ler que esta?

"Estás para começar a ler o novo romance Se numa noite de Inverno um viajante de Italo Calvino.
Descontrai-te. Recolhe-te. Afasta de ti todos os outros pensamentos.
Deixa esfumar-se no indinstinto o mundo que te rodeia.
A porta é melhor fechá-la; lá dentro está a televisão sempre acesa. Diz aos outros: "Não,não quero ver televisão!". Levanta a voz, senão não te ouvem: "Estou a ler! Não quero que me incomodem!" Não devem ter-te ouvido, com aquele barulho todo; fala mais alto, grita: 'Estou a começar a ler o novo romance de Italo Calvino!'. Ou se não quiseres não digas nada, esperemos que te deixem em paz."

Tenho sorte, na minha casa reina o silência. Até já.
Elsita
 
 
A bibliografia é extensa; não cabia num só mês. Mas ao rever a lista não consegui sentir como injusta a escolha que fizemos para este mês de Fevereiro; e Marcovaldo?, e As Cosmicómicas?, e As Cidades Invisíveis?, e a trilogia Os Nossos Antepassados? Por isso tirei os livros da estante e fiz uma revisão da matéria dada, se não de todos, pelo menos dos livros de Calvino de que mais gosto. São quase sempre os das pequenas histórias, aquelas que criam todo um mundo em meia dúzia de páginas, até menos. Mundo coerente, possível portanto, desde que acordemos com o ponto de partida. Mundo lógico e inteligente. É assim que vejo Calvino, também.
nastenka-d
 
  Bibliografia

Ficção:
Il sentiero dei nidi di ragno. Turin: Einaudi, 1947. [O Atalho dos Ninhos de Aranha]
Ultimo Viene il corvo. Turin: Einaudi, 1949.
Il visconte dimezzato. Turin: Einaudi, 1952. [O Visconde Cortado ao meio]
La formica argentina. Turin: Einaudi, 1965.
L'entrata in guerra . Turin: Einaudi, 1954.
Il barone rampante. Turin: Einaudi, 1957. [O Barão trepador]
I racconti. Turin: Einaudi, 1958.
Il cavaliere inesistente. Turin: Einaudi, 1959. [O Cavaleiro Inexistente]
La giornata d' uno scrutatore. Turin: Einaudi, 1963. [O Dia de um Escrutinador]
Marcovaldo, ovvero le stagiono in citta. Turin: Einaudi, 1963. [Marcovaldo]
Le cosmicomiche. Turin: Einaudi, 1965. [Cosmicómicas]
Ti con zero. Turin: Einaudi, 1967.
La memoria del mondo e altre storie cosmicomiche [A Memória do Mundo]
"Il castello dei destini incrociati" in Tarocchi: Il mazzo viconte de Bergamo e di New York.
Gli amori difficili. Turin: Einaudi, 1970.
Le citta invisibili. Turin: Einaudi, 1972. [As Cidades Invisíveis]
Se una notte d'inverno un viaggiatore. Turin: Einaudi, 1979. [Se numa noite de Inverno um Viajante]
Palomar. Turin: Einaudi, 1983. [Palomar]
Cosmicomiche vecchie e nuove. Milan: Garzanti, 1984. [Novas Cosmicómicas]
Sotto il Sole giaguaro. Milan (obra póstuma) ; Garzanti, 1986. [Sob o Sol Jaguar]
La strada di San Giovanni (obra póstuma). Milan: Mondadori, 1990.
Fiabe italiane. Turin: Einaudi, 1956. [Fábulas e Contos]

Ensaio:
Lezioni Americane: Sei proposte per il prossimo millennio. Milan: Garzanti, 1988. [Seis Propostas para o Novo Milénio]
Perche leggere i classici. Milan: Mondadori, 1991. [Porquê Ler os Clássicos]
Una pietra sopra: Discorsi di letteratura e societa. Turin: Einaudi, 1980.

Fonte: Outside the Town of Malbork

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quarta-feira, fevereiro 01, 2006
  ITALO CALVINO-BIOGRAFIA MINIMA
O escritor italiano Italo Calvino não nasceu na Itália, mas em Santiago de Las Vegas, Cuba, a 15 de outubro 1923, onde seus pais estavam de passagem.

Passou sua infância em San Remo. Em 1941, matriculou-se na faculdade de agronomia de Turim, mas o desenrolar da II Guerra Mundial acabou levando Calvino a participar da resistência ao fascismo.

Em 1947, lançou sua primeira obra, Il Sentiero dei Nidi di Ragno, uma novela neo-realista inspirada em sua participação na Resistência Italiana e na luta dos partigiani. Na mesma linha é seu segundo livro, Ultimo Viene il Corvo.

São livros nos quais o pensamento da Resistência Italiana aparece em quase todas as páginas, com a narração de histórias que Calvino colheu durante sua participação nos conflitos. A forte influência do neo-realismo nos primeiros textos de Calvino se deve à predominância do movimento na Itália e à grande presença de autores como Cesare Pavese e Elio Vittotini, sem dúvida alguma os escritores mais significativos dos anos que vão de 1930 a 1950 (esta última data do suicídio de Pavese).

Ao final da II Guerra, Calvino foi morar em Turim, onde se doutorou em Letras com uma tese sobre Joseph Conrad. Em seguida, passou a trabalhar para o jornal comunista L'Unità, depois, trabalhou como editor da Eunadi.

É só a partir dos anos 50 que Calvino passa a escrever as obras que o tornariam famoso internacionalmente. Seus primeiros grandes sucessos são Visconde Partido ao Meio*, Cavaleiro Inexistente e O Barão nas Árvores*.

Estes livros podem ser compreendidos dentro de uma tendência que podemos chamar de reformística e fantástico-iluminista. Em Visconde Partido ao Meio, conta-se a história de um homem que acaba dividindo-se em dois: um totalmente bom, outro totalmente mau; em Cavaleiro Inexistente, narra-se a história de uma cavaleiro que não existe, em seu lugar há apenas uma armadura que se diz cavaleiro; em O Barão nas Árvores, o protagonista Cosimo de Rondò, depois de se revoltar com a obrigação de tomar uma sopa de escargots, passa a viver suspenso nos ramos das árvores, "no meio do caminho entre o céu e a terra, em ótima posição de ver e julgar", segundo nos diz Luperini, no Tomo II do seu Il Novecento.

Calvino cria nestes livros, segundo o professor Carmelo Distante, "um mundo fantástico onde os personagens vivem longe da realidade e da história, exatamente para subtraí-los aos condicionamentos deformantes que estas exercem".

Carmelo Distante afirma que Calvino inventa "um mundo onde não é possível realizar os sonhos e as esperanças, não restando outro caminho à razão eà fantasia que o contemplá-lo e observá-lo do alto se estas mesmas querem tomar consciência do como é feito e do porquê é feito desse modo".

Em 1956, Calvino se desliga do Partido Comunista e publica seu primeiro trabalho de literatura infantil, Quem Ficar Zangado Primeiro Perde. Neste livro o escritor também transforma a realidade em fábula. O (bom) humor é o objeto mágico central, que substitui as soluções tradicionais dos contos de fada, como árvores ou animais encantados.

O duplo sentido do título sugere a ironia maior de Calvino, que usa a estrutura dos contos maravilhosos para entreter as crianças. Em entrevista, Calvino declarou, certa vez, que escrever um texto "é um ato que deve obedecer a certas regras ou transgredi-las deliberadamente". Para ele, o aspecto lúdico e o humor são "metodologicamente necessários, pois colocam tudo em discussão, até o que se acabou de dizer".

De 1959 a 1966 ele editou, junto a Elio Vittorini, a revista de esquerda Il Menabò di Letteratura, que produziu uma seqüência de importantes debates sobre o papel dos intelectuais frente à crise das ideologias e sobre o problema específico da profissão de escritor.

Em 1972, publica o livro Cidades Invisíveis, no qual o veneziano Marco Pólo conta ao conquistador Kublai Khan todas as viagens que já havia feito. O livro é um desdobrar de territórios e uma viagem pelo reino da linguagem. Mostra a qualidade de um trabalho extremamente depurado que forma, ao final, uma metrópole atemporal e superpovoada de sentidos.

Calvino mostra em Cidades Invisíveis um império sem fim e sem forma, um domínio que se destrói e se reconstrói. São lugares que abrem, se bifurcam e nunca são iguais. Anastirma, Diomira, Dorotéia, Isaura, Maurília, Zaíra, Zenóbia e outras tantas.

Suas praças, ruas, vielas, pessoas gostos e cheiros que não podem ser representados totalmente no papel, ou na voz de Marco Pólo, o eterno estrangeiro."Se um viajante numa noite de inverno", publicado em 1979, é um dos mais elogiados romances de Calvino. Uma obra de ficção que empreende uma reflexão sobre a linguagem do romance, rastreando e ironizando as múltiplas direções da narrativa contemporânea. Em seu livro seguinte Palomar, publicado em 1983, Calvino afirma que "tudo aquilo que os modelos procuram modelar é sempre um sistema de poder; mas, se a eficácia do sistema se mede pela sua invulnerabilidade e capacidade de durar, o modelo se torna uma espécie de fortaleza cujas muralhas espessas ocultam aquilo que está fora".

Em seu livro Seis Propostas para o Próximo Milênio, onde há na verdade apenas cinco propostas, o escritor fala da leveza, da rapidez, da exatidão, da visibilidade e da multiplicidade."O mais das vezes, minha intervenção se traduziu por uma subtração do peso; esforcei-me por retirar peso, ora às figuras humanas, ora aos corpos celestes, ora às cidades; esforcei-me sobretudo por retirar peso à estrutura da narrativa e à linguagem."

O último livro de Calvino lançado no Brasil é Um General na Biblioteca, uma reunião de contos. Calvino morreu no dia 19 de setembro de 1985, na cidade de Siena, na Itália, aos 61 anos, de hemorragia cerebral. Italo Calvino é, talvez, o maior de todos os aprendizes de Borges. É, assim como seu mestre, um artesão das ilusões, incluindo a da originalidade. Deixou um legado que está além da delicadeza que marca suas obras.

Fez uma literatura que mostra ao leitor a maneira como foi feita, que mostra a sua natureza mágica, lúdica. A obra de Calvino não esconde os truques utilizados pelo autor. É uma literatura sincera, delicada e extremamente ágil. O que a aproxima de seu criador, pois Calvino foi, apesar das muitas mudanças na carreira e nas escolhas literárias, um humanista durante toda a sua vida, mantendo sempre uma postura ética e generosa.
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Renato Roschel
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Os titulos das traducoes em portugues de Portugal destes livros sao, respectivamente, "O Visconde Cortado ao Meio" e "O Barao Trepador"
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Joana
 
  FEVEREIRO DE 2006

"Comecarei por dizer que nasci sob o signo da Balanca", e com este jogo de palavras do proprio Calvino- Libra (balanca) e Libro (livro) sao palavras muito semelhantes em italiano- que comecamos a nossa jornada. Ja aqui se comecam a delinear o que serao as linhas mestras do universo calviniano: astronomia, literatura e a procura de uma ordem e harmonia ocultas. Como alguns pensadores medievais, Calvino parecia acreditar que todo o universo e um grande livro que pode ser lido pelos homens.
.
Joana
 

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"ULISSES", de James Joyce (17 de Julho de 2003 a 7 de Fevereiro de 2004)

"OS PAPEIS DE K.", de Manuel António Pina (1 a 3 de Outubro de 2003)

"AS ONDAS", de Virginia Woolf (13 a 20 de Outubro de 2003)

"AS HORAS", de Michael Cunningham (27 a 30 de Outubro de 2003)

"A CIDADE E AS SERRAS", de Eça de Queirós (30 de Outubro a 2 de Novembro de 2003)

"OBRA POÉTICA", de Ferreira Gullar (10 a 12 de Novembro de 2003)

"A VOLTA NO PARAFUSO", de Henry James (13 a 16 de Novembro de 2003)

"DESGRAÇA", de J. M. Coetzee (24 a 27 de Novembro de 2003)

"PEQUENO TRATADO SOBRE AS ILUSÕES", de Paulinho Assunção (22 a 28 de Dezembro de 2003)

"O SOM E A FÚRIA", de William Faulkner (8 a 29 de Fevereiro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. I - Do lado de Swann)", de Marcel Proust (1 a 31 de Março de 2004)

"O COMPLEXO DE PORTNOY", de Philip Roth (1 a 15 de Abril de 2004)

"O TEATRO DE SABBATH", de Philip Roth (16 a 22 de Abril de 2004)

"A MANCHA HUMANA", de Philip Roth (23 de Abril a 1 de Maio de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. II - À Sombra das Raparigas em Flor)", de Marcel Proust (1 a 31 de Maio de 2004)

"A MULHER DE TRINTA ANOS", de Honoré de Balzac (1 a 15 de Junho de 2004)

"A QUEDA DUM ANJO", de Camilo Castelo Branco (19 a 30 de Junho de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. III - O Lado de Guermantes)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2004)

"O LEITOR", de Bernhard Schlink (1 a 31 de Agosto de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. IV - Sodoma e Gomorra)", de Marcel Proust (1 a 30 de Setembro de 2004)

"UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES" e outros, de Clarice Lispector (1 a 31 de Outubro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. V - A Prisioneira)", de Marcel Proust (1 a 30 de Novembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA", de José Saramago (1 a 21 de Dezembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ", de José Saramago (21 a 31 de Dezembro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VI - A Fugitiva)", de Marcel Proust (1 a 31 de Janeiro de 2005)

"A CRIAÇÃO DO MUNDO", de Miguel Torga (1 de Fevereiro a 31 de Março de 2005)

"A GRANDE ARTE", de Rubem Fonseca (1 a 30 de Abril de 2005)

"D. QUIXOTE DE LA MANCHA", de Miguel de Cervantes (de 1 de Maio a 30 de Junho de 2005)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VII - O Tempo Reencontrado)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2005)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2005)

UMA SELECÇÃO DE CONTOS LP (1 a 3O de Setembro de 2005)

"À ESPERA NO CENTEIO", de JD Salinger (1 a 31 de Outubro de 2005)(link)

"NOVE CONTOS", de JD Salinger (21 a 29 de Outubro de 2005)(link)

Van Gogh, o suicidado da sociedade; Heliogabalo ou o Anarquista Coroado; Tarahumaras; O Teatro e o seu Duplo, de Antonin Artaud (1 a 30 de Novembro de 2005)

"A SELVA", de Ferreira de Castro (1 a 31 de Dezembro de 2005)

"RICARDO III" e "HAMLET", de William Shakespeare (1 a 31 de Janeiro de 2006)

"SE NUMA NOITE DE INVERNO UM VIAJANTE" e "PALOMAR", de Italo Calvino (1 a 28 de Fevereiro de 2006)

"OTELO" e "MACBETH", de William Shakespeare (1 a 31 de Março de 2006)

"VALE ABRAÃO", de Agustina Bessa-Luis (1 a 30 de Abril de 2006)

"O REI LEAR" e "TEMPESTADE", de William Shakespeare (1 a 31 de Maio de 2006)

"MEMÓRIAS DE ADRIANO", de Marguerite Yourcenar (1 a 30 de Junho de 2006)

"ILÍADA", de Homero (1 a 31 de Julho de 2006)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2006)

POESIA DE ALBERTO CAEIRO (1 a 30 de Setembro de 2006)

"O ALEPH", de Jorge Luis Borges (1 a 31 de Outubro de 2006) (link)

POESIA DE ÁLVARO DE CAMPOS (1 a 30 de Novembro de 2006)

"DOM CASMURRO", de Machado de Assis (1 a 31 de Dezembro de 2006)(link)

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"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 30 de Abril de 2007)

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"MOBY DICK", de Herman Melville (1 a 31 de Julho de 2007)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2007)

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"AS FLORES DO MAL", de Charles Baudelaire (1 a 31 de Outubro de 2007)

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"O MANUAL DOS INQUISIDORES", de António Lobo Antunes (1 a 30 de Abril de 2008)

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"APARIÇÃO", de Vergílio Ferreira (1 a 31 de Maio de 2009)

"AS VINHAS DA IRA", de John Steinbeck (1 a 30 de Junho de 2009)

"DEBAIXO DO VULCÃO", de Malcolm Lowry (1 a 31 de Julho de 2009)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2009)

POEMAS E CONTOS, de Edgar Allan Poe (1 a 30 de Setembro de 2009)

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